Folha de S. Paulo
Racionalizar o afeto a partir de relações de
poder é problema quando vira norma, subjugando indivíduos
Há quem diga que o amor é um ato político.
Pelo visto, não há mais aspecto da existência humana que escape à politização.
A racionalização do afeto a partir de relações de poder vai desde o capitalismo
que transforma relacionamentos em produtos, passando pelo patriarcado que
controla mulheres através do romantismo até o racismo estrutural manifestado em
uniões inter-raciais.
Sobre esse último, tem crescido a busca
pela relação afrocentrada —casal formado por parceiros
negros.
Ora, amor é questão pessoal e cada um escolhe os critérios que quiser para embarcar nessa empreitada que é dividir a vida com outro ser humano. Pelos relatos dos adeptos, a união afrocentrada é valiosa em diversos aspectos, como a autoestima, a identidade e a empatia em relação às dores causadas pelo racismo.
O problema surge quando parâmetros políticos
são colocados como norma, subjugando o indivíduo. Acusações de
"palmitagem" são exemplo. O termo pejorativo surge para classificar o
comportamento de homens negros que, ao ascender socialmente, se relacionam com
brancas. Com o tempo, até mesmo mulheres negras passaram a receber a pecha.
Acirrar conflitos raciais é um aspecto
nefasto do identitarismo, usado para criticar pautas legítimas e
necessárias do movimento negro.
Em 2020, Gilberto Gil e seus filhos foram
acusados nas redes sociais de embranquecer a família, por se relacionarem e
terem filhos com pessoas brancas. É a ideia distorcida, e racista, de que
"miscigenação é genocídio". Nada diferente do que se pensava na
Alemanha de Hitler ou
na África do Sul sob apartheid.
Como uma romântica inveterada, admito, não
compreendo o fenômeno de politizar o amor. Mas, se é para fazê-lo, melhor se
basear na luta travada pelo casal americano Richard e Mildred Loving (ela negra) contra o estado de Virgínia. Em
1967, o caso chegou à Suprema Corte do país, que decidiu pela
inconstitucionalidade de leis que proibiam o casamento inter-racial. Vence o
amor, vence a política.
Um comentário:
Fazer do amor um ato político é uma dessas insanidades dos cretinos que se repetem no nosso teatro político e social.
Deitar falação sobre o amor, sobre qualquer tipo ou forma de amor, para causar dicotomia, segregação ou autosegregação e causar produção de ódio chega a ser racismo quando contextualizado sobre relações entre grupos étnicos.
E depois essa gente se apresenta como melhores que Bolsonaro!
Mas o amor mesmo, o amor como cultura, claro que o amor é um fato político! Todo resultado cultural e social é um fato político. O desamor também é, e mais ainda o ódio.
Mais da metade dos atos e dos fatos políticos são lamentáveis e ocorrem por falta de maior lucidez cultural, que leva ao doutrinarismo e ao ideologismo. Utilizar o amor para causar divisão etnica é mais um ato lamentável que praticam como política.
Infelizmente no mundo inteiro e mais ainda nos países que continuaram pobres o iluminismo não venceu e agora até está sofrendo ataques das pusilânimes forças obscurantistas.
Contra os valores de liberdade, autonomia e individuação vemos guerras sendo abertas, como na Ucrânia, no Corredor Palestino e na América do Sul. E vemos milhares de guerrinhas acontecendo, e uma delas é esse buling sobre pessoas para suprimir suas escolhas e escolherem por elas até parceiros sexuais, amigos e namorados.
Para desqualificar e inviabilizar avanços políticos e sociais construídos pela cultura pensada para unir e libertar usam tudo, até o amor.
Enquanto isto, as meninas iranianas que tiram os véus e libertam seus cabelos para protestar contra a opressão estão sendo assassinadas e os movimentos que se dizem progressistas e que são o contrário por serem fundamentalistas escolhem deliberadamente ficar calados sobre estes abusos porque seus líderes políticos são aliados da homofobia e da misoginia do regime autoritário e obscurantista do Irã.
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