Valor Econômico
Uma das principais consequências é a
dificuldade de financiar o investimento
A economia brasileira deve fechar 2023 com um
crescimento em torno de 3%, pelo terceiro ano consecutivo superando de longe as
estimativas feitas pelos analistas no fim do ano anterior. Em dezembro de 2022,
o consenso dos economistas apontava para uma expansão do PIB de 0,8% neste ano.
O comportamento da poupança e do investimento, porém, indica que o país
continuará com dificuldades para crescer a taxas mais elevadas de modo
sustentado.
Em 2023, o forte desempenho do agronegócio, com efeitos que se irradiam por outros segmentos da economia, tem impulsionado a atividade pelo lado da oferta. Já o consumo das famílias e o setor externo garantem o bom resultado pelo lado da demanda, como mostraram os números do PIB do terceiro trimestre, divulgados na semana passada.
Uma análise mais detalhada dos números,
contudo, mostra uma composição pouco animadora da evolução da economia. Além do
mix preocupante de um crescimento puxado pelo consumo das famílias, com o
investimento recuando nos últimos quatro trimestres, a taxa de poupança
doméstica tem caído. No terceiro trimestre deste ano, ela ficou em 15,7% do
PIB, abaixo dos 16,3% do PIB do mesmo período de 2022 e dos 17,2% do PIB de
igual intervalo de 2021. O Brasil teve uma taxa um pouco mais elevada entre
2004 e 2008, quando ela oscilou na casa de 20% a 21% do PIB, mesmo assim menor
que a de muitos emergentes.
Uma das principais consequências de uma baixa
taxa de poupança é a dificuldade de financiar o investimento, afetando as
perspectivas para o crescimento da economia, lembra Samuel Pessôa, pesquisador
do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e
chefe de pesquisa do Julius Baer Brasil. O indicador brasileiro fica abaixo de
alguns países latino-americanos e é bem inferior ao de vários asiáticos. A taxa
do México deve fechar em 22,6% do PIB neste ano, enquanto a do Chile atingirá 19,8%
do PIB e a do Peru, 19% do PIB, segundo números do Fundo Monetário
Internacional (FMI). Entre os asiáticos, o nível de poupança deve alcançar 44%
do PIB na China, ficando em quase 30% do PIB na Índia e na Indonésia e em 26,8%
do PIB na Malásia.
A queda recente do indicador brasileiro
ocorre num cenário de crescimento forte do consumo privado. No terceiro
trimestre, enquanto o PIB cresceu apenas 0,1% em relação ao trimestre anterior,
o consumo das famílias cresceu 1,1%. A força do mercado de trabalho, as
transferências de renda como o Bolsa Família e a queda da inflação de alimentos
ajudam a explicar esse movimento. Além disso, as famílias devem ter reduzido um
pouco o seu nível de poupança para consumir.
Para Pessôa, a maior queda do indicador vem
do setor público, que mostra uma piora expressiva no resultado das contas
públicas. Ele estima que o governo central deve ter um déficit primário (que
exclui gastos com juros) de 1,4% do PIB neste ano, depois de atingir um
superávit de 0,8% do PIB no ano passado. Já as empresas devem ter aumentado em
alguma medida o seu nível de poupança. “O forte saldo externo obtido pela
indústria extrativa mineral e pela agropecuária deve ter elevado a poupança
desses setores”, diz ele. O Brasil caminha para fechar 2023 com um superávit
comercial próximo de US$ 100 bilhões, impulsionado pelas exportações de
commodities.
A baixa taxa de poupança tende a levar um
equilíbrio estrutural de juros mais elevados e câmbio mais valorizado, afirma
Pessôa. “É uma combinação que dificulta a vida da indústria de transformação e
demais setores intensivos em capital.” É possível contar com algum grau de
poupança externa para financiar o investimento, mas é fundamental elevar a taxa
doméstica.
Nos próximos anos, pode haver alguma melhora
da poupança das famílias em função da reforma da Previdência e, talvez, do
envelhecimento da população, diz Pessôa. São fatores que tendem a fazer as
pessoas pouparem mais.
Para ele, não se deve esperar uma melhora
estrutural da poupança do setor público no governo Lula. Na visão de Pessôa, a
situação fiscal piorou significativamente nos últimos quatro meses. Não apenas
os números correntes estão ruins como há uma sinalização do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva de que o país vai operar com déficits primários maiores
nos próximos três anos, afirma ele. Pessôa estima um déficit primário de 1% do
PIB para o governo central em 2024, significativamente pior que a meta atual de
zerar o rombo.
Essa piora não afetou os preços de ativos
brasileiros, como o câmbio, devido ao resultado das contas externas, diz ele. O
dólar seguiu abaixo de R$ 5 mesmo com o aumento das incertezas sobre as contas
públicas. Para Pessôa, o Brasil parece capaz de gerar estruturalmente
superávits comerciais na casa de US$ 70 bilhões por ano, o que tende a ajudar o
país a navegar um quadro fiscal pior com um pouco mais de tranquilidade.
O Brasil, porém, tende a continuar na
mediocridade se seguir com taxas de poupança e de investimento tão baixas -
esta última caiu para 16,6% do PIB no terceiro trimestre deste ano, depois de
atingir 18,3% do PIB no mesmo período de 2022.
Pessôa acredita que o crescimento potencial
(aquele que não provoca pressões inflacionárias) pode ter aumentado de 1,5%
para 2% com reformas feitas nos últimos anos, como a trabalhista e a da
Previdência, e a aprovação da nova lei do saneamento, do marco das garantias e
da autonomia do Banco Central (BC). Além disso, há a expectativa de que a
Câmara aprove a reforma tributária ainda neste mês. A força das contas externas
também pode ter algum papel aí, ao tornar a economia mais resistente a choques.
No entanto, um ritmo de expansão de 2% ao ano
é pouco para um país com os desafios do Brasil. Elevar esse número passa por
reformas e iniciativas para impulsionar a produtividade e pela busca do
equilíbrio fiscal, melhorando a poupança pública e, com isso, contribuindo para
a redução estrutural dos juros.
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