segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Sergio Lamucci - Baixa taxa de poupança é obstáculo para acelerar o crescimento

Valor Econômico

Uma das principais consequências é a dificuldade de financiar o investimento

A economia brasileira deve fechar 2023 com um crescimento em torno de 3%, pelo terceiro ano consecutivo superando de longe as estimativas feitas pelos analistas no fim do ano anterior. Em dezembro de 2022, o consenso dos economistas apontava para uma expansão do PIB de 0,8% neste ano. O comportamento da poupança e do investimento, porém, indica que o país continuará com dificuldades para crescer a taxas mais elevadas de modo sustentado.

Em 2023, o forte desempenho do agronegócio, com efeitos que se irradiam por outros segmentos da economia, tem impulsionado a atividade pelo lado da oferta. Já o consumo das famílias e o setor externo garantem o bom resultado pelo lado da demanda, como mostraram os números do PIB do terceiro trimestre, divulgados na semana passada.

Uma análise mais detalhada dos números, contudo, mostra uma composição pouco animadora da evolução da economia. Além do mix preocupante de um crescimento puxado pelo consumo das famílias, com o investimento recuando nos últimos quatro trimestres, a taxa de poupança doméstica tem caído. No terceiro trimestre deste ano, ela ficou em 15,7% do PIB, abaixo dos 16,3% do PIB do mesmo período de 2022 e dos 17,2% do PIB de igual intervalo de 2021. O Brasil teve uma taxa um pouco mais elevada entre 2004 e 2008, quando ela oscilou na casa de 20% a 21% do PIB, mesmo assim menor que a de muitos emergentes.

Uma das principais consequências de uma baixa taxa de poupança é a dificuldade de financiar o investimento, afetando as perspectivas para o crescimento da economia, lembra Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e chefe de pesquisa do Julius Baer Brasil. O indicador brasileiro fica abaixo de alguns países latino-americanos e é bem inferior ao de vários asiáticos. A taxa do México deve fechar em 22,6% do PIB neste ano, enquanto a do Chile atingirá 19,8% do PIB e a do Peru, 19% do PIB, segundo números do Fundo Monetário Internacional (FMI). Entre os asiáticos, o nível de poupança deve alcançar 44% do PIB na China, ficando em quase 30% do PIB na Índia e na Indonésia e em 26,8% do PIB na Malásia.

A queda recente do indicador brasileiro ocorre num cenário de crescimento forte do consumo privado. No terceiro trimestre, enquanto o PIB cresceu apenas 0,1% em relação ao trimestre anterior, o consumo das famílias cresceu 1,1%. A força do mercado de trabalho, as transferências de renda como o Bolsa Família e a queda da inflação de alimentos ajudam a explicar esse movimento. Além disso, as famílias devem ter reduzido um pouco o seu nível de poupança para consumir.

Para Pessôa, a maior queda do indicador vem do setor público, que mostra uma piora expressiva no resultado das contas públicas. Ele estima que o governo central deve ter um déficit primário (que exclui gastos com juros) de 1,4% do PIB neste ano, depois de atingir um superávit de 0,8% do PIB no ano passado. Já as empresas devem ter aumentado em alguma medida o seu nível de poupança. “O forte saldo externo obtido pela indústria extrativa mineral e pela agropecuária deve ter elevado a poupança desses setores”, diz ele. O Brasil caminha para fechar 2023 com um superávit comercial próximo de US$ 100 bilhões, impulsionado pelas exportações de commodities.

A baixa taxa de poupança tende a levar um equilíbrio estrutural de juros mais elevados e câmbio mais valorizado, afirma Pessôa. “É uma combinação que dificulta a vida da indústria de transformação e demais setores intensivos em capital.” É possível contar com algum grau de poupança externa para financiar o investimento, mas é fundamental elevar a taxa doméstica.

Nos próximos anos, pode haver alguma melhora da poupança das famílias em função da reforma da Previdência e, talvez, do envelhecimento da população, diz Pessôa. São fatores que tendem a fazer as pessoas pouparem mais.

Para ele, não se deve esperar uma melhora estrutural da poupança do setor público no governo Lula. Na visão de Pessôa, a situação fiscal piorou significativamente nos últimos quatro meses. Não apenas os números correntes estão ruins como há uma sinalização do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o país vai operar com déficits primários maiores nos próximos três anos, afirma ele. Pessôa estima um déficit primário de 1% do PIB para o governo central em 2024, significativamente pior que a meta atual de zerar o rombo.

Essa piora não afetou os preços de ativos brasileiros, como o câmbio, devido ao resultado das contas externas, diz ele. O dólar seguiu abaixo de R$ 5 mesmo com o aumento das incertezas sobre as contas públicas. Para Pessôa, o Brasil parece capaz de gerar estruturalmente superávits comerciais na casa de US$ 70 bilhões por ano, o que tende a ajudar o país a navegar um quadro fiscal pior com um pouco mais de tranquilidade.

O Brasil, porém, tende a continuar na mediocridade se seguir com taxas de poupança e de investimento tão baixas - esta última caiu para 16,6% do PIB no terceiro trimestre deste ano, depois de atingir 18,3% do PIB no mesmo período de 2022.

Pessôa acredita que o crescimento potencial (aquele que não provoca pressões inflacionárias) pode ter aumentado de 1,5% para 2% com reformas feitas nos últimos anos, como a trabalhista e a da Previdência, e a aprovação da nova lei do saneamento, do marco das garantias e da autonomia do Banco Central (BC). Além disso, há a expectativa de que a Câmara aprove a reforma tributária ainda neste mês. A força das contas externas também pode ter algum papel aí, ao tornar a economia mais resistente a choques.

No entanto, um ritmo de expansão de 2% ao ano é pouco para um país com os desafios do Brasil. Elevar esse número passa por reformas e iniciativas para impulsionar a produtividade e pela busca do equilíbrio fiscal, melhorando a poupança pública e, com isso, contribuindo para a redução estrutural dos juros.

 

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