O Globo
Entre uma onda e outra de calor, sinto o
planeta se aquecendo e, às vezes, me pergunto: será que conseguimos?
Se hoje é segunda-feira, devo estar em
Maceió. O tema, todos sabem: 60 mil pessoas expulsas de 14 mil casas porque a
terra abrirá. As minas de sal-gema da Braskem inviabilizaram cinco bairros da
capital de Alagoas.
O ano está terminando. Pretendo trabalhar
direto. Argentina, quem sabe Essequibo. Há pouco tempo e muito a aprender. Uso
os excedentes para comprar equipamentos em black
fridays. Não os mitifico, mas fazem a diferença numa equipe
minimalista.
Foi o ano mais quente da História. Lindas manhãs: maio, junho, julho, agosto, setembro, novembro anuviou. O El Niño trouxe reflexos aqui, embora tenha devastado o Sul, secado a Amazônia e ameaçado o inverno que entra no Nordeste.
Ainda assim, creio que não há mais retorno.
Já estamos fervendo, e o futuro vem quente. Se fosse apenas o clima mutante,
talvez pudéssemos ainda respirar. Segue a guerra na Ucrânia atravessando o ano,
o atentado terrorista de 7 de outubro em Israel, mortes, raptos, estupros. E
ainda há quem duvide que o Hamas seja uma organização terrorista.
Depois disso, vieram os ataques a Gaza, imagens
dilacerantes de hospitais atacados, de corpos de crianças retirados dos
escombros. Há outras guerras no mundo.
Mas essa monopolizou nossa dor.
Guerras no Iêmen, Sudão, Burkina
Faso, Etiópia,
todas elas numa gaveta.
Freud dizia que, sem um pouco de fuga, a
realidade seria insuportável. Talvez seja por isso que a imprensa ocidental se
concentre em dois conflitos.
O Brasil voltou ao mundo neste ano.
Disposição de preservar a Amazônia, vontade de liderar o combate às mudanças
climáticas. Mas o mundo a que o Brasil voltou é muito complicado. A vontade de
atenuar conflitos foi abatida por declarações contraditórias. Para a imprensa
francesa, o Brasil parecia preferir Putin.
No Oriente Médio todos os brasileiros foram
retirados com segurança. Isso é bom porque nos dá garantia de que não ficaremos
sós em regiões complicadas.
Por falar em segurança, há temas que continuo
a acompanhar, mas com a sensação de déjà-vu. Um deles é a violência no Rio.
Sempre a mesma indignação, sempre as mesmas respostas, sempre a mesma
ineficácia.
Das coisas da política, destacaria a reforma
tributária. Algo que vem para melhorar, uma mudança real. Há outras coisas,
mas esse cotidiano me aborrece um pouco.
O realismo fantástico ataca de novo na
América do Sul. Milei se elege na Argentina e confessa que fala com o espírito
do seu cachorro. Maduro diz que ouve passarinhos e ameaça invadir a Guiana.
Fui algumas vezes àquela fronteira, Uiramutã,
Raposa Serra do Sol, Pacaraima, sempre via a Guiana do outro lado do rio. Não
sabia ainda que tinham ficado tão ricos, com a reserva de minérios que atrai os
chineses e 11 bilhões de barris de petróleo que atraem os americanos.
Agora, todos os dias leio sobre Maduro no
jornal criado por Petkoff, o Tal Cual. Tinha deixado um pouco de lado a
Venezuela, mas as eleições me obrigam a voltar.
Milei, Maduro, direita, esquerda, nuestra América. Há muita
loucura por aí, Nicarágua, El Salvador,
esquerda, direita, nuestra América.
O plano é tocar discretamente o barco no
Brasil e, sempre que houver uma chance dentro e fora do país, sair em busca de
uma história. Saul Leiter, o grande fotógrafo, disse que ver é uma arte muito
neglicenciada. Queria pagar minha dívida com a arte de ver, antes que escureça
totalmente.
Antes também que este ano maluco acabe,
tentarei um balanço mais equilibrado. Entre uma onda e outra de calor, sinto o
planeta se aquecendo e, às vezes, me pergunto: será que conseguimos?
É preciso correr. Mesmo se vencermos essa
luta coletiva, de qualquer forma, existe a individual, em que todos
democraticamente somos perdedores.
Um comentário:
Pois é.
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