Mudar projeto atrasará o mercado de carbono no Brasil
O Globo
Texto do Senado não é o ideal, mas aprová-lo
com rapidez será melhor que tentar corrigir as imperfeições
O governo planejava aproveitar a Conferência
Climática das Nações Unidas em Dubai, a COP28, para lançar o mercado de carbono
no Brasil. O projeto estava aprovado no Senado, mas o plano não deu certo.
Agora, o relator na Câmara, deputado Aliel Machado (PV-PR), deveria acelerar a
tramitação, evitando introduzir no texto mudanças que o levem ao reexame pelos
senadores.
O projeto cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Empresas que lançarem mais de 10 mil toneladas de gás carbônico na atmosfera (ou o equivalente em outros gases) ficam obrigadas a apresentar um relatório de emissões e reduções, pelas quais têm direito a créditos. As que emitirem mais de 25 mil toneladas devem comprar esses créditos das que tiverem reduzido suas emissões — ou então precisam pagar multas, perdem benefícios fiscais e ficam proibidas de firmar contratos com o setor público.
A negociação de créditos de carbono, hoje
voluntária, passa ao mercado formal. Com a compra e a venda reguladas por lei,
empresas incapazes de reduzir emissões têm de comprar a permissão de outras que
as reduzirem. Tal mecanismo induz a transição a uma economia mais limpa e
contribui para o Brasil cumprir as metas de corte das emissões assumidas no
Acordo de Paris. O projeto também traz segurança jurídica às iniciativas de
descarbonização, criando uma autoridade nacional de natureza técnica,
responsável por avaliar projetos e certificar as metodologias.
O relator pretendia estender os efeitos da
lei também a mercados voluntários, como os existentes em vários estados, que
hoje podem receber créditos por projetos de preservação em seus territórios.
Uma dúvida sobre essas iniciativas locais tem impedido o texto de andar mais
rápido. Na versão sugerida pelo relator, proprietários ou comunidades indígenas
que quisessem desenvolver projetos privados para vender créditos de carbono
deveriam avisar a um organismo federal. Nesse caso, o estado abriria mão daquele
crédito. Estados da Amazônia, hoje os mais avançados em créditos de carbono,
resistem. É essencial que as negociações em curso resolvam essa questão da
jurisdição. Tal discussão não deveria retardar a tramitação de um projeto
urgente.
É verdade que o texto aprovado no Senado está
longe de ser o ideal. A exemplo de outras iniciativas no mundo, exclui do
mercado a agropecuária, setor responsável por pelo menos 25% das emissões
brasileiras. Mas todas as deficiências poderão ser sanadas depois, quando a
negociação de créditos já estiver consolidada no Brasil, afirma o engenheiro
florestal Weber Amaral, da USP. O mais importante agora é acelerar a aprovação,
para o Brasil dispor de um mercado em funcionamento até 2025, quando será o
anfitrião da COP30.
A negociação de créditos de carbono permitirá
ao país, no entender de Amaral, ir além da manutenção das florestas,
disseminando práticas de agricultura regenerativa, replantio e soluções
tecnológicas de captura do carbono. Cabe ao Estado o papel de dar segurança
jurídica a esses negócios. Por isso o Congresso tem o dever de instituir logo o
mercado de carbono, que funcionará como catalisador dos projetos de redução das
emissões e transformará o combate ao aquecimento global também em bom negócio.
Bênção a gays e divorciados reforça
humanização do papado de Francisco
O Globo
Com decisão histórica, pontífice tenta
modernizar visão da Igreja sobre a sociedade contemporânea
O Papa
Francisco tem aproveitado brechas nos dogmas da religião
católica para modernizar a visão que a Igreja tem da sociedade. Sem alterar o
sacramento do matrimônio entre homem e mulher, ele autorizou
a bênção a casais do mesmo sexo ou “em situação irregular”, referência
cifrada aos divorciados. A decisão histórica não surpreendeu. Francisco faz
acenos aos homossexuais desde que foi escolhido para suceder a Bento XVI. “Se
uma pessoa é gay e busca Deus, quem sou eu para julgá-la?”, afirmou depois de
eleito Papa, ao responder a uma pergunta da correspondente Ilze Scamparini
durante uma viagem de avião. A diferença é que, hoje em dia, o casamento gay —
assim como outrora o divórcio — se tornou uma realidade incontornável em
praticamente todas as democracias ocidentais. De alguma forma, a Igreja se viu
obrigada a lidar com a questão.
O avanço no tratamento a casais homossexuais
vem sendo preparado há muito tempo, sob a resistência da ala mais conservadora
da Igreja. A permissão para a bênção está fundamentada em documento do
Dicastério para a Doutrina da Fé, assinado por Francisco. “A possibilidade de
bênçãos de casais em situações irregulares e de casais do mesmo sexo não deverá
encontrar qualquer fixação ritual por parte das autoridades eclesiásticas para
não causar confusão com a bênção do sacramento do matrimônio”, diz o texto.
A decisão de formalizar o acolhimento a
casais gays e divorciados foi anunciada seis semanas depois da conclusão de um
sínodo em que bispos, leigos, homens e mulheres debateram a questão dos
LGBTQIA+ e dos divorciados. Enquanto a discussão avançava, em outubro passado,
cinco cardeais conservadores pediram ao Papa para reafirmar a doutrina católica
sobre os casais homossexuais. Não tiveram êxito.
Como em qualquer embate político, a decisão
não foi tomada sem avanços e recuos. Em 2021, o Vaticano infelizmente reafirmou
que a homossexualidade “é um pecado” e ratificou que casais do mesmo sexo não
podem receber o sacramento do casamento. Os mais conservadores comemoraram na
ocasião. Pelos relatos, Francisco se surpreendeu com a reação negativa à
declaração de 2021 e decidiu avançar até a autorização da bênção.
A resistência física do Papa desperta
preocupação. Aos dez anos de pontificado, Francisco enfrenta problemas de saúde
devido à artrose no joelho, dor no nervo ciático e bronquite. Muitos gostariam
de vê-lo aposentado como Bento XVI, possibilidade que o próprio Papa não
afasta. Outros temem retrocesso caso o sucessor venha da ala conservadora da
Igreja. Uma recaída conservadora do Vaticano em um futuro pontificado poderia
acarretar perda ainda maior de espaço da Igreja para denominações evangélicas.
Francisco parece ter consciência disso.
Quanto à bênção a casais gays e divorciados,
não poderá haver retrocesso, pois ela é protegida pelo dogma da infalibilidade
papal.
Inflação cede e juros podem cair mais com
ajuste fiscal sério
Valor Econômico
Contenção do déficit pode acelerar cortes da
Selic
A inflação vem declinando consistentemente,
mostra o Relatório de Inflação do Banco Central de dezembro. A inflação
subjacente, que capta movimento dos preços de bens mais afetados pelo ciclo
econômico, está dentro do intervalo da meta (4,27%). E, mais surpreendente, a
média móvel trimestral anualizada dos núcleos de inflação, com ajuste sazonal,
encostou na meta de 3% pela primeira vez em três anos (desde novembro de 2020).
Ao longo do trimestre encerrado em novembro, o IPCA foi menor do que o BC projetava
em todos os meses. Em um ano, foi 0,42 ponto percentual menor - a autoridade
monetária, antes, errara em geral para menos em suas estimativas.
O cenário é benigno, mas ainda assim as
expectativas inflacionárias estão desancoradas, segundo o BC, e o ajuste até
atingir a meta será mais longo. Os analistas do Focus previram inflação de
3,93% no próximo ano e de 3,5% em 2025. O cenário de referência do BC ratifica
a expectativa para 2024, mas dela difere em 2025, para o qual considera mais
provável um IPCA de 3,2%. Ambos consideram na projeção uma política fiscal que
foi expansionista em 2023 e levam em conta a preocupação de que o governo a
mantenha caminhando na contramão da política monetária no ano que vem.
Alguns fantasmas que influíram para aumentar
as incertezas das projeções parecem ter desaparecido. A economia cresceu ao
longo do ano sistematicamente mais do que previram analistas privados e BC e,
ainda assim, não esgotou sua capacidade ociosa, expressa pelo hiato do produto,
que indica o quanto a atividade econômica precisa crescer ou desacelerar para
atingir seu potencial. O hiato do produto foi reestimado de -0,8 para -0,6 no
último trimestre do ano. Se com toda a expansão de 3% houve folga de capacidade,
com a desaceleração prevista para o ano que vem (1,7%), também não deverá
ocorrer um aumento brusco dela. O BC projeta um hiato de -0,7 para o último
trimestre de 2024.
As projeções de inflação foram baixistas no
ano, estão estáveis em 2024 e com pequena elevação em 2025. O que deve
pressionar o IPCA no curto prazo são os efeitos do El Niño sobre a safra
agrícola, com prováveis aumentos dos preços dos alimentos. Em fevereiro, o
índice deve sentir os efeitos do aumento do ICMS sobre combustíveis, após a
estabilidade até dezembro decretada no governo de Jair Bolsonaro.
Em contraposição, o cenário externo, apesar
das incertezas, é “menos adverso”, segundo o BC. Parece haver poucas dúvidas
agora de que as taxas de juros nos EUA e Europa, as maiores em quatro décadas,
atingiram seu pico e podem iniciar trajetória inversa no primeiro semestre do
ano. As condições financeiras tornaram-se menos restritivas, depois que na
reunião do Federal Reserve americano seus membros estimaram pelo menos três
cortes de juros em 2024.
Condições financeiras menos restritivas
favoreceram também o Brasil. Segundo o BC, as variáveis que integram o cálculo
dessas condições apontaram nessa direção, como as quedas dos juros futuros
domésticos e no exterior, do índice de risco (VIX), do risco país e do preço do
petróleo, além da apreciação do real, desvalorização do dólar global e alta das
bolsas no país e no exterior.
Nem todos esses componentes influem na
inflação, mas alguns contribuíram para a queda do IPCA. A redução dos preços
das commodities em geral, puxada pelo petróleo (-11%), levou à queda de 5,8% em
dólar do IC-Br no trimestre findo em novembro e foi potencializada pela
valorização do real, atingindo 6,3%. A queda do petróleo permitiu redução do
preço dos combustíveis, com reflexo baixista nos preços em geral. Os preços
industriais recuaram no trimestre até novembro e a inflação subjacente de
serviços subiu um pouco, mas em 12 meses (4,37%) se aloja no intervalo da meta.
O BC fez revisão marginal para o PIB do ano
que vem, de 1,8% para 1,7%. Um dos fatores mais relevantes para a desaceleração
virá do setor externo, cuja contribuição para o crescimento de 3% em 2023, de
1,9 ponto percentual, passará a ser negativa em 2024 (-0,2 ponto). Na economia
morna do ano que vem, o BC vê perda de fôlego da agricultura e serviços, na
oferta, e do consumo das famílias, do governo e das exportações líquidas, na
demanda. Os investimentos devem crescer pouco (1%), assim como a indústria (1,7%).
Sem grande ímpeto na economia, o IPCA deverá
cair para abaixo de 4% já no primeiro trimestre do ano, para só encostar na
meta no primeiro trimestre de 2025 (3,1%). O BC não mostra intenção de aumentar
o ritmo de cortes da Selic, embora esse seja um cenário possível. Os juros
reais continuarão altos até o fim. Uma tabela divulgada pelo BC mostra que se a
expectativa de a taxa básica cair a 8,5% no fim de 2025 se concretizar, ela
ainda será a mais alta de 13 países comparados, e só inferior à da Rússia e da
Ucrânia.
O juro real (descontada a inflação) encerrará 2023 em 6,2%, e 2024 em 5,2%. Em 2025 e 2026, o BC o estima em 4,8%, acima da taxa neutra, elevada a 4,5%. O ciclo de aperto se encerraria com a Selic perto de 7,75%. Se o governo não inovar e levar a sério o novo regime fiscal, estarão dadas as condições para acelerar os cortes de juros. Há um cenário favorável no curto prazo a ser aproveitado.
Mais desgaste no STF
Folha de S. Paulo
Ministro não deveria poder julgar causa de
cliente de cônjuge, como fez Toffoli
Continua a pleno vapor no Supremo Tribunal
Federal a implosão do legado das operações anticorrupção da década passada. O
ministro Dias
Toffoli suspendeu multa de R$ 10,3 bilhões aplicada ao grupo J&F no
acordo de leniência, firmado em 2017, entre a organização empresarial e o
Ministério Público Federal, com chancela da Justiça.
O acordo de leniência é uma espécie de
delação premiada para o mundo corporativo. Por meio dele, as companhias cujos
executivos confessaram crimes e desfalques se submetem ao pagamento de multas
reparatórias e se comprometem a corrigir condutas. O bônus é verem-se livres de
processos e embaraços administrativos.
A penada de Toffoli a favor da petição da
J&F não causou surpresa. Em setembro, o ministro —ex-advogado do PT
indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009— fulminou para
efeitos práticos o acordo de leniência da Odebrecht empregando fraseado mais
próximo do manifesto político que da linguagem judicial canônica.
Se ainda vigorasse a proibição de magistrados
julgarem causas de clientes de seus cônjuges, poder-se-ia antepor algum
obstáculo ao desfecho, pois a mulher de Dias Toffoli advoga para a J&F num
litígio empresarial. Mas o Supremo derrubou em agosto o veto, e assim se foi a
cautela ética para estimular a equidistância em juízos como esse.
A evidenciar estarem mesmo em baixa os
pruridos sobre a má repercussão de decisões que expandem os poderes do STF ou
atendem a interesses corporativistas, o ministro Toffoli também derrubou
uma decisão do
Tribunal de Contas da União que impedia o pagamento do obsoleto quinquênio a
juízes.
O erário que se vire para esfolar o
contribuinte e pagar R$ 870 milhões —o custo estimado da liberação desse
generoso presente de Natal— aos doutos integrantes da elite do funcionalismo,
luminares de um dos Judiciários mais dispendiosos do mundo, pelo simples fato
de terem completado alguns períodos de cinco anos na carreira.
Virar as costas para o sentimento médio da
sociedade nem sempre é uma atitude condenável quando se trata de quem deve
zelar pela distribuição da Justiça. Muitas vezes é uma exigência para que os
direitos individuais sejam protegidos.
O que está se passando com a cúpula do
Judiciário brasileiro nesses casos, contudo, não guarda relação com o seu nobre
papel contramajoritário. Trata-se de um encastelamento regado a soberba e
privilégios e de uma reacomodação explícita com os velhos e corruptos modos de
fazer política no Brasil.
Os exageros cometidos no passado, com o
beneplácito da corte, a pretexto de combater os crimes do colarinho branco não
justificam nem autorizam esse retrocesso.
Ensino adiado
Folha de S. Paulo
Hesitações e divergências atrasam reforma do
nível médio, o que prejudica alunos
Grandes mudanças em políticas públicas não
devem ser feitas de modo açodado, mas a demora em decidir também produz efeitos
deletérios. É o que se vê na reforma do novo ensino médio.
Hesitações do Executivo em formular e enviar
seu projeto à Câmara e dificuldades na articulação política fizeram com que a
votação, marcada para a última terça (19), fosse adiada para o ano que vem.
Aprovada em 2017, sob o governo de Michel
Temer (PMDB), a reforma expandiu a carga horária de 2.400 para 3.000 horas,
sendo 1.800 para disciplinas tradicionais (como português e matemática) e 1.200
para as matérias optativas, os chamados itinerários formativos.
O objetivo era tornar o currículo mais
atraente para incrementar o aprendizado e combater a evasão escolar. Louvável
em teoria, a reforma esbarrou na realidade da educação brasileira.
Infraestrutura precária somada ao baixo número de professores capacitados
fizeram com que as redes de ensino não conseguissem colocar as alterações em
prática.
Tornou-se patente a necessidade de mudanças.
Passadas as turbulências provocadas pela pandemia de Covid-19, esperava-se que,
com o novo governo, o tema fosse tratado com afinco.
Mas só em outubro o Executivo enviou à Câmara
seu projeto, que, entre outras modificações, eleva a carga
das disciplinas regulares para 2.400 —no caso do ensino
técnico, são 2.100, de modo a abrir espaço para o conteúdo da modalidade.
O presidente da Casa legislativa, Arthur Lira
(PP-AL), indicou como relator o deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), que
era o ministro da Educação de Temer em 2017. Não apenas a escolha desagradou ao
MEC, chefiado pelo petista Camilo Santana, mas também as mudanças propostas.
De acordo com o novo texto, as
disciplinas comuns passam a ter piso de 2.100 horas, com 300
flexíveis que os estados podem escolher como usá-las —se para o currículo comum
ou os itinerários.
Santana pediu
adiamento da votação por discordar do relatório. De fato, vamos
muito mal no básico (português e matemática), segundo avaliações externas e
domésticas. Porém, com o atraso do debate, os alunos terão de esperar ainda
mais pela definição da reforma.
A missão não se esgota aí. Governos federal e estaduais precisam resolver questões como formação de professores, infraestrutura das escolas e planos contra a evasão.
É assim que o STF quer ser respeitado?
O Estado de S. Paulo
Decisão de Dias Toffoli suspendendo multa do
Grupo J&F é a antítese do que deve ser o exercício da magistratura. E
fulmina a autoridade do STF perante a população
O Congresso tem razão em estudar modos
efetivos de limitar o poder individual dos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF). O que vem ocorrendo no STF não tem paralelo em nenhuma Corte
Constitucional, num exercício arbitrário e idiossincrático do poder monocrático
por parte de ministros do Supremo. Sem nenhum exagero, é o exato oposto do que
deve ser um controle de legalidade e constitucionalidade minimamente sério e
responsável.
Proferida na quarta-feira, justo quando se
iniciou o recesso do Poder Judiciário, a decisão do ministro Dias Toffoli
suspendendo a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência do Grupo J&F
é um deboche com o direito, com a prudência, com a moralidade e com a própria
Corte. É, com todo o rigor da palavra, um escândalo, por diversos motivos.
Em setembro, Dias Toffoli deu uma liminar
anulando todas as provas obtidas por meio do acordo de leniência que a
Odebrecht celebrou no âmbito da Operação Lava Jato. Foi uma decisão exagerada e
desequilibrada que, numa só canetada, colocou abaixo o trabalho de anos de
várias instituições estatais. Numa espécie de ato imperial, o ministro Toffoli
decretou “terra arrasada” em todo o trabalho da Lava Jato envolvendo a
Odebrecht.
Como se seu objetivo fosse dificultar – ou
mesmo impedir – que a população enxergasse algum caráter jurídico na decisão,
Dias Toffoli usou a liminar para fazer revisionismo histórico. Entre outras
preciosidades, afirmou que a prisão de Lula da Silva havia sido “um dos maiores
erros judiciários do País”.
Pois bem, sem que o colegiado do STF sequer
tenha apreciado sua liminar de setembro envolvendo a Odebrecht, Dias Toffoli
dobrou a aposta no erro, agora em relação à J&F, suspendendo a multa
acertada entre as partes em um acordo de leniência. Segundo o ministro Toffoli,
haveria uma “dúvida razoável” a respeito da voluntariedade com a qual o acordo
foi celebrado.
É tudo inteiramente absurdo, mas foi o que
ocorreu. Nas vésperas do fim de 2023, Dias Toffoli entendeu que um acordo
celebrado em 2017 deveria ser liminarmente suspenso em razão de haver dúvidas
sobre se as partes o celebraram voluntariamente. Ao longo de todos esses anos,
ninguém teria notado a falha que despertou, agora, a excepcional prontidão do
ministro Toffoli.
Isso não é funcionamento normal de uma Corte
Constitucional. Isso não é exercício do poder jurisdicional dentro de um Estado
Democrático de Direito. A decisão de quarta-feira é um escancarado
voluntarismo, típico de quem se considera acima da lei e livre de qualquer
controle. Ora, a lógica do “eu posso, eu faço” não vale no regime
constitucional democrático.
A agravar o quadro, desmoralizando ainda mais
a Corte perante a população, a mulher de Dias Toffoli, a advogada Roberta
Rangel, presta assessoria jurídica para a J&F em litígio envolvendo a
compra da Eldorado Celulose. Meses atrás, o ministro declarou-se impedido de
julgar uma ação do grupo. Agora, esse mesmo ministro suspendeu sozinho uma
multa de R$ 10,3 bilhões da empresa.
É de perguntar: em qual modelo de
magistratura os ministros do STF se inspiram? Em que regime democrático vale
esse tipo de atuação irregular, imprevisível e sem nenhum controle?
É preciso dar um basta a esse tipo de
comportamento. O colegiado do STF não pode ignorar a decisão escandalosa de
quarta-feira ou fingir que ela não afeta diretamente a autoridade da Corte
perante a sociedade brasileira. Nos últimos anos, o Supremo realizou um
trabalho fundamental em defesa da democracia e da cidadania. Mas isso não
autoriza devaneios imperiais em favor de quem quer que seja.
Os exageros da Operação Lava Jato, que
existiram e precisam ser corrigidos, não serão sanados com canetadas
monocráticas às vésperas do recesso do Judiciário. O controle de legalidade e
constitucionalidade é resultado de um trabalho colegiado, realizado de maneira
serena, concreta e, principalmente, transparente.
Que ninguém se engane. Os piores ataques
contra o STF não são os de fora, mas os que vêm de dentro. Não cabe conivência
com eles.
Mais dívidas para Estados e municípios
O Estado de S. Paulo
Governo acelera liberação de garantias para
operações de crédito a Estados e municípios. Política de estímulo ao
endividamento dos entes federativos já expôs a União a riscos
O governo Lula da Silva tem dado indícios de
que pretende retomar a política perigosa de estímulo ao endividamento de
Estados e municípios. Segundo informações do jornal Valor, o volume total de
garantias liberadas pela União para crédito aos entes federativos atingiu R$
17,41 bilhões até agosto, quase três vezes mais que no mesmo período do ano
passado.
A liberação de garantias pela União é
essencial para que Estados e municípios possam tomar empréstimos. Ao contrário
do governo federal, Estados e municípios não têm autonomia para emitir dívida
própria e precisam do apoio da União para conseguir crédito em instituições
financeiras e organismos internacionais. Com esse aval, no entanto, a União se
compromete a arcar com as dívidas em caso de inadimplência.
Nem sempre foi assim. Até o fim da década de
1990, os Estados utilizavam seus próprios bancos estaduais para financiar seus
déficits, via financiamentos e absorção de títulos públicos. Quando essa
situação ficou completamente fora de controle e ameaçou a solidez do sistema
financeiro nacional e até o controle da inflação, o governo federal teve de
fazer uma renegociação e assumir esses passivos; em contrapartida, os Estados
concordaram em privatizar bancos e distribuidoras de energia.
Desde então, Estados e municípios precisam
cumprir alguns requisitos mínimos para se endividar. A Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF) estabelece alguns limites, como o gasto com pessoal, que não pode
superar 60% da Receita Corrente Líquida (RCL). Já o Ministério da Fazenda
avalia a capacidade de pagamento (Capag) de cada ente federativo e os
classifica com notas A, B, C e D.
À exceção da Bahia, todos os Estados tiveram
nota igual ou pior entre 2022 e 2023. Se não houve melhora, o que justificou um
volume tão expressivo de garantias liberadas de um ano para o outro? De acordo
com o Valor, parte dos novos contratos de garantia assinados pela União tomou
como base as notas de Capag de 2022 – ano em que a arrecadação dos Estados
ainda não havia sido afetada pela mudança na legislação de ICMS de combustíveis
e energia, que fez com que as receitas despencassem mais recentemente.
Ainda que a liberação das garantias tenha
sido acelerada neste ano, muitos dos recursos emprestados por bancos e
organismos internacionais só chegarão aos Estados e municípios em 2024. Isso,
por si só, já ensejaria alguma desconfiança. É inegável que o reforço no caixa
de governadores e prefeitos poderá influenciar os resultados das eleições
locais, haja vista que muitas dessas operações devem financiar investimentos em
obras de infraestrutura.
O pior, no entanto, é que a capacidade de
pagamento dos Estados e municípios não foi adequadamente aferida pela União
nessas operações. No mercado financeiro, diz-se que retorno passado não é
garantia de ganho futuro; no caso das novas leis de ICMS sobre combustíveis e
energia, no entanto, podese cravar, com toda a certeza, que a arrecadação do
passado nunca mais se repetirá. Logo, ela jamais deveria ter sido considerada
na liberação de garantias para operações de crédito.
Uma avaliação inadequada sobre o risco dessas
operações pode expor a União a riscos nada triviais, como mostram as crises que
ocorreram na história recente. Depois de estimular abertamente o endividamento
dos Estados e municípios entre 2012 e 2014 e liberar quase R$ 140 bilhões em
garantias, a União tomou diversos calotes e teve de arcar com R$ 33 bilhões
entre 2016 e 2020.
Mais recentemente, os processos de aferição
dos indicadores foram aperfeiçoados e ganharam mais credibilidade e
transparência, mas as liberações recentes mostram que ainda há espaço para
melhorias. É preciso privilegiar os bons pagadores e, sobretudo, os
governadores e prefeitos que agem de forma responsável e ajustam suas despesas
para obter novos financiamentos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) também
cumpriria importante papel se não desse guarida aos Estados e municípios que
apelam ao Judiciário para impedir a União de executar contragarantias quando
deixam de honrar suas obrigações.
Argentina pelo avesso
O Estado de S. Paulo
Ao mudar a economia do país numa canetada,
Javier Milei mostra a que veio
Com apenas dez dias na presidência da
Argentina, o anarcocapitalista Javier Milei baixou um megapacote com mais de
300 medidas para desregulamentar a economia. Sem precedentes, a iniciativa vira
o país do avesso ao abolir leis e normativas que regem a produção, o comércio e
os serviços. Não há dúvidas de que o governante, ao promover tão vasta
liberalização econômica, reiterou suas convicções ultraliberais, na direção do
que havia prometido na campanha. Ou seja, ninguém pode se dizer surpreendido.
Entretanto, a transformação da economia argentina numa canetada suscita
questionamentos sobre o viés autoritário da nova gestão e desafia o Congresso
Nacional e a Suprema Corte a deliberar sobre a legitimidade do pacotaço.
Em pronunciamento na noite de 20 de dezembro,
Milei pinçou 30 das medidas contidas no Decreto Nacional de Urgência, vigente
desde a manhã seguinte. O desmonte do arsenal regulatório, mencionado por ele
como herança nociva das “castas políticas”, terá impacto descomunal na economia
argentina. Não apenas prepara o terreno para a privatização de estatais, como
derruba controles de preços no varejo e proibições a exportações, abre o
mercado da aviação civil e permite o uso de moeda estrangeira em transações de bens
– este último, um sinal de que a promessa de dolarização não foi abandonada. O
pacote deixa aos ventos do mercado as negociações de salários e aluguéis.
“Há mais por vir”, alertou o argentino. Seu
governo prepara, entre outras medidas, a limitação do direito de greve e da
atuação dos sindicatos – tradicionalmente tutelados pelo peronismo. Sob a égide
ultraliberal da nova gestão, o megadecreto complementa a “motosserra” sobre os
gastos públicos, para prevenir a hiperinflação e zerar o déficit fiscal. Tais
movimentos dissiparam as expectativas de moderação e de gradualismo nas ações
do governo e confirmaram a opção do anarcocapitalista por uma reforma ampla e
abrupta.
O obstáculo maior ao projeto de Milei está no
alvo preferencial de seus bombardeios: a “casta política”. Ao escolher o
Decreto Nacional de Urgência como instrumento para desregulamentar a economia,
ele claramente driblou o envio de projetos de lei ao Congresso Nacional – e a
consequente negociação de seus termos. Obviamente, terá ouvido conselheiros
jurídicos antes de optar por esse caminho. Mas tornou evidente sua indisposição
ao diálogo com um Parlamento no qual ainda está longe de ter uma base de apoio.
Dúvidas já levantadas sobre a constitucionalidade do decreto, por vez, expõem o
governo ao risco de deliberação contrária pela Suprema Corte.
Como era previsível, o anúncio de Milei foi respondido com panelaços em Buenos Aires. Horas antes, a Praça de Maio fora palco de protestos contra o ajuste fiscal e o Protocolo de Ordem Pública, instrumento autoritário baixado para coibir manifestações populares contra o governo. É muito provável que essa medida de força tenha de ser usada nos próximos dias, quando os argentinos tiverem recuperado o fôlego depois do susto e entendido a dimensão do furacão que varreu seu país.
O verão e a energia solar
Correio Braziliense
Ao mesmo tempo que atravessa os desafios
climáticos atuais, o Brasil passa por um momento de franco crescimento da
energia solar
Com o início do verão, além das ondas de
calor, previstas para os próximos dias, os gastos com energia elétrica tendem a
crescer. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a conta
de luz durante os meses da estação que começa hoje pode ficar 8,6% mais cara. É
o ar-condicionado somado a chuveiro elétrico, geladeira, ventilador e freezer —
todos apontados como os vilões quando o assunto é gasto de energia.
Os dados são impressionantes: segundo o
Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), com essas ondas de calor, na
primeira quinzena de novembro, o Brasil atingiu uma marca recorde na demanda
instantânea de carga do Sistema Interligado Nacional (SIN), quando foram gastos
100.955 megawatts (MW), sendo também a primeira vez na história do SIN que a
carga superou a marca de 100 mil MW.
Essa previsão deve se manter nos próximos
meses, já que as temperaturas mínimas e máximas vão ficar acima da média em
grande parte do país. Com as frequentes ondas de calor, a busca por energia
elétrica aumenta, o que pode resultar em cortes e instabilidades no
fornecimento de eletricidade em determinados locais.
O que os especialistas dizem é que o aumento
na demanda por energia não é apenas temporário, devido às estações quentes.
Pelo contrário: está relacionado às mudanças climáticas e ao fenômeno El Niño.
Ao mesmo tempo em que atravessa os desafios climáticos atuais, o Brasil passa
por um momento de franco crescimento da energia solar.
Fato é que a energia solar representa a
segunda maior fonte elétrica no Brasil, colocando o país entre os 10 maiores
geradores desse tipo de energia globalmente. Até o fim deste ano, a Agência
Internacional de Energia (AIE) estima um crescimento de aproximadamente 33% na
capacidade de energia renovável em todo o mundo.
De janeiro a setembro de 2023, foi registrado
o maior aumento na capacidade de geração solar centralizada da história do
país. Em comparação, o acréscimo em 2022 foi de 2,5 gigawatts, enquanto entre
janeiro e setembro de 2023, foram instalados 3 gigawatts, conforme dados do
Ministério de Minas e Energia.
E o Brasil segue rumo ao desenvolvimento.
Atualmente, 18 mil usinas estão em operação, com geração fotovoltaica
centralizada, proveniente de grandes parques solares. A energia solar
compartilhada vai na mesma toada, com projeção de escalar a partir de 2024.
Afinal de contas, quem não quer ficar livre da bandeira tarifária e ganhar um
desconto (ainda que pequeno) nas contas de luz?
Além de reduzir os impactos no meio ambiente
e nas mudanças climáticas, essa tecnologia promove uma redução significativa na
conta de luz todos os meses, sem a necessidade de instalações de placas
fotovoltaicas ou pagamento de taxas de adesão.
Enfim, a geração de energia solar pode desempenhar um papel fundamental na redução da demanda pelo insumo durante as ondas de calor, considerando que o aumento dos custos de energia é um dos principais impactos decorrentes do calor extremo.
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