O Globo
A inflação dos alimentos no curto prazo
guarda certa semelhança com a curva de aprovação do presidente. A melhor
avaliação se deu em agosto, quando a alimentação no domicílio despencou
O ano não foi, definitivamente, igual àquele que passou. Cessou a escalada golpista, que atravessou o governo Jair Bolsonaro e se estendeu à primeira semana do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. A economia chega a dezembro com o triplo do crescimento do PIB previsto na virada do ano (quase 3%, ante 0,8%); a inflação não deve ultrapassar o teto da meta (4,75%), e o dólar está rodando abaixo de R$ 5; o desemprego (7,6%) é o menor em oito anos, a população ocupada a maior em mais de década, e a massa de rendimentos bateu o recorde da série iniciada em 2012. Pela primeira vez, o Ibovespa ultrapassou 131 mil pontos; as agências de rating voltaram a elevar as notas de crédito do país.
O Congresso Nacional aprovou do novo regime
fiscal à eternamente adiada reforma tributária, entre outras propostas de
Fernando Haddad no Ministério da Fazenda. Desde agosto, o Banco Central — agora
com um diretor de Política Monetária indicado por Lula, Gabriel Galípolo —
cortou em 2 pontos percentuais a taxa básica de juros, que estacionara em
13,75% ao ano por intermináveis 12 meses. Em mais duas marcas inéditas, a safra
agrícola deve ultrapassar 316 milhões de toneladas e a balança comercial
registrar superávit em torno de US$ 90 bilhões.
Com o rol de fatores positivos, era de
esperar um ambiente mais amistoso, menos hostil ao governo e ao presidente da
República. Não no Brasil calcificado entre eleitores — ou torcedores — de Lula
e Bolsonaro, conforme conceituado por Felipe Nunes e Thomas Traumann, autores
do recém-lançado (e já essencial) “Biografia do abismo” (Harper Collins). Nas
urnas, um ano atrás, o petista obteve 50,9%, ante 49,1% do derrotado, diferença
de pouco mais de 2 milhões de votos.
Na mais recente pesquisa de avaliação do
governo, a Quaest, de Nunes, ratificou o diagnóstico de país dividido: neste
dezembro, 54% aprovam e 43% desaprovam Lula. O petista, diz o professor da
UFMG, preservou o próprio eleitorado (90% de aprovação), mas não conseguiu
avançar entre os que escolheram o adversário. Oito em cada dez (83%) eleitores
de Bolsonaro avaliam a gestão de Lula como ruim ou péssima. Quase 90%, de um
lado e do outro, não se arrependem do voto no segundo turno de 2022.
Chama a atenção que uma economia com
resultados objetivamente positivos não sirva para impulsionar a popularidade do
governo e do presidente. Os eleitores de Lula acham que a situação melhorou
(55%), os de Bolsonaro que piorou (64%). Quem votou no petista está otimista
com o futuro econômico (78%); entre os que optaram pelo candidato do PL, 54%
são pessimistas. A divergência se repete quanto à expectativa sobre o
desemprego: a taxa cairá para 45% dos lulistas e subirá para 57% dos
bolsonaristas.
Até no que diz respeito à inflação há
polarização. A Quaest perguntou aos brasileiros como ficaram os preços dos
alimentos no mês anterior — importante sublinhar o período a que se refere a
questão. Quem votou em Lula (51%) viu os preços caírem; em Bolsonaro (70%),
subirem. Tamanha divergência não parece possível. Mas é. Na primeira metade
deste mês, o IBGE apresentou os resultados de novembro do IPCA. O instituto
apura a inflação em 16 áreas, entre capitais e regiões metropolitanas. No país,
o índice subiu 0,28%, ante 0,24% em outubro. Houve aceleração, sobretudo, no
preço da comida. O grupo Alimentação e Bebidas dobrou de um mês para o outro:
de 0,31% para 0,63%. Depois de quatro meses seguidos de deflação, os alimentos
para consumo em casa saíram de 0,25% para 0,75%.
Era de esperar que a percepção sobre a
variação de preços fosse a mesma entre eleitores de Lula e Bolsonaro. Mas, como
o diabo mora nos detalhes, a inflação não alcançou de forma homogênea todas as
regiões. O IPCA ficou acima da média nacional em áreas que deram vitória a
Bolsonaro, caso de Rio de Janeiro (0,57%), Campo Grande (0,47%), São Paulo
(0,42%), Vitória e Brasília (0,4%), Porto Alegre (0,34%) e Goiânia (0,31%). Em
regiões em que Lula venceu em 2022, houve até deflação em novembro: São Luís
(-0,39%), Recife (-0,29%), Salvador (-0,17%), Belém (0,15%), Aracaju (0,19%),
Belo Horizonte (0,27%).
No acumulado do ano, de janeiro a novembro,
os alimentos ficaram mais baratos em todas as áreas pesquisadas pelo IBGE. Mas,
em novembro, a alimentação no domicílio encareceu acima da média nacional em
vários territórios bolsonaristas (RJ, RS, PR e GO) e barateou em redutos
lulistas (PE, MG, CE, BA, MA e SE). Em Recife, Salvador e São Luís, houve
deflação de alimentos. A gasolina, em deflação no mês, também caiu mais nas
áreas do Nordeste que nas demais. Para ter uma ideia, houve queda de 4,55% na
Região Metropolitana do Recife e de apenas 0,29% na de Porto Alegre.
A olho nu, a inflação dos alimentos no curto
prazo guarda certa semelhança com a curva de aprovação do presidente da
República. A melhor avaliação de Lula (60%) se deu em agosto, quando a
alimentação no domicílio despencou 1,26%, segundo o IBGE. Aos especialistas,
cabe investigar se popularidade é mesmo comida no prato; ao governo, prestar
atenção à sazonalidade nos preços, invariavelmente mais altos nos primeiros
meses do ano e particularmente pressionados neste verão de El Niño. Tanto o
IBGE (-3,2%) quanto a Conab (-2,4%) passaram a trabalhar com queda na safra
agrícola de 2024, em razão do atraso no plantio pela seca intensa no
Centro-Oeste e das chuvaradas no Sul.
Um comentário:
Celso de Barros da negritude.
MAM
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