Valor Econômico
A impressionante demora do presidente em se
decidir é um indicativo da falta de segurança em seu entorno. Lula não tem
anteparo
Um ato para marcar o primeiro aniversário do
8 de janeiro deverá ser a nota final da passagem de Flavio Dino pelo Ministério
da Justiça. Caso ele saia na sequência, o que é pouco provável, terão
transcorrido 25 dias entre sua aprovação pelo Senado para ocupar uma vaga no
Supremo Tribunal Federal e seu afastamento do governo.
A vaga de Rosa Weber no STF demorou dois
meses para receber uma indicação do presidente, embora o nome de Dino tenha
surgido como favorito para a função cerca de 30 dias antes.
Na ocasião em que o falatório sobre Dino começou, Lula ainda não tinha concluído a mini-reforma ministerial para entronizar André Fufuca nos Esportes e Silvio Costa Filho nos Portos e Aeroportos. Eles tomaram posse em 14 de setembro e foram escolhidos entre junho e julho.
A dificuldade de acomodá-los foi tanta que
nasceu um novo Ministério, o da Micro e Pequena Empresa, para acomodar o
deslocado Márcio França.
A substituição de Dino virá a ser decidida,
provavelmente, no momento em que uma nova reforma ministerial já é discutida,
com intensa pressão sobre a articulação política do governo e sobre os
ministros mais frágeis, como o permanentemente a perigo Juscelino Rezende, das
Comunicações.
Lula está movendo peças da sua engenharia de
poder, portanto, há quase seis meses, sem que consiga fechar o quadro. A nova
reforma a caminho deve estender ainda mais essa incerteza. A impressionante
demora do presidente em se decidir é um indicativo da falta de segurança em seu
entorno. Lula não tem anteparo.
Há insegurança sobre a capacidade de
liderança desses ministros na operação política, não só na articulação entre as
forças que apoiam o governo, mas também no embate com as que não apoiam. Não
funciona nem como escudo, nem como espada.
Dino exerceu um papel aliancista durante a
campanha eleitoral e se destacou por ir para a linha de frente, de modo
extremamente agressivo, por vezes, contra a oposição ao governo. Quem dentro do
governo poderá substitui-lo nesse papel? Nenhum dos nomes que apareceram
cotados para a pasta tem esse perfil, também ausente no restante da Esplanada.
FGTS na alça de mira
O emaranhado das leis que o governo precisará
mandar em função da reforma tributária, há compromisso de enviar duas antes,
até no máximo 20 de março: a lei que irá mudar as regras da tributação sobre a
renda e a que disporá da tributação sobre a folha. São leis ordinárias,
conforme se depreende da leitura dos incisos I e III do artigo 18 da reforma.
Precisam ser enviadas pelo Executivo dentro de 90 dias depois da promulgação,
que ocorreu na tarde dessa quarta-feira.
No parágrafo único o Congresso expressamente
juntou uma coisa com a outra: “ eventual arrecadação da União decorrente da
aprovação da medida de que trata o inciso I poderá ser considerada como fonte
de compensação para redução da tributação incidente sobre a folha de pagamentos
e sobre o consumo de bens e serviços”.
Está dado portanto o estímulo para que venha
um imposto sobre a renda substancialmente aumentado. Politicamente essa não é
uma discussão trivial. É possível encontrar tramitando no Congresso projetos
que aumentam a lista de isenções ao imposto de renda, mais difícil detectar uma
que a diminua.
Por isso um representante do empresariado no
Senado, pertencente ao Centrão vê como factível um desalinhamento dos dois
projetos. A revisão da tributação sobre a folha avançaria e o do aumento do
imposto sobre a renda andaria mais devagar. Os projetos têm data certa para
serem enviados, mas não para serem aprovados. E o ano de 2024 é eleitoral. A
partir de junho em tese os trabalhos nas duas casas do Congresso entram em modo
de campanha.
A proposta de tributação sobre a folha pode
sugerir um redesenho amplo, contudo, o que naturalmente aumentaria a
complexidade de sua tramitação. A maioria de direita e centro-direita na Câmara
e no Senado podem aproveitar a ocasião para tentar acoplar no projeto uma nova
reforma trabalhista. Ou, caso não se chegue a tanto, focar na revisão ou na
extinção de benefícios como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Ao ser perguntado se não existe um pacto
tácito entre o Executivo e o Congresso sobre o tema, pelo qual, sem que se
jamais se admita, o governo federal abre mão de investir na revisão da reforma
trabalhista aprovada no governo Temer e o Centrão abre mão de uma nova rodada
de revisão de direitos, o senador sorri.
O pacto existe, mas é frágil, dada a baixa
disposição das partes envolvidas em se comprometer com ele. Volta e meia surge
na Esplanada dos Ministérios uma ideia de se cruzar a linha. Na mais recente, o
ministro do Trabalho, Luiz Marinho, avançou sobre a possibilidade de rever a
abertura do comércio aos domingos.
A Câmara desengavetou a proposta de “carteira
verde e amarela”, remanescente do governo Bolsonaro. O governo federal recuou e
o Senado deve engavetar o projeto de contratação com menos encargos votada pela
Câmara. Foi escaramuça de um lado e tiro de advertência do outro, indicador de
uma fronteira armada.
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