sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Rogério Furquim Werneck - O que preocupa em 2024

O Globo

Em que medida o presidente e seu partido serão capazes de mostrar a convicção requerida para manter nos trilhos a condução da política macroeconômica que se faz necessária?

O país deve terminar o ano com expansão de 3% no PIB, inflação sob controle e saldo na balança comercial caminhando para US$ 100 bilhões. Em condições normais, tudo isso deveria apontar para perspectivas promissoras em 2024.

Há, contudo, uma área de sombra. Em que medida o presidente e seu partido serão capazes de mostrar a convicção requerida para manter nos trilhos a condução da política macroeconômica que se faz necessária?

A chamada área política do governo não tem escondido suas insatisfações. Há poucos dias, foram dados a público os clamores da principal corrente do PT — à qual pertencem a presidente do partido e o presidente Lula da Silva — contra a política de “austericídio fiscal” e a “ditadura do Banco Central (BC) independente”.

Dia 9, em Brasília, Gleisi Hoffmann denunciou a meta de resultado primário zero e defendeu um déficit de até 2% do PIB. Três dias depois, foi respaldada pelo próprio presidente Lula. “Se for necessário esse país fazer endividamento para crescer, qual é o problema?”

Como sempre, não faltará quem se apresse a retrucar que esse discurso não reflete o que Lula de fato pensa. Seria só para agradar a militância. Mesmo que tal racionalização tivesse fundamento — quando não tem — seria lamentável que um partido da importância do PT, que se crê sério e moderno, ainda tivesse que cevar sua militância, a cada tanto, com um discurso econômico tão populista e primitivo, no qual o líder inconteste do partido supostamente não acredita.

Com a expressão “austericídio fiscal”, o PT pretende denunciar a imposição de um alegado arrocho de gastos tão despropositado que, para o partido, significaria suicídio político. O problema é que tal denúncia não tem aderência aos fatos. Caso a gestão das contas públicas seja pautada pelo novo arcabouço, as simulações disponíveis apontam para um salto de espantosos 10 a 12 pontos percentuais (talvez mais) na dívida bruta do governo como proporção do PIB, ao longo do atual mandato presidencial. “Austericídio fiscal”?!

O PT tampouco conseguiu entender que Lula só foi eleito, por pequena margem, porque o BC já era independente. Diante do quadro inflacionário preocupante de 2022, a instituição simplesmente cumpriu seu mandato. Elevou com firmeza a taxa de juros, alheia ao acirramento da campanha presidencial. O que teria ocorrido se Bolsonaro tivesse podido aparelhar o BC e levado adiante uma política monetária populista, atrelada às urgências de sua reeleição?

É inacreditável que boa parte do PT continue sonhando exatamente com isso: um BC aparelhado com um grupo de paus mandados, sob estrito comando do Planalto, prontos a atrelar a condução da política monetária às urgências eleitorais do governo.

A verdade é que o partido anda alarmado com as eleições municipais de 2024. Dos 5.565 prefeitos, o PT elegeu só 182 na eleição de 2018. Na esteira da sua conquista da Presidência da República, tem agora 227, bem menos do que os 250 que conseguiu eleger em 2016, em meio às repercussões adversas da Lava-Jato e do impeachment de Dilma Roussef.

O clima de alarme é bem ilustrado pela advertência feita por Glesi Hoffmann ao governo, para convencê-lo de que deve fazer uso de tudo que esteja a seu alcance para se sair bem nas eleições municipais. “Se cair a popularidade do presidente, vocês não tenham dúvida sobre o que o Congresso pode fazer. Fizeram com a Dilma” (Globo, 10/12).

Mais uma vez, entregue ao negacionismo, o PT se permite ter memória seletiva. Só se lembra do desfecho. E não dos desmandos de Dilma, que redundaram no descarrilamento da economia e numa recessão de proporções colossais.

A lição que o PT deveria extrair dessa experiência que lhe foi tão traumática é bem outra. O segredo da manutenção da popularidade de Lula é reduzir a incerteza sobre a coerência da política macroeconômica, assegurar ambiente propício à expansão de investimentos e manter a economia em rota de crescimento sustentável. Simples assim.

 

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