O Globo
Em que medida o presidente e seu partido
serão capazes de mostrar a convicção requerida para manter nos trilhos a
condução da política macroeconômica que se faz necessária?
O país deve terminar o ano com expansão de 3%
no PIB, inflação sob controle e saldo na balança comercial caminhando para US$
100 bilhões. Em condições normais, tudo isso deveria apontar para perspectivas
promissoras em 2024.
Há, contudo, uma área de sombra. Em que
medida o presidente e seu partido serão capazes de mostrar a convicção
requerida para manter nos trilhos a condução da política macroeconômica que se
faz necessária?
A chamada área política do governo não tem
escondido suas insatisfações. Há poucos dias, foram dados a público os clamores
da principal corrente do PT — à qual pertencem a presidente do partido e o
presidente Lula da Silva — contra a política de “austericídio fiscal” e a
“ditadura do Banco Central (BC) independente”.
Dia 9, em Brasília, Gleisi Hoffmann denunciou a meta de resultado primário zero e defendeu um déficit de até 2% do PIB. Três dias depois, foi respaldada pelo próprio presidente Lula. “Se for necessário esse país fazer endividamento para crescer, qual é o problema?”
Como sempre, não faltará quem se apresse a
retrucar que esse discurso não reflete o que Lula de fato pensa. Seria só para
agradar a militância. Mesmo que tal racionalização tivesse fundamento — quando
não tem — seria lamentável que um partido da importância do PT, que se crê
sério e moderno, ainda tivesse que cevar sua militância, a cada tanto, com um
discurso econômico tão populista e primitivo, no qual o líder inconteste do
partido supostamente não acredita.
Com a expressão “austericídio fiscal”, o PT
pretende denunciar a imposição de um alegado arrocho de gastos tão
despropositado que, para o partido, significaria suicídio político. O problema
é que tal denúncia não tem aderência aos fatos. Caso a gestão das contas
públicas seja pautada pelo novo arcabouço, as simulações disponíveis apontam
para um salto de espantosos 10 a 12 pontos percentuais (talvez mais) na dívida
bruta do governo como proporção do PIB, ao longo do atual mandato presidencial.
“Austericídio fiscal”?!
O PT tampouco conseguiu entender que Lula só
foi eleito, por pequena margem, porque o BC já era independente. Diante do
quadro inflacionário preocupante de 2022, a instituição simplesmente cumpriu
seu mandato. Elevou com firmeza a taxa de juros, alheia ao acirramento da
campanha presidencial. O que teria ocorrido se Bolsonaro tivesse podido
aparelhar o BC e levado adiante uma política monetária populista, atrelada às
urgências de sua reeleição?
É inacreditável que boa parte do PT continue
sonhando exatamente com isso: um BC aparelhado com um grupo de paus mandados,
sob estrito comando do Planalto, prontos a atrelar a condução da política
monetária às urgências eleitorais do governo.
A verdade é que o partido anda alarmado com
as eleições municipais de 2024. Dos 5.565 prefeitos, o PT elegeu só 182 na
eleição de 2018. Na esteira da sua conquista da Presidência da República, tem
agora 227, bem menos do que os 250 que conseguiu eleger em 2016, em meio às
repercussões adversas da Lava-Jato e do impeachment de Dilma Roussef.
O clima de alarme é bem ilustrado pela
advertência feita por Glesi Hoffmann ao governo, para convencê-lo de que deve
fazer uso de tudo que esteja a seu alcance para se sair bem nas eleições
municipais. “Se cair a popularidade do presidente, vocês não tenham dúvida
sobre o que o Congresso pode fazer. Fizeram com a Dilma” (Globo, 10/12).
Mais uma vez, entregue ao negacionismo, o PT
se permite ter memória seletiva. Só se lembra do desfecho. E não dos desmandos
de Dilma, que redundaram no descarrilamento da economia e numa recessão de
proporções colossais.
A lição que o PT deveria extrair dessa
experiência que lhe foi tão traumática é bem outra. O segredo da manutenção da
popularidade de Lula é reduzir a incerteza sobre a coerência da política
macroeconômica, assegurar ambiente propício à expansão de investimentos e
manter a economia em rota de crescimento sustentável. Simples assim.
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