sábado, 20 de janeiro de 2024

Alvaro Gribel - Vários prismas da desoneração

O Globo

Fazenda tem o seu ponto ao defender o fim da medida, mas empresas também têm razão ao apontar o risco de demissões

O Ministério da Fazenda tem um ponto quando diz que a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia contradiz as medidas de ajuste fiscal encaminhadas pela pasta até agora. As empresas, por outro lado, incluindo as de comunicação, também estão certas quando dizem que há risco de demissões e que o projeto foi debatido ao longo de todo o ano de 2023 e aprovado com amplo apoio do Congresso. Economistas como Samuel Pessoa, Marcos Mendes, Felipe Salto e Rogério Werneck entendem que a política é pouco eficaz. Mas o seu fim de forma abrupta, ou com as alterações feitas pela Medida Provisória, também terá consequências imediatas para os trabalhadores.

O erro inicial da Fazenda foi não ter dado ao tema a devida importância ao longo do ano. O que o secretário-executivo da pasta, Dário Durigan, alega é que a agenda de 2023 foi extremamente pesada, com a votação da reforma tributária, do novo marco fiscal e de uma série de medidas para a recomposição da arrecadação do governo. Não deixa de estar certo. O problema dessa justificativa é que os setores e as empresas têm contas a pagar e precisam fazer o planejamento para o ano com o modelo de tributação definido. E ele vem sendo prorrogado desde 2011, quando a política foi implementada no governo Dilma. Ou seja, já se tornou o “novo normal”.

O projeto de lei com a prorrogação passou pela Câmara e pelo Senado, mas foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O veto, logo depois, foi derrubado, o que, para as empresas, significa que o assunto foi encerrado de maneira democrática, na forma do voto. A Fazenda, por sua vez, alega — também com razão — que o Orçamento aprovado de 2024 não traz as fontes de receitas para compensar essa perda de arrecadação, estimada em R$ 12 bilhões, no caso dos 17 setores. E por isso havia a necessidade da promulgação da Medida Provisória.

A pasta reclama também que foram incorporados ao projeto benefícios aos municípios, o que ampliou o gasto para a casa dos R$ 20 bilhões. O ministro Fernando Haddad e secretários da Fazenda refutam a ideia de que a MP é uma afronta ao Congresso. Mas o entendimento majoritário entre deputados e senadores é que a equipe econômica não está sabendo assimilar uma derrota que já está mais do que consolidada.

O risco desse imbróglio é que todos os lados saiam desgastados, e a agenda econômica de 2024 se inicie a passos lentos. É preciso que as partes se entendam, e o melhor caminho é promover uma solução gradual, mesmo que comece depois de 2027, que ajude a melhorar o horizonte das contas públicas, mas com tempo para que os setores se adaptem às mudanças com previsibilidade e sem choques.

O alerta do Tribunal

O gráfico ajuda a entender o alerta dado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) esta semana, que alegou que as previsões de receitas do Orçamento de 2024 podem estar superestimadas. A Fazenda e o Congresso previram arrecadação na casa de 19,2% do PIB, o que significa o segundo maior patamar da série histórica. “A estimativa (de receitas) só é inferior ao recorde de 20,2% alcançado em 2010”, diz ao Tribunal. Técnicos do tribunal dizem que, ao contrário do otimismo da peça orçamentária, a arrecadação vem caindo desde fevereiro.

Pedalada do Jair

A inflação de 2023 ficou em 4,62%, conforme divulgou o IBGE na semana passada. O curioso, como explica o economista Luis Otávio Leal, do G5 Partners, é que o número poderia ter ficado na casa de 4%, não fossem as medidas eleitorais tomadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, de reduzir impostos sobre combustíveis e colocar limites para a cobrança de ICMS pelos estados. Na prática, Bolsonaro “pedalou” a inflação de 2022 para 2023. “As medidas acabaram reduzindo “artificialmente” a inflação daquele ano em, pelo menos, 2,50 ponto percentual”, disse Leal. Sem o truque, o IPCA teria sido de 8,5% em 2022 e de 4% em 2023.

 

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