sábado, 20 de janeiro de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - O desastre é nosso

O Globo

Lula voltou para refazer exatamente o que deu errado na Petrobras. Colocará entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões na Abreu e Lima

Em entrevista ao Valor Econômico, publicada em 17 de setembro de 2009, o presidente Lula (segundo mandato) contou como levara a Petrobras a mergulhar num programa de investimento ambicioso. Ele ficara decepcionado com os planos da estatal propostos em 2008. O que fez?

— Convoquei o conselho da empresa.

A pressão funcionou. O portfólio de investimentos da estatal escalou para nada menos que quatro refinarias, das grandes, construídas ao mesmo tempo. A economia mundial estava desacelerando, empresas globais reduziam investimentos temendo queda de demanda e de preços. Exatamente o que aconteceu com o petróleo. Mas Lula disse, naquela entrevista, que era preciso atacar, sair na frente e coisas assim. E lá se foi a Petrobras na direção do desastre.

As refinarias Abreu e Lima, em Pernambuco, e o Comperj, no Rio, já estavam no pacote. Entraram outras duas, tipo premium, uma no Ceará, outra no Maranhão, que seria a maior do país. Não saíram do papel. Em janeiro de 2015, a então presidente da estatal, Graça Foster, cancelou oficialmente os projetos, por absoluta inviabilidade técnica e financeira. Ela até havia tentado salvar a coisa, mandando as plantas para revisão nos Estados Unidos. Não deu. Foi melhor cancelar. Mas a Petrobras gastou, em dinheiro de hoje, perto de R$ 5 bilhões em projetos, terraplenagem e compra de equipamentos. Para nada.

O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro andou quase nada. A Refinaria Abreu e Lima estava em construção. Fora anunciada em 2005 ao preço de US$ 2,3 bilhões. Mas, já naquele setembro de 2009, a estatal fizera, digamos, ligeira reavaliação. A coisa custaria o quíntuplo, cerca de US$ 13 bilhões. Quando as obras foram paralisadas, em 2015, estava concluída meia refinaria, por quase US$ 20 bilhões. De longe, a mais cara do mundo.

Por que parou?

Segundo Lula, este do terceiro mandato, por causa de uma conspiração de juízes e promotores da Lava-Jato com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, para destruir a Petrobras. Narrativas à parte, a Petrobras estava esgotada. Em quatro anos, já no governo Dilma, acumulara prejuízo de R$ 100 bilhões. Duas causas: os enormes investimentos mal dimensionados e a venda de combustível por um preço mais barato do que a estatal pagava na importação e produção. Isso para derrubar a inflação.

Assim a petrolífera brasileira tornou-se a mais endividada do mundo. Mesmo sem corrupção, a estatal não aguentaria. No balanço, a Petrobras registrou oficialmente, lá atrás, perdas de R$ 6 bilhões por causa da roubalheira. Mixaria perto dos equívocos de gestão.

De todo modo, o então candidato Lula admitiu que houve corrupção na empresa. Em entrevista ao Jornal Nacional, atacou a Lava-Jato, mas disse que era difícil negar quando pessoas confessavam ter roubado. Agora, é tudo mentira. Não teve corrupção, não teve investimento errado, não teve preço subsidiado.

Debelada a tal conspiração, o governo Lula voltou para refazer exatamente o que deu errado. Colocará algo entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões na Abreu e Lima para deixá-la entre as maiores e mais eficientes do mundo. Mas quem pode acreditar nessas estimativas? Volta também o Comperj. Ainda não falaram nada sobre Maranhão e Ceará. E é melhor nem lembrar.

A Petrobras também não esconde seu objetivo de explorar o petróleo da Margem Equatorial, no litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. As grandes petroleiras globais continuam explorando óleo. Não investem, porém, no refino, levando em conta as restrições mundiais, já anunciadas, para a produção e comercialização de veículos a combustão. A estatal brasileira vai em todas, óleo e refino, em grande escala.

E o governo ainda se apresenta como campeão da luta contra o aquecimento global, desenvolvedor das energias verdes. Isso também exige investimentos novos. E daí? Lula não quer apenas voltar ao passado. Pretende dobrar a aposta.

O governo americano não tem o menor interesse em acabar com a Petrobras. Ao contrário, topa comprar óleo brasileiro, e as empresas americanas topam ser sócias da brasileira.

Qualquer coisa errada é coisa nossa mesmo.

 

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