O Globo
Os políticos brasileiros estão passando dos
limites, uma forma de perder a sabedoria
No fim do século passado, um famoso artigo de
Francis Fukuyama previu o fim da História. Errou o alvo, ainda bem, porque, sem
as peripécias da História, nossa vida seria tomada pelo tédio e pela
melancolia. Apesar disso, há momentos arrastados na História do Brasil, como
essa briga do Congresso por verbas do Orçamento, algo tão chato como uma
reunião de condomínio.
No entanto, se vencermos as barreiras do
tédio, veremos que estamos diante de algo essencial para nossa vida cotidiana e
mesmo para o futuro da democracia. Trava-se uma luta pela grana que todos pagam
em impostos. Teoricamente, esse dinheiro deveria ser usado de uma forma
racional para a prestação de todos os serviços que o Estado nos deve.
Isso é tão importante que, nas revoltas de
2013, segundo muitos observadores, houve protesto porque o Estado não devolvia
em serviços eficazes o grande volume de impostos pagos a ele.
O avanço do Congresso sobre o dinheiro a ser gasto tem sido intenso nos últimos anos. Alguns ainda se lembram do orçamento secreto do período Bolsonaro. Era ilegal e acabou caindo por ordem do STF. Mas a força do Congresso é tão grande que ele continua impondo ao governo altos gastos em suas emendas parlamentares. Só no Orçamento deste ano, a coisa vai para mais de R$ 47 bilhões. Isso sem contar os quase R$ 5 bilhões que destinaram ao financiamento das eleições municipais.
Não vai dar certo. O dinheiro já é curto e,
se não for usado com o máximo de racionalidade, com visão nacional, as
frustrações podem aumentar. Salário mínimo um pouco melhor não basta. Há outros
fatores — como escola pública de qualidade, saneamento, hospitais razoáveis —
que influenciam a sensação de pobreza ou bem-estar.
Os deputados dizem que não há problemas se
destinarem grande parte da grana nacional para suas obras. Afinal, argumentam,
ninguém conhece melhor o país do que eles. Acontece que conhecem tão bem, a
ponto de saber qual obra dá mais votos que a outra, e de modo geral sempre
optarão por bons resultados eleitorais.
Na época do orçamento secreto, houve coisas
do arco-da-velha que, provavelmente, continuarão acontecendo. Escolas receberam
equipamento de robótica e não tinham sequer conexão com a internet. O episódio
mais pitoresco ocorreu em Igarapé Grande, no Maranhão, onde a Polícia Federal
fez a Operação Quebra-Ossos. O município tem 12 mil habitantes, mas registrou
gastos de raio X com 7.500 dedos quebrados. Inimaginável o que fizeram com as
mãos para chegar a esses números. Há registro também, noutros pontos do país,
de tratoraços, a compra de tratores por preços superfaturados.
Sinceramente, não escrevo com intenções
moralistas. A esta altura da vida, fora da política, trabalho outras
categorias, distante do protesto indignado. Prefiro fazer parte de uma discreta
versão moderna de um coro grego, como na Antígona. Qualquer procura humana que
ignore limites, sugere Sófocles, inevitavelmente trará a desgraça.
Surfando numa conjuntura de tolerância com os
erros, os políticos brasileiros estão passando dos limites, uma forma de perder
a sabedoria. Com todos os pequenos deslizes recebidos com silêncio pela
sociedade, avançam cada vez mais rumo a uma dominação indiscriminada, voltada
apenas para o próprio umbigo.
Todos sabemos das grandes necessidades do
país. Sabemos também que, mesmo usando racionalmente os recursos, não
conseguiremos satisfazê-las, o cobertor é curto.
O uso leviano do dinheiro arrecadado, gastos
milionários com partidos políticos, isso é muito perigoso. Em 2013, tudo
parecia bem, até que alguma coisa explodiu. Há tempo de corrigir o rumo, embora
seja difícil imaginar como o gênio voltará para a lâmpada, como o Congresso se
conformará em não ter tanto dinheiro para se perpetuar no poder. Infelizmente,
é disso que se trata. Os donos da grana se reelegem, e as coisas nunca mudam
por lá.
3 comentários:
GRANA E INTERESSES
■ " Trava-se uma luta pela grana que todos pagam em impostos. Teoricamente, esse dinheiro deveria ser usado de uma forma racional para a prestação de todos os serviços que o Estado nos deve. "
=》Políticos com o perfil destes que o eleitor tem escolhido sempre vão atuar em torno dos seus interesses e de grana.
Elegem Arthur Lira para deputado Federal...
Mas para presidente da república elegem Lula ou Bolsonaro.
RESUMO::
■Grana!
■Interesses!
■Grana!
■Interesses!
Grana!
■Interesses!
■...
...■■E corrupção!
RESULTADO
■■Tínhamos uma educação que era muito ruim.
■Nossa educação mudou::
=》Nossa educação, de ruim lá pelos anos 80 e 90, passou a ser uma das piores do mundo.
Mas o bolsonarista fica calado se aproveitando de Bolsonaro ter ficado só 4 anos (e o resultado foi ruim, mas foi pouco tempo mesmo) e os petistas:: os petistas chegam à insanidade de dizer que melhoraram o que de fato estragaram a ponto de já não ter nem mais como piorar.
Adoro expressões como ''do arco da velha'',rs.
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