Folha de S. Paulo
Difícil entender por que um político de ficha
democrática ceda a intolerância que aviva a polarização e beneficia a extrema
direita
Em toda parte, a radicalização sempre foi um
empreendimento das lideranças políticas, gerido por seus seguidores mais
ativos. No Brasil, desde as eleições de 2014, a disputa pelo poder se
encrespou.
O impeachment de Dilma Rousseff e o terremoto
no campo da direita que culminou com a eleição de Jair Bolsonaro só fizeram
nutrir a radicalização
de posições. No governo, o ex-capitão dedicou-se a cevá-la.
O resultado do pleito de 2022 e a derrota da intentona do 8/1 sustentam a crença confortável de que tudo aquilo foi parar na proverbial lata de lixo da história. Um governo de amplíssima coalizão, chefiado por um grande negociador, parece ter sucesso em atrair as forças da direita mais pragmática.
O apoio significativo do público sustenta os esforços de pacificação. Contudo, seu êxito exige, de um lado, isolar a extrema direita adepta do autoritarismo; de outro, educar para a tolerância uma parcela da esquerda que se quer democrata, mas, na hora do vamos ver, lhe é refratária.
Aqui, a clivagem da retórica radicalizada
definiu-se em quatro pontos. Alguns são velhos frequentadores do repertório da
direita, como corrupção política e segurança pública. Outros são de
incorporação mais recente, como os valores que guiam comportamentos privados e
– quem diria! – até assuntos de política externa. Cuba e Venezuela tornaram-se
escalas inevitáveis no debate polarizado que agita especialmente os
guerrilheiros das redes sociais, de todos os lados do espectro. Mesmo que sejam
temas de escassa importância na agenda externa do país.
O conflito
Israel-Palestina transformou-se em novo marco por onde passa a
linha de fogo que, entre nós, separa os ativistas radicalizados dos dois
campos. O debate é cheio de som e fúria, poucas luzes e relevância zero para o
futuro do Oriente Médio. Tampouco deixa espaço para uma avaliação bem-informada
do que está em jogo e das soluções que, talvez —apenas talvez— conduzam ao
convívio civilizado entre dois povos que disputam a mesma terra.
Pois foi nesse ambiente abrasivo que se
propagou país afora que o ex-deputado petista José Genoino defendeu o boicote
a "empresas
de judeus" pela guerra devastadora que Israel move aos
palestinos de Gaza, em resposta ao massacre de civis judeus perpetrado pelo
Hamas em outubro último. Sendo a declaração escancaradamente racista, é até
possível supor que a intenção fosse pregar o boicote a empresas israelenses. O
difícil é entender por que um político experiente – e de ficha democrática
alentada –resolva alimentar a intolerância que aviva a polarização e beneficia
a extrema direita.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap.
3 comentários:
■■■ " O difícil é entender por que um político experiente – e de ficha democrática alentada –resolva alimentar a intolerância que aviva a polarização e beneficia a extrema direita.".
=》Porque José Genoíno É político de um partido intolerante que iniciou e cultiva a polarização!
■A autora sabe disso tanto quanto todos e poderia ter mais disposição em explicitar.
■■Apenas observo que quando é alguém como José Genoíno quem mostra o extremismo que costuma esconder, mesmo discordando totalmente de Genoíno eu o respeito, porque seu extremismo é autêntico.
■Eu apenas gostaria que Genoíno se apresentasse sempre nesta versão extremista que lhe é a mais coerente e nós brasileiros poderíamos discutir com ele nossas visões de mundo de forma aberta e honesta.
=》Já quando o extremismo vem de palhaços como Lula e Bolsonaro, da parte destes dois populistas eu sei que qualquer posicionamento é teatro e eles se apresentam com propostas e discursos diferentes dependendo de qual público eles querem enganar. Mas idealismo ou qualquer valor e princípio populistas como Lula e Bolsonaro nunca têm nenhum.
Não dá pra entender.
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