Crise financeira dos municípios exige controle de gastos
O Globo
Qualquer nova ajuda federal precisará estar
condicionada à adoção de regras que favoreçam equilíbrio no caixa
As prefeituras fecharam o ano de 2023 com
déficit estimado em R$ 4,7 bilhões, de acordo com estimativa de
técnicos da Frente Nacional de Prefeitos noticiada pelo GLOBO. Entre
janeiro e outubro, o déficit foi de R$ 2,3 bilhões, e o último bimestre
concentra pagamentos vultosos e o décimo terceiro salário do funcionalismo.
Pelos números do Banco Central, os municípios acumularam R$ 10,9 bilhões no
vermelho nos 12 meses encerrados em outubro.
As prefeituras atribuem a deterioração nas contas à queda na arrecadação do ICMS depois que o Congresso aprovou reduções nas alíquotas para combustíveis e energia antes das eleições de 2022. Mas em junho o Supremo Tribunal Federal mediou um acordo para a União compensar estados e municípios em R$ 27,5 bilhões pelas perdas. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), as medidas de compensação — que também incluem a recomposição do Fundo de Participação dos Municípios — poderão alcançar R$ 14 bilhões em 2023.
A própria CNM reconhece ter havido aumento de
19% no custeio da máquina das prefeituras (6% nas despesas com pessoal). O
desequilíbrio se concentra em cidades de pequeno porte, que somavam déficit de
R$ 4,6 bilhões até outubro, ante superávit de R$ 728 milhões nas médias e de R$
1,5 bilhão nas grandes. No quinto bimestre, estavam no vermelho 53% dos
municípios pequenos, 50% dos médios e 36% dos grandes. Em ano de eleições
municipais, a situação tende a piorar.
Menos de 30% dos mais de 5 mil municípios
brasileiros arrecadam receita suficiente para pagar suas contas, de acordo com
o índice de gestão fiscal elaborado pela Federação das Indústrias do Rio de
Janeiro (Firjan). E mais de um quinto gasta com pessoal acima de 54% das
receitas, patamar que fere os critérios de equilíbrio da Lei de
Responsabilidade Fiscal. Há, portanto, um trabalho de corte de gastos e ajuste
fiscal essencial, que deveria ser tema prioritário na campanha eleitoral deste
ano.
Ao mesmo tempo, se desenha uma crise
previdenciária. A reforma aprovada em 2019 determinou que estados e municípios
promovessem mudanças equivalentes às federais. Grande parte dos governos
municipais instituiu novas regras, mas elas só estão em vigor em 701 das 2.117
cidades com regimes próprios de Previdência. Entre as que ainda não promoveram
reforma ampla — implementando ao menos 80% das regras adotadas pela União —,
estão capitais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia ou Cuiabá. O
déficit atuarial dos municípios — conta que subtrai da arrecadação prevista os
benefícios a pagar no futuro — é estimado em R$ 900 bilhões, um quinto do rombo
previdenciário do Estado brasileiro.
O correto seria os municípios que não
promoveram ainda uma reforma ampla da Previdência adotarem as mudanças, e os
demais acelerarem a implementação de leis já aprovadas. O imobilismo dos
últimos quatro anos é prova de que prefeitos não têm incentivos para mexer em
aposentadorias e pensões. Mas adiar a solução só fará crescer o problema, pois
a evolução demográfica agravará o desequilíbrio.
É compreensível que os municípios em crise
venham pedir ajuda ao governo federal. Mas qualquer auxílio precisará estar
condicionado a medidas de ajuste fiscal e leis previdenciárias que permitam, no
mínimo, vislumbrar um caixa mais equilibrado no futuro.
Justiça precisa adotar critério mais realista
para autorizar saída de presos
O Globo
No Natal, 14% dos detentos não voltaram para
a cadeia, entre eles pelo menos dois ex-chefes do tráfico
O crime organizado não se fortalece apenas
quando recebe armas pesadas ou munições contrabandeadas. A criminalidade também
se beneficia da leniência na execução das penas de bandidos graduados. A
Justiça condena, mas fraqueja na hora de distribuir benesses previstas em lei.
Assim ajuda a disseminar o sentimento de impunidade entre criminosos. Na última
Visita Periódica ao Lar (VPL), de 24 e 30 de dezembro, dos 1.785 detentos
beneficiados, 255 (14%) não retornaram à cadeia. Foi menos que os 42% do final de
2022, ainda assim um índice que põe em xeque as regras usadas para autorizar a
saída.
Os critérios parecem razoáveis. Só são
beneficiados nas datas comemorativas presos já em regime semiaberto — que saem
de manhã para trabalhar e voltam à noite —, com bom comportamento, que não
estejam submetidos ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) de reclusão e
tenham cumprido ao menos um sexto da pena. Enquadram-se no RDD os que cometeram
crimes hediondos ou lideram facções criminosas. Mas há uma brecha: se já
lideraram, podem receber o benefício.
Fica patente a fragilidade da avaliação do
juízes quando se constata que, entre os 255 que não retornaram da saída
natalina, estão pelo menos dois ex-chefes da organização criminosa hegemônica
no Rio, o Comando Vermelho: Saulo Cristiano Oliveira Dias, conhecido como SL, e
Paulo Sérgio Gomes da Silva, o Bin Laden. SL, cuja base é o Complexo do
Chapadão, na Zona Norte do Rio, foi preso em 2013, em São Paulo. Bin Laden
esteve à frente do tráfico no Morro Dona Marta, em Botafogo, na Zona Sul. Outro
preso que se evadiu foi Davi da Conceição Carvalho, conhecido como Davi do
Chapadão ou Pinóquio, chefe do tráfico na favela Final Feliz, no Complexo do
Chapadão.
Chama a atenção a ficha criminal dos
condenados que aproveitaram a saída da prisão para fugir. Pinóquio foi
condenado a 28 anos por chefiar o tráfico e por homicídio. SL cumpria pena de
18 anos e nove meses por homicídio qualificado, tráfico de drogas e uso de
armas de fogo. Foi julgado culpado pelo assassinato de Thiago dos Santos Cruz,
militar do Exército executado por traficantes do Chapadão sob a justificativa
de integrar uma milícia. Era a primeira vez que SL obteve permissão de passar
uns dias em casa, por decisão da juíza Larissa Maria Nunes. Bin Laden,
condenado a cinco anos de detenção por tráfico, também aproveitou a primeira
saída para escapar. A juíza Viviane Ramos de Faria, responsável pela liberação
dele, deixou registrado o “caráter ressocializador” do benefício.
A condição de ex-chefe de quadrilha precisa
ser mais bem avaliada pela Justiça. Qualquer um tem direito a se regenerar, mas
o Estado deve checar as informações sobre os beneficiados com a saída da
prisão, considerando que apenas o bom comportamento não basta. Fica evidente
que, entre as diversas causas da crise de segurança pública, estão um sistema
penitenciário que não ressocializa e uma Justiça que avalia mal a progressão de
penas e distribui benefícios sem fundamento na realidade.
Cortes de juro na zona do euro e EUA virão,
mas não logo
Valor Econômico
Ao que tudo indica, o movimento de volta da
política monetária, dos cortes das taxas, não deverá ser tão rápido quanto o
dos aumentos
A ata do Federal Reserve americano e os dados
de inflação em duas das maiores economias da zona do euro - Alemanha e França -
esfriaram as expectativas otimistas dos investidores, que esperavam o início do
corte das taxas de juros, hoje em níveis nunca vistos em duas décadas, já a
partir de março. O banco central americano deixou claro que prefere esperar
para ver mais progressos em direção à meta de 2%. A inflação voltou a subir
para alemães e franceses, nos dois países em função do fim dos subsídios à energia
e, na França, também por pressão do setor de serviços.
As previsões de cortes mais rápidos e
agressivos dos juros surgiram após o Fed se reunir em dezembro e revelar, em
seu quadro de estimativas, que a maioria dos membros esperava pelo menos três
cortes de 0,25 ponto percentual em 2024 - bem mais do que o revelado nas
anteriores. Com o detalhamento da discussão, ficou claro que vários integrantes
do comitê que decide o destino das taxas declararam que os juros poderiam
permanecer em seu pico por mais tempo. Depois de esperar muito para combater a
inflação, o Fed fez um ritmo inédito de quatro aumentos de 0,75 ponto
percentual, até chegar aos 5,25-5,5% atuais. Criticado por estar “atrás da
curva”, isto é, atrasado para deter a inflação, o Fed tem receio de cometer o
erro contrário agora, iniciando o relaxamento monetário antes que os números da
evolução dos preços deem uma indicação muito clara de que se aproximam de fato
dos 2%.
O Fed pode estar quase no fim de seu
trabalho. A inflação cheia ao consumidor (CPI) encerrou 2023 em 2,6%. O
indicador preferido do BC americano é o núcleo dos gastos pessoais de consumo
(PCE), que exclui as variações de energia e alimentos. Por ele, a inflação
semestral anualizada já se encontra abaixo da meta, em 1,9% em dezembro. Várias
medidas que calculam a inflação de bens (e não serviços), mostram a variação
perto de 0% ou mesmo deflação (Oxford Economics). Há mais dados favoráveis. A
abertura de vagas em novembro foi a menor em dois anos. A proporção de pessoas
que trocam de emprego também diminuiu, um sinal de que a oferta de trabalho
passou a arrefecer. Os ganhos salariais até novembro estavam, em 12 meses, um
pouco acima dos 4%, o que os economistas consideram incompatível com a inflação
de 2%.
Em outra pista de que o Fed conta com a
vitória sobre a inflação, embora não pretenda decretá-la antes do tempo, foi a
menção na ata da instituição de que está na hora de o banco começar a discutir
um cronograma para o encerramento do aperto quantitativo, a política de vendas
de títulos do Tesouro e dos lastreados em hipoteca em seu balanço, de US$ 60
bilhões e US$ 35 bilhões por mês, respectivamente. A redução do balanço do
banco, hoje de US$ 7,7 trilhões, foi usado como meio auxiliar para enxugar a liquidez
na economia e sustentar a alta dos juros.
Os investidores europeus também aguardavam
uma mudança da rota do Banco Central Europeu para breve, depois que a inflação
na zona do euro caiu por vários meses seguidos. Os índices recentes, porém,
podem ter moderado as expectativas. A inflação subiu na maior economia da
Europa, a Alemanha. Nos doze meses encerrados em novembro, foi de 2,3% e saltou
para 3,8% em dezembro. Boa parte do aumento é decorrência do fim da proteção ao
bolso dos consumidores depois que a Rússia parou de fornecer gás aos europeus,
o que fez os preços da energia em geral, e desse combustível em particular, ter
altas fortes. Os governos subsidiaram diretamente as contas de energia e esses
subsídios começaram a ser retirados agora. O governo alemão, com o mesmo
objetivo, baixou o IVA cobrados dos restaurantes, amortecendo os preços das
refeições fora de casa, que têm grande impacto na inflação. Antes reduzido a
7%, o IVA voltou agora em 2024 a 19%.
Na França, a inflação anual subiu de 3,9% em
novembro para 4,1% em dezembro, em uma tendência que deve se refletir no índice
geral de inflação na zona do euro. Em novembro, a inflação anual caiu a 2,4%,
já muito próximo da meta de inflação (perto, mas abaixo de 2%). No caso
francês, além dos preços da energia, contribuiu também para o resultado a alta
dos serviços. Diferentemente dos EUA, que apresentou um crescimento de 4,9% no
terceiro trimestre, um desempenho notável que dificulta a queda da inflação, no
bloco do euro a economia desacelera e deve ter fechado o ano em 0,6%, segundo
previsão da Comissão Europeia. Há a estimativa de melhoria razoável neste ano
(1,2%). Nos EUA e zona do euro, a alta dos juros conviveu com mercados de
trabalho aquecidos, o que é extraordinário em ciclos de aperto monetário.
A manutenção de juros altos por mais tempo nos países desenvolvidos, concomitante à redução dos juros pelo Brasil, reduz a atratividade dos ativos brasileiros, se durar muito. O diferencial, porém, ainda é alto e continua estimulativo à atração de capital externo. Quando e com que velocidade reduzir os juros são as questões que tomarão a atenção dos BCs em 2024. Ao que tudo indica, o movimento de volta da política monetária, dos cortes das taxas, não deverá ser tão rápido quanto o dos aumentos.
À espera do MEC
Folha de S. Paulo
Pasta deixa descalabro para trás, o que é
pouco ante as deficiências da educação
A educação está entre as áreas da
administração federal nas quais o mero contraste com o descalabro herdado do
antecessor favorece o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —assim como saúde,
ambiente e relações exteriores. Essa comparação, entretanto, não pode ser
parâmetro de desempenho.
Sob nova gestão, o MEC deixou para trás o que
havia de pior nos tempos de Jair Bolsonaro (PL), quando a pasta empilhava
dirigentes escolhidos a partir da afinidade ideológica com pautas que passavam
ao largo das prioridades do setor, casos do Escola sem Partido e do ensino
domiciliar. Ainda assim, os avanços por ora são tímidos.
O atual ministro, o petista Camilo Santana,
foi governador do Ceará, estado reconhecido por avanços no aprendizado dos
alunos da rede pública. Sua secretária-executiva, Izolda Cela, tem méritos
reconhecidos nos resultados na gestão da educação cearense.
No ano passado, o MEC deu atenção a ao menos
três temas essenciais na agenda nacional —a reforma do ensino médio, o fomento
do ensino em tempo integral e a alfabetização, cujos indicadores sofreram
impacto devastador da pandemia. As providências, contudo, andaram em ritmo
lento.
Só em outubro o governo enviou ao Congresso
seu projeto para enfrentar os problemas de execução da reforma do nível
médio, sem ter
conseguido ainda um entendimento com parlamentares e governadores para
sua aprovação.
Nos outros dois casos, houve atrasos
na liberação dos recursos prometidos, o que em geral indica
planejamento deficiente ou anúncio prematuro de programas.
Historicamente, as políticas educacionais das
administrações petistas foram comprometidas pela visão corporativista do
partido. Foca-se, em geral, no aumento de despesas, na maioria destinadas a
contratações e reajustes salariais, em detrimento de metas, avaliações e
cobranças no aprendizado.
Replicando o discurso do sindicalismo, o PT
rejeita o debate sobre o aporte de recursos privados no ensino superior
público, preservando um status quo que beneficia alunos de estratos mais ricos
e mantém as universidades federais e estaduais em pleito permanente por verbas
governamentais.
O Estado brasileiro, dentro de suas
possibilidades, não gasta pouco em educação —são cerca de 6% do Produto Interno
Bruto, cifra que varia conforme a medição utilizada, dentro dos padrões
internacionais. A alta da despesa média por aluno nos últimos anos, porém, não
se fez acompanhar de melhora correspondente de desempenho.
Há muito a avançar em gestão, portanto, ainda
mais num quadro de severa restrição orçamentária que tão cedo não será
superado.
Academia e ideologia
Folha de S. Paulo
Renúncia da reitora de Harvard revela efeito
da guerra cultural em universidades
O ataque terrorista a Israel acirrou ainda
mais a chamada guerra cultural que vem produzindo efeitos temerários nas
universidade americanas. A recente
renúncia da reitora da Universidade Harvard, Claudine Gay, tem como
pano de fundo esse fenômeno.
A dura reação israelense, que fez centenas de
vítimas civis, gerou uma onda de manifestações pró-Palestina em instituições de
ensino superior dos EUA. Alunos publicaram textos nos quais imputavam ao
"regime de apartheid" em Gaza a causa da ofensiva do Hamas.
A retórica que culpa a vítima e a confusão
entre o apoio ao povo palestino e ao grupo terrorista gerou críticas que
levaram à instauração de um comitê na Câmara dos EUA.
Durante depoimento de três reitoras, uma
congressista republicana perguntou se defender o genocídio de judeus violaria o
código de conduta das instituições. Nenhuma das
ouvidas afirmou diretamente que "sim"; Claudine Gay disse
que "depende do contexto".
A polêmica resultou na renúncia de Liz
Magill, da Universidade da Pensilvânia. Já Harvard endossou a posição de Gay.
Nas últimas semanas, contudo, um escrutínio
sobre seu trabalho acadêmico revelou trechos praticamente iguais aos de outros
autores sem a devida citação, o que poderia ser considerado plágio.
Ademais, especialistas em educação superior
apontam a incompatibilidade entre o posto então por ela ocupado e sua precária
trajetória acadêmica —só 11 artigos publicados em revistas científicas ao longo
de 26 anos de carreira.
A pressão levou à renúncia, que vem sendo
usada como arma em uma disputa ideológica.
Argumenta-se que a ex-reitora foi perseguida
por ser mulher e negra, e é uma pena que a própria Gay tenha se valido desse
subterfúgio. Afinal, cientistas homens e brancos também sofrem consequências
por falta de rigor em pesquisas —como o reitor da Universidade Stanford, que
renunciou em julho do ano passado.
O episódio revela como o foco excessivo em
questões políticas na universidade, à esquerda e à direita, gera distorções na
sua missão de buscar a excelência acadêmica.
Por óbvio, o debate sobre problemas sociais não pode ser ignorado, mas deve ser travado com sensatez e respeito à liberdade. A renúncia de Gay suscita reflexão sobre os rumos do ensino superior —que, pelo visto, demanda equilíbrio entre ciência e política.
O absurdo calendário das emendas
O Estado de S. Paulo
Se o problema não começou com Lula,
resolvê-lo é sua responsabilidade. Ele precisa investir mais na relação com os
parlamentares e convencê-los a apoiar as políticas públicas
De forma correta, o presidente Lula da Silva
vetou a proposta do Congresso de estabelecer um calendário para o empenho e a
execução de emendas parlamentares. A iniciativa fazia parte da Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, sancionada nesta semana.
Se esses trechos tivessem sido mantidos, o
Executivo seria obrigado a empenhar os valores referentes às emendas até 30
dias após a publicação das indicações pelos Ministérios. Também seria obrigado
a pagar os valores referentes a todas as emendas impositivas até 30 de junho
deste ano.
O estabelecimento desses prazos representava
uma clara invasão, por parte do Legislativo, de atribuições que competem
exclusivamente ao governo, entre as quais a gestão da execução orçamentária e
financeira do Poder Executivo. O governo, por óbvio, não poderia compactuar com
mais esse avanço sobre suas prerrogativas.
Como mencionou o Ministério do Planejamento
na justificativa do veto, não há previsão constitucional expressa sobre o
calendário. O cronograma também viola a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e
ignora a necessidade de cumprimento de etapas regulares e processos
administrativos inerentes à execução de despesas orçamentárias, eventos que
“não necessariamente se concretizam nesse lapso temporal”.
Ao saberem da notícia, algumas lideranças do
Congresso começaram a angariar apoio para derrubar o veto presidencial assim
que o recesso parlamentar for encerrado. Foi o caso do relator da LDO, deputado
Danilo Forte (União-CE). Forte disse que o cronograma seria um marco a
fortalecer a “autonomia do Legislativo”, preservar e garantir recursos aos
municípios e assegurar uma distribuição mais justa dos programas sociais
federais.
O calendário, ainda segundo o deputado, foi
construído e aprovado após amplo debate com parlamentares e visa a conferir
lisura às votações, bem como “promover maior equidade e previsibilidade a
parlamentares e aos prefeitos, que são os que mais sofrem com os critérios
subjetivos de liberação dos recursos”.
A nota distribuída mostra o quanto o debate
sobre as emendas parlamentares continua fora do prumo. O deputado, atualmente
em seu terceiro mandato, não é nenhum amador para confundir as funções que
cabem ao Executivo e ao Legislativo, devidamente definidas na Constituição.
Enquanto relator da LDO de 2014, Forte teve
participação direta na criação do orçamento impositivo, primeiro passo para
tornar obrigatórias as emendas individuais – o que viria a se confirmar, de
maneira definitiva, com a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) no ano seguinte.
Desde então, o poder do Legislativo sobre o
Orçamento cresce na mesma proporção da perda do controle do Executivo sobre a
peça. Em 2019, as emendas de bancada se tornaram obrigatórias em 2019 e
surgiram as “emendas pix”. No ano seguinte, nasceu o orçamento secreto, esquema
revelado pelo Estadão e derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Parte
dos recursos das emendas de relator acabou por ser direcionada às emendas de
comissão.
Juntas, as emendas parlamentares somarão R$
53 bilhões neste ano, um valor recorde. Mas nem mesmo o valor recorde foi capaz
de conter os deputados e senadores. Não basta, apenas, direcionar recursos para
suas bases. Agora, é preciso garantir que eles cheguem antes da eleição
municipal.
Como solução imediata, o veto presidencial é
um instrumento adequado para conter esse movimento, mas não será surpresa se
ele for derrubado com bastante facilidade. Caso isso aconteça, é possível
recorrer ao STF, mas o drible que foi feito com o orçamento secreto mostra que
essa solução tampouco seria definitiva.
Se o problema não começou no governo Lula,
resolvê-lo é sua responsabilidade. O presidente precisa se envolver mais
diretamente na relação com o Congresso e convencer os parlamentares a apoiar as
políticas públicas de Estado. Vincular os recursos das emendas a essas
políticas é uma maneira mais eficaz e eficiente de reduzir desigualdades
sociais e regionais, algo que certamente une – ou deveria unir – os interesses
do governo e os do Legislativo.
A democracia não é um detalhe
O Estado de S. Paulo
Ao encontrar no Judiciário o primeiro
obstáculo institucional a seu propósito de revolucionar a Argentina por
decreto, Milei descobre que a democracia tem ritos que devem ser respeitados
O presidente da Argentina, Javier Milei,
topou com o primeiro obstáculo institucional ao seu plano de desregulamentar
totalmente a economia por meio de decreto. Coube à Justiça do Trabalho
expressar com todas as letras que, na democracia argentina, qualquer alteração
em leis vigentes exige o debate e a anuência do Parlamento. Embora restrita ao
capítulo laboral do texto baixado em dezembro pela Casa Rosada, a decisão do
colegiado pôs em xeque a adequação da revolução ultraliberal de Milei aos
trilhos do Estado Democrático de Direito. Nas entrelinhas, ditou que a Justiça
não aceita um atalho autoritário.
Ao suspender as mudanças nas regras
trabalhistas incluídas no Decreto Nacional de Urgência (DNU) de Milei, o
colegiado da Câmara Nacional de Apelações do Trabalho não se ateve ao mérito.
Em avaliação bem ampla, centrou seu julgamento no fato de a via do decreto
presidencial não cumprir os ritos democráticos. Baseando-se em decisões
anteriores da Suprema Corte, a maioria dos juízes concluiu que as considerações
genéricas do texto “são incapazes de justificar a edição de medidas
legislativas pelo Poder Executivo Nacional”.
Aguarda-se agora a decisão da Suprema Corte
sobre o assunto, e presumese que a decisão da Justiça do Trabalho seja levada
em conta no processo. No outro campo institucional, o Congresso tem se mostrado
resistente à aprovação do DNU em bloco até 31 de janeiro – o prazo determinado
por Milei. Mais provável será a rejeição de todo o conteúdo por falta de apoio
até mesmo de setores da minguada base parlamentar do governo.
O fato evidente é que a Justiça do Trabalho
colocou o guizo no gato. Antes da palavra final da Suprema Corte sobre o
decreto, outras cortes podem vir a se manifestar sobre os demais capítulos do
decreto nessa mesma linha. E tudo isso porque o método escolhido por Milei para
fazer o país engolir suas drásticas mudanças sem qualquer debate é
evidentemente antidemocrático. Por mais consistentes, necessárias e urgentes
que sejam as medidas de desregulamentação de uma economia engessada pela visão
brutalmente estatista de sucessivos governos peronistas, a Casa Rosada sob
comando de “El Loco” tropeçou em seu próprio impulso autoritário de baixar a
revolução liberal por decreto.
A incerteza jurídica em torno do decreto e de
suas consequências para a economia turva ainda mais o horizonte argentino,
justamente no momento em que o país precisa de apoio de organismos
multilaterais e de investimentos estrangeiros, em especial do Fundo Monetário
Internacional (FMI). Várias das medidas anunciadas no terceiro dia do governo
Milei – consideradas “bem-vindas” pela diretora-gerente do FMI, Kristalina
Georgieva – constam do texto agora posto em xeque pela Justiça. Outras constam
de um truculento projeto de lei que atribui a Milei poderes excepcionais de
legislar e travar o Judiciário ao longo dos quatro anos de seu mandato, o que
obviamente deverá ser questionado no Congresso.
A primeira missão do FMI na gestão Milei já
estava presente na capital argentina quando a Justiça do Trabalho julgou o
decreto. Desta vez, os técnicos do Fundo não se limitarão a revisar as metas
flagrantemente descumpridas pelo país no trimestre passado. Eles deverão
negociar uma tábua de salvação para que a Argentina atravesse os primeiros
meses do ano sem o risco de declarar-se falida. Trata-se de um waiver de pelo
menos US$ 3,3 bilhões até abril e um desembolso adicional. Se nos cafés de
Buenos Aires há quem acredite que a revolução de Milei poderá ter efeitos
positivos no curto prazo, os técnicos do Fundo certamente não têm dúvidas de
que o presidente argentino terá de rever seus métodos.
É certo que, antes de completar um mês à
frente do governo, Milei cumpriu boa parte de suas promessas eleitorais, mas
desprezou os ritos democráticos de um país que, a duras penas, reconstruiu o
Estado Democrático de Direito há 30 anos. Os argentinos precisam do apoio de
suas instituições e dos organismos internacionais para sair do abismo econômico
ao qual foram empurrados por décadas de irresponsabilidade e paternalismo. Por
isso, o autoritarismo de Milei não é um bom caminho.
Aumenta o cerco à Eletrobras
O Estado de S. Paulo
É descabido o apoio do governo à suspensão de
assembleia que votaria incorporação de Furnas
No último dia útil de 2023, uma assembleia
extraordinária de acionistas da Eletrobras foi suspensa por duas liminares
expedidas por desembargadores do Rio de Janeiro. A reunião, convocada havia um
mês, iria decidir sobre a incorporação de Furnas, a maior de suas cinco
subsidiárias, e já havia atingido o quórum necessário para deliberar quando as
decisões proferidas por plantonistas durante o recesso judiciário interrompeu o
processo.
A incorporação de Furnas faz parte da
reestruturação da Eletrobras, desestatizada em 2022, por meio de uma
capitalização que tirou da União o controle da companhia. O grupo virou uma
“corporation”, como são rotuladas no mercado as empresas sem dono definido. Na
nova etapa, tenta reorganizar a governança corporativa e reduzir custos
operacionais e administrativos.
As liminares atenderam a pedidos da
Associação dos Empregados de Furnas (Asef). Até aí, nada de incomum. Ao
contrário, funcionários de companhias que migram da administração estatal para
iniciativa privada costumam recorrer a liminares para barrar mudanças que, na
grande maioria dos casos, levam ao enxugamento de quadros de pessoal,
geralmente inchados.
A novidade desta vez foi o empenho do
ministro Alexandre Silveira, que, por meio da assessoria do Ministério de Minas
e Energia, tornou público seu descontentamento em relação à incorporação de
Furnas, “um patrimônio de Minas”. Como ferrenho crítico da perda de poder do
governo na Eletrobras, o mineiro Silveira já tentou, inclusive, atribuir à
privatização o apagão de agosto de 2023, causado, confirmou-se depois, por
falhas em parques solares e eólicos do Ceará.
Quando a Eletrobras foi criada, no início da
década de 1960, para concentrar as empresas do setor elétrico, fazia sentido
mantê-las independentes, para facilitar o investimento em um país continental.
Ao longo de 60 anos, o segmento evoluiu, notadamente após a grave crise que
levou ao racionamento de energia entre 2001 e 2002. O sistema integrado
nacional não carece mais das subsidiárias separadas que, nas últimas décadas,
serviram mais a interesses paroquiais de grupos políticos do que à estratégia
de crescimento.
Note-se que, ao final de um eventual processo
de incorporação, além da consolidação de atividades operacionais, seriam
unificados cargos da alta administração que, durante a fase de estatal plena,
se tornaram feudos de partidos políticos. De qualquer forma, a decisão sobre
unificar ou não cabe à empresa.
Embora o “Grupo Governo” – como a Eletrobras
define a União e as empresas e fundos a ela vinculados de alguma forma –
detenha 46,7% do capital (dados de novembro/23), a mudança para “corporation”
limitou seu poder de voto a 10%.
Por meio da Advocacia-Geral da União o governo Lula da Silva tenta reverter essa situação no Supremo Tribunal Federal; por meio dos sindicatos, tenta frear o processo de reestruturação da Eletrobras – interesse que parece atrelado a ganhos políticos, e não à oferta de bons serviços aos cidadãos.
Jovens e os riscos da falta de informação
Correio Braziliense
É possível atestar que existe uma distância enorme entre os médicos e a população quando o assunto envolve temas como planejamento familiar e infecções sexualmente transmissíveis
O uso indiscriminado de pílulas
contraceptivas de emergência — conhecidas como pílulas do dia seguinte — não é
novidade para ninguém. Também não é surpresa o fato de que a grande maioria de
consumidoras do produto seja formada por mulheres jovens, geralmente com pouca
ou nenhuma informação sobre os riscos e malefícios que o medicamento causa no
organismo.
O uso irrestrito das pílulas orais para a
contracepção de emergência pode trazer consequências graves. De acordo com
levantamento divulgado pelo Ministério da Saúde, de 40% a 50% das mulheres
sofrem efeitos colaterais como náuseas, vômitos, cefaleia, dor mamária,
alterações no ciclo menstrual e vertigem. O relatório aponta, ainda, que o
medicamento é contraindicado para mulheres com antecedentes de acidente
vascular cerebral, tromboembolismo, enxaqueca severa ou diabetes com
complicações vasculares.
Esses números assustaram duas estudantes de
enfermagem do Centro Universitário de Brasília (Ceub), que fizeram uma pesquisa
sobre o tema, entrevistando universitárias. Os resultados enfatizam a
importância de ações educacionais sobre o uso criterioso da contracepção de
emergência e sobre os riscos que a mulher corre ao receber uma alta dose de
hormônios.
A pesquisa analisou a frequência do uso de
contraceptivos orais de emergência por 120 universitárias, entre 18 e 25 anos,
e os motivos por trás da escolha. Chama a atenção o número de jovens que
admitiram ter utilizado a pílula no mínimo uma ou duas vezes no período de 12
meses: 27%. Dessas, 84% fizeram uso do medicamento dentro das primeiras 24
horas após relação sexual desprotegida, sendo que 65% delas relataram
alterações nos ciclos menstruais após o uso, além de efeitos colaterais.
Com o objetivo de prevenir a gravidez após o
envolvimento em relações sexuais desprotegidas, 66,5% das estudantes afirmaram
recorrer aos contraceptivos de emergência com frequência, mas apenas 1,13% das
entrevistadas obteve o método mediante prescrição médica, o que demonstra que o
acesso ao medicamento ocorreu por iniciativa própria ou, em sua maioria, contou
com o apoio de familiares, entre outros.
A partir dos números, é possível atestar que
existe uma distância enorme entre os médicos e a população quando o assunto
envolve temas como planejamento familiar e infecções sexualmente transmissíveis
(ISTs). A carência é de informação, pelo menos de informação técnica. Por que
procurar um médico se consigo resolver isso na farmácia mais próxima?
Como se vê, faltam políticas públicas e iniciativas de entidades médicas no sentido de criar um espaço de acolhimento para casais, liderado por profissionais com conhecimento multidisciplinar: ginecologistas, psicólogos, clínicos gerais, sexólogos, endocrinologistas e enfermeiros. E, como a maior parte desse público é formado por jovens, começar pelas redes sociais não seria má ideia.
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