Déficit primário acende alerta sobre meta fiscal
O Globo
Mesmo levando em conta ressalvas sobre
precatórios e auxílio a estados, resultado ficou aquém do previsto
O anúncio do Tesouro Nacional a respeito do
desempenho das contas
públicas em 2023 deve servir de alerta ao governo federal sobre
os desafios para 2024. O resultado foi pior que o prometido pelo ministro da
Fazenda, Fernando
Haddad, no início de 2023, quando falou num déficit inferior a R$
100 bilhões. O número anunciado ficou acima da meta oficial, de até R$ 213,6
bilhões no vermelho. A União
registrou déficit de R$ 230,5 bilhões, ou 2,1% do PIB. Foi o
pior resultado desde o início da série histórica, em 1997, com a exceção de
2020, primeiro ano da pandemia.
É verdade que esse número precisa ser lido com ressalvas. Ele considera o gasto extraordinário para regularizar as pedaladas do governo Jair Bolsonaro com a quitação das dívidas sem possibilidade de recurso na Justiça, os precatórios. E inclui outro esqueleto da administração anterior: pagamentos para compensar estados e municípios pelas perdas em 2022 com a redução do ICMS. Descontando os precatórios do resultado primário — como determina decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) —, o déficit primário ficou em R$ 138,1 bilhões, ou 1,3% do PIB. E retirando a ajuda aos estados, em R$ 117,2 bilhões. Ainda assim, acima do que previa Haddad no início do ano.
De qualquer ângulo que se examine, com a
interpretação mais ou menos benevolente, a situação exige cuidado. Os gastos
aumentaram, na leitura mais benigna para o governo, ao redor de 2 pontos
percentuais do PIB em um ano. Isso dá uma ideia do desafio que representa a
intenção de zerar o déficit neste ano e atingir superávit de 0,25% no próximo,
como determinam as metas fiscais. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o
secretário do Tesouro, Rogério Ceron, passou uma mensagem positiva e de
seriedade sobre o futuro. Negou qualquer intenção de rever as metas e afirmou
que as “condições são positivas” para atingir os objetivos. “As metas são
desafiadoras porque entendemos que tem de ser assim para termos o melhor
resultado possível. Uma meta folgada é uma não meta.”
As circunstâncias desafiam, porém, o otimismo
de Ceron. Mesmo antes do início do ano legislativo, líderes da Câmara planejam
derrubar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva a emendas parlamentares de R$ 5,6 bilhões, ampliando gastos. Diante da
voracidade dos congressistas por verbas, Ceron afirma acreditar na capacidade
de diálogo entre Executivo e Legislativo. “Sempre encontramos um caminho de
diálogo e de ajuste.” Outro risco que ele reconhece é a eventual perda de
arrecadação, como resultado da queda no preço das commodities exportadas pelo
país. Há, por fim, o trabalho insistente de desafio às metas fiscais promovido
pelos setores insatisfeitos do governo e do PT.
Diante das incertezas, os agentes econômicos
têm visto como uma quimera a chance de o governo fechar 2024 no azul. Mas
Haddad faz bem em manter a atenção no alvo. Ele está certo em tentar evitar que
especulações do mercado se tornem profecia autorrealizável, com estimativas
cada vez maiores sobre o rombo. A corrosão das expectativas liberaria os
instintos gastadores do governo. Pretextos não faltam. O PIB está em
desaceleração e há eleições municipais em novembro. As credenciais de
responsabilidade fiscal do governo Lula dependerão do êxito no cumprimento da
meta.
Combate à dengue exige ação imediata de todos
os níveis do governo
O Globo
Explosão nos casos sugere que este ano será
ainda pior que 2023, quando Brasil registrou recorde de mortes
Nos últimos anos, governos deixaram em
segundo plano os sinais de que a dengue poderia
se tornar novamente um problema grave. Agora, a doença já é uma realidade.
Vários estados têm decretado emergência. As autoridades de saúde precisam
correr para ampliar testagem e postos de atendimento, além de preparar os
hospitais para os casos graves, de modo a evitar mortes.
No ano passado, o país registrou 1,6 milhão
de casos de dengue, com 1.094 mortes, um recorde desde que a doença ressurgiu
com força nos anos 1980. Por mês, 4
mil pacientes foram internados na rede pública em 2023 com quadro de dengue
clássica ou hemorrágica. Essas internações custaram ao poder
público R$ 19,7 milhões.
A explosão de notificações neste início de
ano sugere que 2024 será bem pior. Apenas nas duas primeiras semanas do ano, o
número de infectados quase triplicou em relação ao mesmo período de 2023 (120,8
mil ante 44,7 mil). Nos hospitais de uma rede privada, os casos aumentaram
307%. Pelo menos 12 pessoas já morreram em consequência da doença neste ano,
segundo o Ministério da
Saúde. Os estados de Minas Gerais, Goiás e Acre, além do Distrito
Federal, decretaram emergência em saúde pública devido à disparada nos casos.
Nos próximos dias, o SUS iniciará a vacinação
contra a dengue. Embora a medida seja fundamental, não se devem depositar todas
as esperanças na vacina como estratégia para controlar a doença, pois os
estoques são insuficientes. O imunizante da farmacêutica japonesa Takeda,
indicado de 4 a 60 anos, num primeiro momento será aplicado apenas no grupo de
10 a 14 anos, que representa o maior número de hospitalizações. E nem todos os
brasileiros nessa faixa etária estarão credenciados a receber a vacina, já que
ela será enviada apenas às regiões com maior incidência da doença. Pelos dados
do Ministério da Saúde, cerca de 10% dos 5.570 municípios brasileiros a
receberão. A Takeda só conseguirá destinar 6,5 milhões de doses ao Brasil neste
ano.
Desde julho, a vacina já era oferecida nas
clínicas particulares (por preços de até R$ 1 mil), mas só em dezembro foi
incorporada ao SUS. A escalada visível da doença recomendava que se deixasse a
burocracia de lado e se tratasse a situação como emergência, a exemplo do que
aconteceu com a Covid-19. O Brasil poderia e deveria ter começado a vacinar
antes.
Com a oferta limitada de vacinas e a explosão
dos casos, a prioridade agora deve ser dada ao combate a focos do mosquito e à
abertura de leitos para tratar os doentes, especialmente os que contraem as
formas graves. É importante que a doença seja diagnosticada rapidamente e que o
paciente seja encaminhado a tratamento médico. O combate ao mosquito deve
contar com campanhas maciças para conscientizar a população sobre os riscos.
Experiências já testadas serão úteis. Municípios, estados e governo federal devem
usar todas as estratégias conhecidas para evitar mortes.
Déficit cresce mais que o previsto e
dificulta meta fiscal
Valor Econômico
Novo regime fiscal já parte de um nível bem
alto de despesas, que crescerão todos os anos, e aumento das receitas será
problemático
O déficit primário do governo central
(Tesouro, Banco Central e Previdência) no primeiro ano do terceiro mandato do
presidente Lula foi de R$ 230,5 bilhões, o segundo maior da série, excetuado
2020, o ano da pandemia. O governo obteve autorização para pagar o estoque de
precatórios, de R$ 92,38 bilhões, parcelados no governo de Bolsonaro. Sem ele,
o rombo seria de R$ 138,14 bilhões, segundo o Tesouro, ou de 1,27% do PIB. Mas
o Tesouro considerou receita primária os R$ 26,3 bilhões do PIS-Pasep não sacados,
uma interpretação distinta da do BC. Dessa forma, o déficit, na contabilidade
do BC, poderá ser de R$ 164,4 bilhões, ou 1,5% do PIB. O maior déficit da série
histórica foi efetuado durante outro governo petista, o de Dilma Rousseff, em
2016, quando chegou a 2,5% do PIB. A diferença é que Dilma já conduzia uma
economia em queda livre e Lula maneja um orçamento com o PIB crescendo 3%. A
Fazenda estimava déficit de 1% do PIB.
Como o orçamento permitia um resultado
negativo de R$ 228,3 bilhões, e os precatórios não serão computados na meta
fiscal por entendimento do Supremo Tribunal Federal, o governo antecipou
despesas, o que deve ajudá-lo a se aproximar da meta ainda vigente de zerar o
déficit este ano. Pagou no ano passado R$ 26,3 bilhões pela perda de
arrecadação dos Estados com a redução do ICMS para combustíveis e energia, uma
conta que deveria começar a ser quitada em três anos a partir de 2024. Os R$
6,1 bilhões que serão gastos no programa de permanência no ensino médio
entraram na conta de 2023.
O governo Lula recebeu as contas públicas com
superávit de R$ 46,4 bilhões e encerrou o exercício de 2023 com déficit de R$
230,5 bilhões, isto é, uma guinada de R$ 277 bilhões em gastos não cobertos por
receitas. As despesas cresceram, já descontada a inflação, 12,5%. Já as
receitas caíram bem menos do que se previa. Até agosto, havia queda real de
5,8%, que se reduziu a 2,8% no resultado final do ano. A receita líquida de
transferência teve redução de 2,2% em termos reais. Os recursos sob
responsabilidade da Receita encolheram menos ainda, R$ 15,5 bilhões, ou 1%
real. O resultado é compatível com uma economia que não desacelerou e crescerá
marginalmente acima dos 2,9% de 2022.
Houve um choque negativo forte, no entanto,
das receitas não administradas. A de concessões e permissões caiu R$ 40,7
bilhões, porque o governo não se moveu com desenvoltura nessa área, ou por
falta de interesse. Os recursos com dividendos diminuíram R$ 41,1 bilhões,
porque Petrobras e BNDES reduziram pagamentos ao Tesouro, com aval oficial. A
exploração de recursos naturais, royalties e participações com exploração do
petróleo arrecadou R$ 26,2 bilhões menos, não só pela menor produção nas áreas
sob sistema de partilha, como também pela queda dos preços do petróleo e
valorização do real. O empoçamento de recursos, dinheiro que foi orçado, mas
não gasto, de R$ 19,8 bilhões, ajudou a diminuir o rombo.
As despesas cresceram principalmente pelo
aumento de recursos para o Bolsa Família (R$ 75 bilhões) e elevação dos
benefícios previdenciários (R$ 66,5 bilhões), seja pela regularização da fila
de atrasos, com 2,3% de aumento do número de beneficiários, seja pela quitação
de precatórios relacionados e, o que não é menos relevante, pelo aumento real
de 1,4% no salário mínimo. O déficit do regime geral da previdência atingiu R$
306,2 bilhões. Somado ao regime dos servidores públicos e dos militares, o
rombo foi de R$ 417 bilhões, ou 4,1% do PIB.
A volta ao vínculo constitucional dos gastos
com educação e saúde, modificados pelo teto de gastos, elevou as despesas em R$
34 bilhões. O governo aumentou os investimentos em 72,5% (descontada a
inflação), de R$ 47,6 bilhões para R$ 82,2 bilhões. As despesas com saúde e
educação são uma das ameaças ao déficit zero. Quanto mais o governo for
bem-sucedido na ampliação das receitas, maiores serão as despesas nas duas
áreas. O teto de gastos as corrigia pela inflação, mantendo seu valor real.
Não se sabe ao certo em quanto aumentarão as
receitas com as medidas enviadas pela Fazenda e aprovadas pelo Congresso. As
despesas no orçamento de 2024 cresceram R$ 200 bilhões. Para zerar o déficit,
será preciso financiar mais gastos e reverter R$ 138 bilhões do déficit deste
ano. Há alguns truques, como a antecipação de despesas já feitas e o salvo
conduto para pagar precatórios sem abalar a meta fiscal permitido pelo STF. O
parcelamento obrigatório dos créditos tributários é um dique contra aumentos inesperados
de gastos. Do outro lado da balança, há R$ 285 bilhões de restos a pagar
(dinheiro empenhado, mas não pago) empurrados para este exercício.
Como o novo regime já partiu de um nível bastante alto de despesas, e elas crescerão todos os anos, não haverá aumento de receitas suficiente para manter a meta fiscal de pé ao longo dos anos. Para impedir que os gatilhos redutores da despesa atinjam a quadra final do mandato de Lula e o ano eleitoral de 2026, a meta pode ser mudada a qualquer hora. O presidente Lula não parece disposto à austeridade fiscal. O resultado será ter juros altos por mais tempo e pressão sobre a inflação.
A conta da gastança
Folha de S. Paulo
O pior no megadéficit de 2023 é o avanço das
despesas de caráter obrigatório
Consideradas as circunstâncias, o megadéficit
do Tesouro Nacional recém-contabilizado em 2023 é mais
alarmante do que sugere a mera comparação histórica.
O rombo de R$ 230,5 bilhões (sem contar
encargos com juros da dívida), ou 2,1% do Produto Interno Bruto, foi o terceiro
maior em termos anuais desde o Plano Real, de 1994 —antes disso, a inflação
descontrolada distorcia as cifras e permitia superávits elevados. Só houve
resultados piores em 2016 (2,6% do PIB no vermelho) e 2020 (9,8%).
Deve-se levar em conta, porém, que, no
primeiro caso, tratava-se do ano da fixação de um teto para os gastos federais,
que deveriam cair como proporção da economia a partir dali; no segundo, havia a
necessidade indiscutível de desembolsos extraordinários para o enfrentamento da
pandemia, que não se repetiriam no futuro.
Desta vez, não apenas se verificou retrocesso
numa trajetória de ajuste fiscal como grande parte do déficit foi provocado
pelo aumento de despesas de caráter permanente —e já num primeiro ano de
mandato presidencial.
Ressalve-se que houve desembolsos atípicos em
2023, em especial para a quitação de precatórios atrasados herdados da gestão
Jair Bolsonaro (PL). Mas o resultado divulgado pelo Tesouro também tomou
liberdades indevidas ao contabilizar receitas que serão excluídas na apuração
definitiva, a cargo do Banco Central.
Tudo descontado, tem-se um déficit acima de
R$ 140 bilhões, que evidencia a virtual impossibilidade do cumprimento da meta
oficial de equilibrar receitas e despesas já neste 2024. Mesmo até o final
deste governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2026, será difícil.
A administração petista não se limitou a
acomodar no Orçamento a multiplicação dos valores do Bolsa Família —correta,
ainda que motivada pela ofensiva eleitoreira de Jair Bolsonaro (PL).
Foi ressuscitada a fórmula de
reajuste do salário mínimo acima da inflação conforme o crescimento da economia,
o que terá impacto direto e contínuo em gastos com benefícios previdenciários,
assistenciais e trabalhistas. A alta nessas rubricas foi de 9,3% para 9,8% do
PIB de 2022 para 2023.
Restabeleceram-se, ademais, as regras de
desembolso mínimo em educação e saúde segundo percentuais fixos da receita.
Isso significa menos margem de manobra em um Orçamento já engessado.
Depois de um ano perdido, começa agora uma
nova etapa de ajuste das contas públicas. Ela não terá sucesso, é preciso
repetir, se mirar apenas em mais arrecadação, sem o conter o avanço dos
dispêndios, principalmente os obrigatórios.
Se queres a paz
Folha de S. Paulo
Em aceno a militares, Lula mantém gastos em
Defesa, mas distorção continua
A simbiose entre militares e o bolsonarismo é
fenômeno bastante conhecido e cujas motivações foram expostas com desassombro
pelo mentor da volta dos fardados ao palco político, o ex-comandante do
Exército Eduardo Villas Bôas, em um livro-depoimento de 2021.
Os resultados, deletérios tanto para a
institucionalidade como um todo quanto para o estamento militar, são igualmente
notórios.
Na esquerda, nem sempre muito afeita a
leituras mais sutis da realidade, a ojeriza aos fardados oriunda dos tempos da
ditadura transmutou-se na crença de que todo militar é golpista em potencial.
Por óbvio, há setores dados a rupturas nas
Forças Armadas, alguns envolvidos em intentonas desde antes da Proclamação da
República —instaurada, aliás, por um golpe.
Também é evidente que essas franjas não foram
majoritárias no tenso período entre a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
e o fatídico 8 de janeiro do ano passado. Se havia apoio a ideias de
sublevação, ele foi domado.
A subsequente demissão do comandante do
Exército por diversos fatores, como a leniência com as hordas que atacaram
Brasília, acirrou os ânimos no novo governo.
O entorno mais à esquerda de Lula passou a
pressionar por mudanças constitucionais acerca do papel das Forças. No entanto
encontrou no chefe da pasta da Defesa, José Múcio Monteiro, uma barreira
diplomática eficaz.
Leitor presumido do escritor romano Flávio
Vegécio, o ministro sabe que "si vis pacem, para bellum", ou seja, se
queres a paz, prepara-te para a guerra.
Assim como nos dois mandatos anteriores de
Lula, a lição foi assimilada de forma pragmática. Seu governo manteve o padrão
de gasto militar deixado por Jair Bolsonaro (PL). Ademais, segue em curso o
crédito obtido pela Marinha por uma manobra que lhe permite gastar com navios
de guerra por meio da estatal Emgepron, que não faz parte das contas do
Tesouro.
As distorções se mantêm. Como mostrou a Folha, o gasto com
pessoal chegou a 80% do orçamento da Defesa em 2023, mais da metade
com inativos, enquanto o investimento respondeu por apenas 6,8%.
Quando houve oportunidade de lidar com o
problema, na reforma previdenciária de 2019, os militares ganharam benesses
adicionais.
As Forças Armadas sonham com o padrão da Otan, de 2% do PIB para o setor, ante o 1,1% de 2023. Mas a aliança preconiza 20% de investimento, algo inalcançável com a estrutura torta de dispêndio atual.
Um barril de pólvora no Oriente Médio
O Estado de S. Paulo
As grandes potências envolvidas em confrontos
na região têm muito a perder com uma guerra expandida. Ainda assim, estão se
aproximando cada vez mais dela
Oficialmente, as potências hoje envolvidas em
confrontos no Oriente Médio querem evitar um conflito generalizado. Na prática,
estão cada dia mais próximas dele.
O Irã alega que não teve envolvimento no
ataque do Hamas a Israel nem nos das outras milícias apoiadas por ele no
chamado “Eixo da Resistência”. Não obstante, as agressões continuam se
expandindo. A mais importante dessas milícias, o Hezbollah, que domina parte do
Líbano, tem trocado diariamente disparos de foguetes com Israel, mas ambos têm
evitado o confronto por terra. Não obstante, Israel não está arrefecendo os
ataques em Gaza, o que acirra os ânimos dos milicianos do Eixo. Desde o 7 de
Outubro, essas milícias já conduziram mais de 160 ataques a bases
norte-americanas na região. As retaliações de Washington têm sido localizadas e
contidas. Mas esse “equilíbrio” está à beira do colapso. Cada uma das partes
alerta que há “linhas vermelhas”, mas para nenhuma é claro onde está a linha
traçada pela outra.
Desde os anos 80 a teocracia xiita iraniana
apoia milícias unidas por uma hostilidade comum a Israel e aos EUA. Começando
com os xiitas do Hezbollah, o grupo incorporou facções sunitas no Iraque,
milícias pró-regime na guerra civil da Síria, o Hamas e os rebeldes houthis no
Iêmen na guerra contra a coalizão árabe liderada pela rival do Irã, a Arábia
Saudita.
Cada um desses grupos respondeu à ofensiva de
Israel em Gaza. Até o início do ano, os conflitos estavam contidos em suas
localidades. Mas em janeiro começaram a transbordar.
Numa zona de Beirute controlada pelo
Hezbollah, um oficial do Hamas foi morto em um ataque de drone – que Israel não
assume nem nega. No Irã, ataques terroristas do Estado Islâmico e de jihadistas
paquistaneses mataram dezenas de civis. Em resposta, Teerã disparou mísseis
contra células supostamente terroristas na Síria e no Paquistão e também no
Iraque, contra um suposto “centro de espionagem” israelense. Após assaltos a
tropas americanas, os EUA mataram um oficial da chamada Resistência Islâmica
num ataque em Bagdá. Washington também tem atacado os houthis em retaliação a
ataques a navios no Mar Vermelho. No último domingo, 3 soldados americanos
morreram e mais de 30 ficaram feridos em uma base na Jordânia atacada por
milícias apoiadas pelo Irã na Síria e no Iraque.
O equilíbrio entre uma resposta proporcional
e enérgica, mas que evite uma escalada, é volátil. As pressões em Washington
por uma retaliação direta à Guarda Revolucionária iraniana crescem. Ataques em
larga escala no Iraque podem desestabilizar a relação com o regime de Bagdá,
favorecendo o Irã.
Se os EUA convencessem Israel a moderar os
ataques em Gaza, isso poderia arrefecer a crise na região. O risco seria
validar as táticas de confronto assimétricas do Irã, convidando a novas
agressões. De todo modo, essa alternativa parece inviável: em sua luta pela
sobrevivência, o premiê Benjamin Netanyahu está cada vez mais alinhado à
extrema direita israelense em sua recusa a soluções de compromisso.
Outra questão é até que ponto as potências
internacionais podem dirimir os riscos. Politicamente, Rússia e China talvez se
comprazam em ver os EUA sendo tragados para novos conflitos no Oriente Médio.
Mas os distúrbios no comércio e no preço do petróleo complicariam ainda mais os
esforços de recuperação econômica de Pequim. Contudo, mesmo que a China
pretenda pressionar o Irã, resta a questão de até que ponto ele realmente
controla as milícias do “Eixo da Resistência”. Além do ódio comum a Israel e
aos EUA, elas diferem em muitas coisas e cada uma tem sua agenda. Teerã pode
apoiá-las publicamente, mas enfrenta o risco de ser tragada para conflitos que
preferiria evitar, ao menos por ora.
Ainda hoje a irrupção da 1.ª Guerra Mundial
causa perplexidade aos historiadores. Após o atentado que matou o arquiduque
austríaco em Sarajevo, Rússia e Alemanha se envolveram em intensas negociações
diplomáticas tentando evitar um conflito generalizado. Não obstante, aconteceu.
A situação no Oriente Médio é assustadoramente similar.
Gasto não é sinônimo de eficiência
O Estado de S. Paulo
Estudo do Tesouro Nacional sobre despesas com
ordem pública, segurança e tribunais de Justiça mostra o prejuízo duplo da
população: o Brasil gasta muito para manter serviços ruins
Tem algo de muito errado num país que,
enquanto enfrenta gravíssimos e não resolvidos problemas de violência, gasta
com ordem pública e segurança 3% do Produto Interno Bruto (PIB), o maior índice
entre 53 países selecionados, acima da média das nações que integram o G-20 e
mais ainda do que o padrão das economias avançadas. Esse foi o resultado mais
eloquente – e perturbador – de um estudo produzido pela Secretaria do Tesouro
Nacional.
Intitulado Despesa por Função do Governo
Geral, com dados do IBGE, da Secretaria de Orçamento Federal e do próprio
Tesouro referentes a 2021, o levantamento também escancarou outro descompasso:
a despesa bilionária do Brasil com o sistema de Justiça na comparação com os
demais analisados. Gastamos três vezes mais do que a média internacional (1,6%
do PIB, ante 0,37%), na rubrica na qual se incluem os Tribunais de Justiça
(estaduais e regionais), o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal.
Tanto num caso quanto em outro, o País
concentra suas despesas em salários e benefícios, e menos no que efetivamente
importa para torná-lo mais seguro e com um sistema de Justiça eficiente – mais
uma evidência de que gastos elevados não compram serviços melhores. No caso da
segurança e da ordem pública, a anomalia é puxada para cima pelas despesas com
os tribunais, historicamente tisnados por alguns dos mais altos salários do
serviço público, pela profusão de verbas indenizatórias e incontáveis penduricalhos
e acréscimos que dão maior musculatura às remunerações. Se consideradas apenas
as despesas com os serviços de polícia, proteção de incêndios, estabelecimentos
prisionais e pesquisa e desenvolvimento, a realidade seria distinta. O gasto
com os serviços policiais é 0,1 ponto porcentual menor do que nos países
emergentes e apenas 0,1 ponto maior do que a média internacional. Já em relação
aos estabelecimentos prisionais, o Brasil segue os parâmetros globais, com
gasto de 0,2% do PIB.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil e
a Associação dos Magistrados Brasileiros questionam os elevados índices
destacados pela imprensa. Argumentam que o levantamento não leva em conta as
particularidades dos países analisados. Citam países que não incluem nas
despesas do Judiciário os custos com infraestrutura, ressaltam nações com
população bem menor do que a brasileira e destacam o fato de o Brasil ter um
alto número de processos ajuizados e julgados, acarretando maior demanda sobre
seu sistema de Justiça.
O argumento ignora alguns pontos relevantes.
Primeiro: embora comparações internacionais acabem de fato desconsiderando
particularidades domésticas, a distância do Brasil em relação aos melhores
exemplos internacionais é bastante elevada. Segundo: estáse falando na
proporção em relação ao PIB, portanto importa menos se o País é pequeno ou
grande. Terceiro: o espanto com o tamanho das despesas não se resume ao número
em si, pois todas as análises confrontaram as despesas elevadas com a baixa
qualidade dos serviços.
O Brasil gasta muito para manter serviços
piores. Não provê segurança pública de qualidade, como atestam sucessivas
pesquisas que apontam o tema como um dos principais problemas e temores
lembrados pela população. Não tem uma Justiça ágil e acessível, muito menos um
sistema prisional corretivo e eficiente – ao contrário, é marcado por décadas
de superlotação, violações dos direitos humanos e submissão perigosa a facções
criminosas. E nosso sistema de Justiça apresenta alto custo e baixa
efetividade, especialmente na Justiça Criminal, um funcionamento burocratizado
e pouco acessível à população.
Por fim, reafirme-se, há a realidade
incontornável das generosas benesses salariais como uma das anomalias do
Judiciário. Tem-se aí a maior concentração de fura-teto da administração
pública. Ainda que um projeto limitando supersalários no setor público tenha
sido aprovado pela Câmara em 2021, o texto esbarrou no Senado – e, ainda que
venha a ser aprovado, considera válidos mais de 30 tipos de pagamentos, entre
indenizações, direitos adquiridos ou ressarcimentos. A conta não fecha.
Alhos e bugalhos
O Estado de S. Paulo
Ignorando o fracasso dos estaleiros,
Mercadante compara a indústria naval à Embraer
A lógica exótica segundo a qual um país que
constrói e exporta aviões estaria automaticamente apto a construir navios foi
manifestada por Aloizio Mercadante, que preside o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para defender a obsessão
lulopetista de incentivar a qualquer custo a indústria naval. O desejo é
transformar o Brasil em uma potência no segmento. “Precisamos fazer navios”,
declarou Mercadante, em cerimônia recente na sede do banco.
Ao contrário do que Mercadante parece
acreditar, a Embraer não se tornou a terceira maior fabricante de aeronaves do
mundo por força de políticas de conteúdo local ou por sucessivos programas de
injeção de recursos, modelo que está na base do que o BNDES pretende fazer na
indústria naval.
Privatizada na primeira leva de
desestatizações, em 1994, a Embraer encontrou na produção de jatos o seu
principal nicho, investindo pesadamente em inovação e tecnologia. Agora, por
exemplo, aposta em aeronaves sustentáveis.
Nem mesmo como licença poética se pode
aceitar a comparação de Mercadante entre a produção de aeronaves e a de navios.
Ao citar a “indústria pujante da construção naval dos anos 1970”, o presidente
do BNDES declarou que o País tem tecnologia acumulada para voltar a ter a mesma
importância – aparentemente ignorando o fato de que, de lá para cá, como em
diversos outros setores, a evolução da tecnologia se deu numa velocidade que o
Brasil mal consegue acompanhar.
Como a própria experiência já mostrou, não é
decretando a criação de novos estaleiros que o governo alcançará, num estalar
de dedos, o nível de competitividade de estaleiros asiáticos, que nas últimas
décadas conquistaram escala e conhecimento tecnológico.
O presidente Lula da Silva tentou exatamente
isso, em gestões anteriores. Chegou a ter uma resposta de curto prazo
satisfatória – em meados de 2010, eram mais de 80 mil empregados em 19
estaleiros espalhados pelo País, 5 deles erguidos do zero. Mas, como tudo o que
é obtido a partir de modelos excessivamente artificiais, em um par de anos a
realidade era outra e rapidamente o setor retornou à estaca zero. O auge da
indústria naval foi focado em programas de incentivo do Estado e na exigência
de conteúdo local, tendo a Petrobras como única demandante. O resto é o que se
sabe: erros de fabricação, projetos caros, atrasos na entrega e, quando os
pedidos minguaram no rastro da crise da petroleira, veio o esperado fracasso.
Mercadante deveria ter mais cuidado e parcimônia ao prometer mundos e fundos para uma nova tentativa de criação de um gigante naval. Aos empresários do setor, acena com os bilhões do Fundo da Marinha Mercante, que o BNDES administra. Atrela a indústria naval a um projeto político que ainda não convenceu com a sua “neoindustrialização”. Seguindo o que parece uma tendência, diz que o Brasil vai investir no “navio do futuro”. É justamente com essa ideia de “futuro” que o governo petista vem embalando todos os projetos que se mostraram imprestáveis no passado.
Combate à dengue exige união de todos
Correio Braziliense
O Ministério da Saúde prevê que mais de 5
milhões poderão ser afetadas pela doença. Não à toa, iniciará em fevereiro a
campanha de vacinação contra a dengue
O aumento dos casos de dengue é recorrente a
cada início de verão, quando as chuvas são mais intensas em todo o país. Neste
ano, as catástrofes ocorridas no Sul, no fim de 2023, eram o prenúncio de um
verão mais grave. Nas primeiras três semanas de janeiro, o número de
brasileiros infectados pelo vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti
chegou a 120.870 casos prováveis e causou 12 mortes. O mosquito é responsável
também pela transmissão da zika e da chikungunya, igualmente perigosas.
O Ministério da Saúde prevê que mais de 5
milhões poderão ser afetadas pela doença. Não à toa, iniciará em fevereiro a
campanha de vacinação contra a dengue, começando pelas unidades da Federação
com cenários mais críticos, como Distrito Federal e Minas Gerais, onde as taxas
de incidência chegaram a 551 e 166 em cada 100 mil habitantes, respectivamente.
A previsão inicial é levar o imunizante a 16
estados e ao DF. Até agora, o ministério recebeu 750 mil doses do primeiro lote
de 1,32 milhão, produzidas pelo laboratório japonês Takeda. No total, o governo
comprou mais de 5 milhões de doses, o que garantirá a continuidade da campanha,
principalmente entre crianças e adolescentes de 10 a 14 anos.
O esforço do governo federal de sair na
frente na vacinação contra a dengue pode significar muito pouco, caso não haja
um engajamento da sociedade brasileira. O negacionismo, mentiras para
desestimular a adesão dos brasileiros à vacina, entre outros fatores, durante a
pandemia de covid-19, estão entre as causas que levaram a óbito mais de 700 mil
brasileiros.
Hoje, o cenário é outro. A sociedade é
estimulada a se imunizar contra as doenças preveníveis, e não há razão para
rejeitar os avanços da ciência e da medicina em favor da vida, sobretudo quando
o remédio é gratuito, como garante o Programa de Imunização Nacional (PIN) do
Sistema Único de Saúde (SUS).
Os cidadãos brasileiros podem e devem exercer
protagonismo no combate a moléstias preveníveis. No período chuvoso, a maioria
sabe que é preciso evitar as águas paradas, pois são nelas que o mosquito se
multiplica e as fêmeas espalham as doenças. Essa orientação e outras têm sido
repetidas pelas autoridades sanitárias, mas nem sempre são levadas a sério
pelas pessoas, que, às vezes, não dão a devida atenção e acabam sendo
prejudicadas.
Depois da onda de depreciação das vacinas, a epidemia de dengue poderia motivar a retomada de campanhas pelos governos federal, estaduais e municipais, como ocorria no passado. Peças publicitárias instaladas em espaços públicos, em postos de saúde, hospitais, farmácias e nos meios de comunicação — rádios, tevês, jornais, revistas, meios virtuais, redes sociais e tudo mais que leve aos cidadãos mensagens sobre a importância da imunização. Todas essas providências e outras devem ser adotadas no combate à contrainformação e às campanhas antivacinas. O desserviço dos negacionistas precisa ser erradicado da mesma forma que as doenças para as quais há imunizantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário