terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Andrea Jubé - Lula, Alckmin e as vítimas das eleições

Valor Econômico

Eleição municipal em São Paulo colocará o presidente e seu vice em palanques diferentes

Tancredo Neves, até hoje uma das raposas mais felpudas da política brasileira, dizia que “não se faz política sem vítima”. A eleição municipal em São Paulo testará essa máxima num cenário em que, após a vitória juntos em 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) voltarão a se enfrentar em lados opostos. fará campanha para a chapa Guilherme Boulos (Psol) e Marta Suplicy (PT) para a prefeitura, enquanto Alckmin pedirá votos para a deputada Tabata Amaral, que lançou a pré-candidatura pelo PSB. Lula é esperado para o ato de (re)filiação de Marta ao PT nesta sexta-feira (2).

A seis meses do início da campanha, aliados do presidente especulam, em conversas reservadas, que Lula atuará para enterrar a candidatura de Tabata assim como fez com o ex-governador Márcio França (PSB) - hoje ministro do Empreendedorismo -, que desistiu de concorrer ao Palácio dos Bandeirantes em 2022 para apoiar o então postulante do PT, Fernando Haddad.

Em retribuição ao gesto, França foi nomeado ministro de Portos e Aeroportos, pasta estratégica para Santos (SP), seu reduto eleitoral. Contudo, meses depois, foi remanejado para abrir espaço para o Centrão no governo.

Agora os rumores são de que Lula ofereceria a pasta da Ciência e Tecnologia - um feudo histórico do PSB nas gestões petistas - para Tabata, caso ela renunciasse à empreitada. O problema é que o lugar está ocupado pelo PCdoB, outro aliado do petista.

Um representante do PT paulista diz que tais rumores são prematuros e sem lastro. Até porque há dúvida se a candidatura de Tabata ajuda ou atrapalha Boulos.

A percepção interna na campanha do Psol e PT é que Tabata não teria fôlego para tirar de Boulos uma vaga no segundo turno contra o prefeito Ricardo Nunes (MDB). Por isso, o melhor seria conduzir uma campanha de não agressão contra a postulante do PSB, e contar com o apoio de Alckmin e Márcio França na reta final.

Essa conjuntura de embate entre PT e Psol de um lado, e PSB do outro, traz, como pano de fundo, a relação de respeito e amizade que se desenvolveu entre Lula e Alckmin desde a campanha presidencial. Uma relação de quase meio século na política e na defesa da democracia no Brasil.

Alckmin costuma dizer a interlocutores que Lula e ele estavam do mesmo lado em 1978, mesmo apoiando nomes distintos. Então no MDB, Alckmin fez campanha para Franco Montoro para o Senado, e Lula para Fernando Henrique Cardoso. O time era o mesmo, alega o vice, porque o adversário era o postulante da Arena, que apoiava a ditadura. Depois, ambos atuaram juntos pela redemocratização do país em 1984, e na sequência, tornaram-se deputados constituintes.

Mesmo quando Lula venceu José Serra em 2002 na sucessão presidencial, a relação entre ambos foi pautada pelo respeito. Em novembro daquele ano, o então presidente da Câmara e governador eleito de Minas Gerais, Aécio Neves, convidou Lula para uma reunião com os governadores do PSDB eleitos em Araxá (MG).

O gesto irritou uma ala tucana, que não queria o adversário no primeiro encontro dos novos mandatários do PSDB. Mas Lula compareceu ao ato, e teve uma conversa reservada com Alckmin, então reeleito governador de São Paulo. Ele comunicou o paulista que convidaria o empresário Roberto Rodrigues, liderança do agronegócio, para o Ministério da Agricultura.

Quando relembra o episódio, Alckmin admite a interlocutores que ficou contrariado porque queria o escolhido em sua gestão. Rodrigues consultou-se com Alckmin e argumentou que não tinha votado no petista. O governador recomendou que ele informasse o fato a Lula. Se mesmo assim o convite fosse mantido, ele deveria aceitar. E Rodrigues foi ministro, e ficou no cargo até meados de 2006.

Em 2004, Lula viajou para a China e convidou Alckmin e Aécio para a comitiva. Alckmin confessou a pessoas próximas que teve receio de voar no “Sucatão”. O temor não era gratuito: o Boeing em uso havia mais de 40 anos havia passado um susto no vice Marco Maciel em 1999, quando uma turbina explodiu.

A campanha presidencial de 2006, em que Lula e Alckmin se enfrentaram, foi uma das mais acirradas, e teve golpes diretos na jugular. Anos depois, em 2018, quando Lula foi preso, Alckmin declarou que “ninguém está acima da lei”. Tantos anos depois, os dois lados minimizam o calor dos embates, e dizem que as caneladas fazem parte das disputas no presidencialismo. Uma preocupação na campanha Boulos-Marta é evitar o erro do PT com Marina Silva (Rede Sustentabilidade) na campanha de 2014. Havia um pacto de não agressão, que depois se aboliu diante do risco dela chegar ao segundo turno, e excluir Dilma Rousseff (PT). O marqueteiro João Santana subiu o tom, conduziu um massacre contra Marina, e somente a escalada do bolsonarismo radical permitiu que a atual ministra do Meio Ambiente reatasse com Lula.

Marina foi uma “vítima” da política, pela concepção de Tancredo. O que se busca na campanha de Boulos e Marta é o equilíbrio entre não atacar Tabata nem vitimizá-la. A depender do que virá, outra “vítima” a se evitar é a boa relação entre Lula e Alckmin.

 

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