Valor Econômico
Eleição municipal em São Paulo colocará o
presidente e seu vice em palanques diferentes
Tancredo Neves, até hoje uma das raposas mais
felpudas da política brasileira, dizia que “não se faz política sem vítima”. A
eleição municipal em São Paulo testará essa máxima num cenário em que, após a
vitória juntos em 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o
vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) voltarão a se enfrentar em lados opostos.
fará campanha para a chapa Guilherme Boulos (Psol) e Marta Suplicy (PT) para a
prefeitura, enquanto Alckmin pedirá votos para a deputada Tabata Amaral, que lançou
a pré-candidatura pelo PSB. Lula é esperado para o ato de (re)filiação de Marta
ao PT nesta sexta-feira (2).
A seis meses do início da campanha, aliados do presidente especulam, em conversas reservadas, que Lula atuará para enterrar a candidatura de Tabata assim como fez com o ex-governador Márcio França (PSB) - hoje ministro do Empreendedorismo -, que desistiu de concorrer ao Palácio dos Bandeirantes em 2022 para apoiar o então postulante do PT, Fernando Haddad.
Em retribuição ao gesto, França foi nomeado
ministro de Portos e Aeroportos, pasta estratégica para Santos (SP), seu reduto
eleitoral. Contudo, meses depois, foi remanejado para abrir espaço para o
Centrão no governo.
Agora os rumores são de que Lula ofereceria a
pasta da Ciência e Tecnologia - um feudo histórico do PSB nas gestões petistas
- para Tabata, caso ela renunciasse à empreitada. O problema é que o lugar está
ocupado pelo PCdoB, outro aliado do petista.
Um representante do PT paulista diz que tais
rumores são prematuros e sem lastro. Até porque há dúvida se a candidatura de
Tabata ajuda ou atrapalha Boulos.
A percepção interna na campanha do Psol e PT
é que Tabata não teria fôlego para tirar de Boulos uma vaga no segundo turno
contra o prefeito Ricardo Nunes (MDB). Por isso, o melhor seria conduzir uma
campanha de não agressão contra a postulante do PSB, e contar com o apoio de
Alckmin e Márcio França na reta final.
Essa conjuntura de embate entre PT e Psol de
um lado, e PSB do outro, traz, como pano de fundo, a relação de respeito e
amizade que se desenvolveu entre Lula e Alckmin desde a campanha presidencial.
Uma relação de quase meio século na política e na defesa da democracia no
Brasil.
Alckmin costuma dizer a interlocutores que
Lula e ele estavam do mesmo lado em 1978, mesmo apoiando nomes distintos. Então
no MDB, Alckmin fez campanha para Franco Montoro para o Senado, e Lula para
Fernando Henrique Cardoso. O time era o mesmo, alega o vice, porque o
adversário era o postulante da Arena, que apoiava a ditadura. Depois, ambos
atuaram juntos pela redemocratização do país em 1984, e na sequência,
tornaram-se deputados constituintes.
Mesmo quando Lula venceu José Serra em 2002
na sucessão presidencial, a relação entre ambos foi pautada pelo respeito. Em
novembro daquele ano, o então presidente da Câmara e governador eleito de Minas
Gerais, Aécio Neves, convidou Lula para uma reunião com os governadores do PSDB
eleitos em Araxá (MG).
O gesto irritou uma ala tucana, que não
queria o adversário no primeiro encontro dos novos mandatários do PSDB. Mas
Lula compareceu ao ato, e teve uma conversa reservada com Alckmin, então
reeleito governador de São Paulo. Ele comunicou o paulista que convidaria o
empresário Roberto Rodrigues, liderança do agronegócio, para o Ministério da
Agricultura.
Quando relembra o episódio, Alckmin admite a
interlocutores que ficou contrariado porque queria o escolhido em sua gestão.
Rodrigues consultou-se com Alckmin e argumentou que não tinha votado no
petista. O governador recomendou que ele informasse o fato a Lula. Se mesmo
assim o convite fosse mantido, ele deveria aceitar. E Rodrigues foi ministro, e
ficou no cargo até meados de 2006.
Em 2004, Lula viajou para a China e convidou
Alckmin e Aécio para a comitiva. Alckmin confessou a pessoas próximas que teve
receio de voar no “Sucatão”. O temor não era gratuito: o Boeing em uso havia
mais de 40 anos havia passado um susto no vice Marco Maciel em 1999, quando uma
turbina explodiu.
A campanha presidencial de 2006, em que Lula
e Alckmin se enfrentaram, foi uma das mais acirradas, e teve golpes diretos na
jugular. Anos depois, em 2018, quando Lula foi preso, Alckmin declarou que
“ninguém está acima da lei”. Tantos anos depois, os dois lados minimizam o
calor dos embates, e dizem que as caneladas fazem parte das disputas no
presidencialismo. Uma preocupação na campanha Boulos-Marta é evitar o erro do
PT com Marina Silva (Rede Sustentabilidade) na campanha de 2014. Havia um pacto
de não agressão, que depois se aboliu diante do risco dela chegar ao segundo
turno, e excluir Dilma Rousseff (PT). O marqueteiro João Santana subiu o tom,
conduziu um massacre contra Marina, e somente a escalada do bolsonarismo
radical permitiu que a atual ministra do Meio Ambiente reatasse com Lula.
Marina foi uma “vítima” da política, pela
concepção de Tancredo. O que se busca na campanha de Boulos e Marta é o
equilíbrio entre não atacar Tabata nem vitimizá-la. A depender do que virá,
outra “vítima” a se evitar é a boa relação entre Lula e Alckmin.
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