O Globo
As informações da PF, que investiga ações da
Abin durante o governo Bolsonaro, levam à quase certeza de que realmente foi
montado um esquema paralelo para servir de apoio ao presidente e a seus filhos
O estilo tosco e boquirroto do ex-presidente
Jair Bolsonaro se volta contra ele na maioria das vezes. Pode até entusiasmar
parte de seus seguidores, aqueles que querem sangue, mas acaba produzindo
provas contra si mesmo. É o caso, para citar apenas um, dos ataques que
proferiu de um palanque contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes. Tão grave foi a investida que Bolsonaro, assessorado por
Michel Temer, teve de pedir desculpas numa carta pública.
É o caso, agora, da intervenção na Agência Brasileira de Inteligência com a intenção de formar uma “Abin paralela” para espionar adversários políticos e obter informações sobre investigações que pudessem atingi-lo e sua família. Nada mais espontâneo, justamente porque ele não vislumbrava a possibilidade de o vídeo ser divulgado, do que a exortação de Bolsonaro na famosa reunião ministerial de 2020 em favor de um sistema de informações mais eficiente para proteger sua família e seus amigos.
A fala presidencial naquele momento
justificaria o pedido de demissão de qualquer ministro que levasse a sério a
democracia numa República. Imediatamente vieram à mente as denúncias do
ex-ministro Gustavo Bebianno, já falecido, de que, logo no início do governo, o
filho vereador Carlos Bolsonaro levara ao Planalto a proposta de criar uma
“Abin paralela” para fornecer ao presidente informações que não poderiam ser
repassadas devido a restrições legais.
Pois as informações da Polícia Federal, que
investiga ações da Abin durante o governo Bolsonaro, levam à quase certeza de
que realmente foi montado um esquema paralelo para servir de apoio ao
presidente e a seus filhos. Já havia o vídeo da reunião ministerial, quando,
além de dizer que os serviços de informação não eram eficientes, Bolsonaro
afirmou que a agência de informação “dele” funcionava melhor, revelando, por
ato falho, que tinha uma a seu dispor.
A preocupação inicial do governo era montar
um esquema que desse segurança a Bolsonaro de saber o que acontecia para
proteger os amigos, os filhos ou para investigar os adversários. As
investigações vão nesse caminho e confirmam até agora todas as desconfianças
que havia em torno da vontade de Bolsonaro de controlar as informações para se
proteger e de usá-las como moeda de troca na negociação política.
O caso da invasão da sede do Partido
Democrata em Washington, no edifício Watergate, que culminou, 50 anos atrás,
com a renúncia do presidente Richard Nixon, é exemplar de uma tentativa de
espionagem política que deu errado. O uso de agência oficial para espionar
inimigos, e até mesmo presidentes da República, tem também nos Estados Unidos
seu exemplo máximo na criação do FBI.
J. Edgar Hoover, que esteve à frente do FBI
durante 48 anos, passou por todos os governos, morreu no comando da agência
porque tinha relatórios e pesquisas sobre todos os presidentes — republicanos
ou democratas —, e nenhum teve coragem de demiti-lo. A ideia de formar um
gabinete de informações paralelo, treinado, é o sonho de qualquer político que
tenha visão autoritária do que sejam poder e democracia.
O esquema organizado pelo hoje deputado
federal Alexandre Ramagem é tão complexo que, um ano depois da eleição do
presidente Lula, a investigação vai demonstrando que até hoje a Abin está
infiltrada por bolsonaristas. Proibir que Ramagem assumisse o comando da
Polícia Federal em 2020 mostrou-se decisão correta.
À medida que as investigações avançam, em
diversas direções, vão sendo confirmadas as intenções golpistas do governo
anterior e, mesmo tendo começado de maneira arrevesada, os inquéritos sob o
comando do ministro Alexandre de Moraes no STF vão ganhando a legitimidade dada
pela realidade que se desvenda.
4 comentários:
Perfeito
Sim!
■Este artigo é de leitura obrigatória::
=》É Merval Pereira mervaindo o melhor do que o bom jornalismo brasileiro faz.
Não fossem os bons jornalistas brasileiros e nós pouco saberíamos destes governos-horrores dos últimos 20 anos.
Exatamente.
Quem dera fosse ó 20 anos,todos os governos tem problemas,mas Bolsonaro exagerou.
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