Valor Econômico
Desafio do governo é imprimir política
industrial que atraia investimentos, mas sem os erros do passado
O Brasil já começou a receber as primeiras
luzes dos holofotes externos deste ano: na última segunda-feira (29), o Rio de
Janeiro sediou a reunião de abertura do B20 - grupo que representa o braço
privado do G20, as maiores economias do mundo. A reunião desta semana é uma de
várias que antecedem a cúpula do G20, que acontece no país em novembro.
A boa notícia é que o Brasil tem uma bela
janela de oportunidade externa - que o país pode aproveitar durante sua
presidência do G20. Muito provém das especificidades dos riscos geopolíticos à
frente e das vantagens competitivas do país.
No topo da lista de riscos estão três conflitos que não dão sinais de melhora: as guerras no Oriente Médio e na Ucrânia e o conflito interno nos EUA, que ficará mais evidente com as eleições do país em novembro. Um quarto risco está associado à falta de governança da inteligência artificial - que, ao mesmo tempo em que oferece um enorme potencial de aumento de produtividade, exacerba o potencial de desinformação nas eleições.
Esses e outros riscos, mapeados pela Eurasia
Group em seu relatório anual “Top Risks”, indicam que o aumento de
tensionamento geopolítico visto nos últimos cinco a dez anos vai continuar a
crescer de forma preocupante, mesmo que lentamente. Esse aumento começa com a
crescente competição entre as duas principais economias do mundo (EUA e China),
exacerbada pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, mas passa pela fragmentação
da governança e pela capacidade de coordenação internacional.
No curto prazo, as atenções estão voltadas
para o Oriente Médio. Os principais atores na região - Irã, Arábia Saudita,
Israel e EUA - estão agindo para evitar um escalonamento maior do conflito.
Ainda assim, a região está um barril de pólvora: o ataque da semana passada
contra uma base dos EUA na Jordânia certamente levará a Casa Branca a reagir,
ainda que de forma calibrada para evitar um conflito aberto com Irã. De todo
modo, é uma escalada do conflito, que aumenta estruturalmente o potencial de
perturbar a economia global.
Na Ucrânia, a guerra atingiu um impasse. Com
a continuidade de financiamento bélico dos americanos e da Europa em risco, o
tempo trabalha a favor de Moscou. Logo, o risco está mais associado a uma
contraofensiva da Rússia, que pode ocupar mais territórios do país vizinho. E
quem pode agir “em desespero” é Volodymyr Zelensky, não Vladimir Putin.
Mas o maior risco geopolítico deste ano está
nos EUA e em suas eleições de novembro. A provável disputa entre Joe Biden e
Donald Trump (cuja indicação deve ser confirmada em breve) será altamente
polarizada. Qualquer que seja o resultado, o lado perdedor verá o outro como
ilegítimo. Uma eventual (e possível) vitória de Trump terá grandes repercussões
internas e externas: o governo Trump terá uma relação próxima com o setor
privado, mas o desafio fiscal crescerá, instituições na burocracia federal
serão mais politizados, e os riscos de cauda da política externa aumentarão.
Para a economia global, o risco também está associado a uma crescente política
protecionista.
E como fica o Brasil?
Assim como outros países do chamado Sul
Global, o país pode ganhar em termos relativos. O tensionamento entre EUA e
China, que resultou em maiores tarifas e restrições de investimentos em setores
sensíveis do ponto de vista de segurança nacional, está levando a uma busca no
setor privado por mais segurança em suas cadeias produtivas globais. A pandemia
e a crise na Ucrânia reforçaram esse diagnóstico, que se traduziu em uma queda
importante de investimento externo na China.
O Brasil não está entre os países que mais se
beneficiam desse “desvio de investimentos”. Fazem parte dessa lista México,
Índia, Vietnã e parte do Sudeste da Asia, que estão mais integrados às cadeias
produtivas globais - e, portanto, mais bem posicionados para se beneficiar de
uma realocação de capital.
Mas o Brasil tem algumas vantagens
competitivas nesse cenário. A grande produção agrícola e de energia dá à
economia do país certa proteção relativa caso os conflitos no Oriente Médio ou
na Ucrânia aumentem ao ponto de levar a um aumento nos preços desses itens.
Assim como a alta do petróleo no início do conflito na Ucrânia acabou elevando
a arrecadação federal, um novo aumento causado por um eventual alastramento no
conflito do Oriente Médio pode ter o mesmo resultado.
Igualmente importante, as vantagens relativas
de uma matriz elétrica limpa (quase 90% da energia produzida é de fontes
renováveis) vão crescer ao longo do tempo. Não só porque as empresas darão mais
importância a reduzir suas pegadas de carbono, mas pela atração de
investimentos em novas tecnologias como hidrogênio verde. Ao colocar a pauta
ambiental como um dos pilares para o G20, o governo de Luiz Inácio Lula da
Silva certamente vai na direção certa.
Um novo governo Trump certamente esfriaria as
relações entre a Casa Branca e o Planalto, particularmente com a pauta
ambiental perdendo relevância nos EUA. Mas, entre os países da América Latina,
o México é o país que mais teria a perder com esse resultado das urnas, dado o
grande foco eleitoral na questão de imigração. Assim, mesmo nesse cenário, o
Brasil seria menos afetado.
Tudo isso sugere que a janela de oportunidade
externa permanece aberta para o Brasil. Sentimos isso com nossa base de
clientes fora do país. Mas resta aproveitar essa janela. O governo terá que
navegar o desafio de tentar imprimir uma política industrial que consiga atrair
investimentos em setores estratégicos - mas sem os erros do passado, que acabem
inibindo a capacidade de ter uma taxa de juros real mais baixa. Vários países
estão implementando políticas industriais, mas as restrições fiscais são um enorme
desafio. E, ao mesmo tempo, é essencial ter foco: uma agenda ampla demais
arrisca gerar os mesmos desafios do passado.
*Christopher Garman é diretor executivo para as Américas do Eurasia Group
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