Folha de S. Paulo
Efeito maior na política, na diplomacia ou no
que importa é o de impedir progressos
O tumulto causado pelas besteiras que Luiz
Inácio Lula da Silva disse sobre a guerra de Israel vai resultar em
nada ou quase isso. Não deve mudar a política doméstica, a diplomacia, a
economia ou alterar qualquer assunto público de relevância. Isso é mau.
Entenda-se o sentido de "não mudar
nada": uma situação ruim e problemas difíceis ficam na mesma, como na
política doméstica. Em outros casos, a tolice ideológica temperada de
ignorância e megalomania não basta nem mesmo para piorar relações condicionadas
por forças muito maiores, como as relações diplomáticas com os EUA de Joe Biden.
É a inércia na lama.
A ultradireita no Congresso se aproveitou, claro, das declarações de Lula. Juntou 133 deputados para pedir impeachment. Não vai dar em nada. Já se sabia também que um quarto da Câmara é zona morta para o governo.
Por uns dias, a zorra ideológica e a guerra
nas redes vão abafar o som das novas informações sobre o golpe. Também isso
passará; o destino do processo de Jair Bolsonaro e turma depende de outros
fatores.
O rebuliço dificulta o progresso das relações
do governo com os parlamentares de fato evangélicos, que em parte têm apreço
especial por Israel. Mas tal progresso, mínimo, muito se baseava no
interesse do Republicanos (partido da igreja Universal) de eleger o presidente
da Câmara em 2025.
Esse enrosco é maior. Por exemplo,
bolsonaristas ou ultradireita em geral querem vender apoio em troca de
distanciamento de Lula e de ataques ao Supremo (de alívio do risco de cadeia).
A vida no Congresso e, em parte, na economia
permanecerá difícil por vários motivos, pois. Parte do apoio político pode ser
adquirida, a muito custo, com emendas e cargos. Outra parte, nem assim, dados o
entrincheiramento conservador e o sucesso de público do programa reacionário.
Para lembrar apenas de fatos recentes, vide o
plano entre irracional e selvagem de endurecer penas e a vida na cadeia. Ou a
Câmara de Florianópolis votando a internação
obrigatória de dependentes químicos e pessoas com problemas mentais. Vide
as dificuldades cada vez maiores de fazer aborto legal. Há mais na pauta.
Extremismos patrocinados pela tolice
governamental não vão ajudar a limitar a onda reacionária —ao contrário.
Não se sabe o quanto da falação de Lula era
ignara e o quanto intencional, talvez um plano de fazer graça para o "Sul
Global". Entendidos em diplomacia podem vir a dizer se Lula assim fez
algum sucesso de posar de líder do novo terceiro-mundismo (e daí?). No mais, o
que muda?
Sem poder e recursos, o Brasil já não tinha
força nem mesmo para mediar de crises que afetam o centro do mundo. De resto,
nos falta tradição de neutralidade impoluta, imagem que tem sido manchada, vide
o governo das trevas e os desaforos parciais de Lula (Ucrânia, Gaza).
No mais, países do centro do mundo não vão
mudar a relação com o Brasil por causa do "affair" Israel. Os EUA
acabam de reafirmar que não querem ver o Brasil desgarrado ou arrebanhado pelo
"eixo do mal", China, Rússia. EUA e União Europeia vão continuar a
querer de nós o que queriam antes.
Sim, fica a mancha do vexame inepto e
provinciano, que se pode lavar, com esperteza e ênfase na linha de política
externa que interessa (ter influência e dinheiro no caso ambiental, por
exemplo).
É improvável que a massa do eleitorado se
importe decisivamente com o caso Israel, mas dependemos de pesquisa para saber.
Na margem, há risco. Lula ganhou a eleição por 2,1 milhões de votos migrados do
"centro", que queria algum apaziguamento político-social e se livrar
de Bolsonaro. A cada vez que Lula chuta o balde, morrem anjos do eleitorado
centrista.
Em suma, a barbeiragem ignara não muda grande
coisa, se alguma. Como estamos na lama, isto é ruim.
Um comentário:
Não houve barbeiragem,o que está acontecendo em Gaza é gravíssimo.
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