Referência em direitos humanos, advogado sugere Haddad como sucessor do presidente
Fabio Victor / Folha de S. Paulo
O advogado Fábio Konder
Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e um dos
principais juristas do país, afirma que Luiz Inácio Lula da
Silva já não tem o carisma de outrora e que o PT já deveria começar
a preparar o ministro Fernando
Haddad (Fazenda) para sucedê-lo na Presidência.
Referência da esquerda sobretudo na área de
direitos humanos, após um início de carreira voltado também ao direito
comercial, Comparato atuou na defesa de presos políticos e por reparação aos
perseguidos pela ditadura.
Esteve à frente de causas simbólicas dos
familiares e mortos e desaparecidos, como as da família Almeida Teles e Luiz Eduardo
Merlino contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e
de Inês Etienne
Romeu contra a União Federal. Assinou também a ação da OAB no
Supremo Tribunal Federal sustentando que a Lei da Anistia não poderia impedir a
punição de crimes contra a humanidade perpetrados na ditadura.
"Vivemos uma situação em que é importantíssimo que haja uma figura carismática no governo. E, infelizmente, o Lula está perdendo o seu carisma. E eu penso que talvez fosse o caso de se começar a atuar no sentido de fazer do Fernando Haddad uma espécie de bom sucessor do Lula", disse Comparato à Folha.
"Agora, eu não sei como se pode fazer
isso, porque antigamente havia partidos políticos, hoje não existem mais
partidos, existem personalidades. E as personalidades que contam na política
vão diminuindo, podemos contá-las com os dedos de uma só mão."
Segundo o jurista, os atuais partidos já não
têm força para fazer a sociedade avançar. "Precisamos criar um grupo de
políticos, de intelectuais e gente com capacidade e experiência para reformular
as atividades daquilo que nós chamávamos outrora esquerda, que pressuponha uma
oposição ao que parece ser a única realidade política atual, não só no Brasil,
mas no mundo inteiro, que é a direita."
Comparato deu as declarações no contexto do
posicionamento de Lula em relação ao passivo da ditadura. Ele disse que
discorda da recente declaração do
presidente de que a ditadura "faz parte da história" ("não
vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país para frente", afirmou
Lula) e da determinação
do petista para que órgãos do governo não lembrem os 60 anos do
golpe, neste 31 de março.
"Eu acho que não se pode esquecer esse
horror. E, sobretudo, é preciso levar em consideração o fato de que toda a
juventude brasileira nasceu depois do golpe não viveu nada daquilo. Qualquer
que seja a nossa posição quanto ao governo Lula, é preciso não esquecer o
horror do golpe de 64. É preciso, antes de mais nada, não perder este horror na
nossa memória coletiva."
Ainda assim, observou Comparato, é preciso
que Lula tenha diálogo com os militares e, nesse sentido, o advogado defende
que o presidente siga "os conselhos do ministro José
Múcio [Defesa]".
"Evidentemente, ele está mais ligado aos
militares do que o presidente, mas, sobretudo, ele parece consciente de que nós
estamos vivendo um momento difícil. E a minha impressão é de que o Lula não tem
consciência disso. É preciso que haja um interregno, uma conversa séria do
governo com o grupo militar."
Comparato considera que os desdobramentos
quanto às tentativas de golpe por parte de Jair
Bolsonaro (PL) e seus aliados e aos ataques de 8 de janeiro
"têm que continuar como o ministro Alexandre de Moraes determinou. Ou
seja, nós não podemos esquecer esse assunto. É preciso pelo menos iniciar os
processos penais".
Aos 87 anos, Comparato não advoga mais, e diz
que não tem saído de casa por questões de saúde. Mas continua, apesar das
limitações, a tomar parte no debate público. Ao conversar com a reportagem por
telefone no último dia 20, acabara de participar de uma reunião por vídeo
da Comissão Arns,
da qual é um dos ilustres integrantes —como diz fazer semanalmente.
"Eu estou sujeito àquela praga que se
chama velhice. De qualquer maneira, eu espero que outras pessoas mais jovens
tenham a convicção de que nunca se pode esquecer os horrores de governos
ditatoriais que duraram pelo menos duas décadas no Brasil."
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