Folha de S. Paulo
Há boas razões para acreditar que a inflação
recente tem sido pior para pessoas de renda mais baixa
Na minha coluna mais recente, diverti-me um
pouco com Donald
Trump fazendo uma afirmação que mostra
que ele não voa em aviões comerciais há muito tempo —dizendo que
os terríveis aeroportos dos Estados
Unidos nos fazem parecer uma nação do terceiro mundo.
Acontece que, alguns dias atrás, voei para o
novo Terminal A do Aeroporto Internacional de Newark, o que me fez perceber
algo óbvio para quem voou
comercial nos últimos anos: os aeroportos dos EUA de fato estão muito mais
sofisticados.
Eu certamente preferiria voar para Newark do
que para muitos aeroportos europeus onde ainda é necessário pegar um ônibus do
avião até o terminal.
Mas isso me fez pensar. Por que os aeroportos
dos EUA têm tantas comodidades a mais do que costumavam ter? (A experiência de
voar ainda pode ser deprimente por causa das filas de segurança, mas isso é
outra questão).
A resposta óbvia é que eles estão atendendo à sua clientela, mas isso certamente sempre aconteceu.
Bem, uma das prováveis razões é que, embora
voar não seja mais uma experiência exclusiva para a elite como era na era do
"jet set", as pessoas que voam com frequência e passam muito tempo
nos aeroportos são muito mais abastadas que a média.
Ao longo dos últimos 40 anos, os americanos
de alta renda —estamos falando dos 10% ou 20% mais ricos, não da superelite que
não voa comercial de jeito nenhum— tiveram ganhos de renda muito maiores do que
a classe média.
Minha suposição é que os aeroportos estão
atendendo a essa clientela mais rica. Ou seja, a mesma clientela que está
impulsionando a proliferação de supermercados gourmet e a gentrificação de
alguns bairros urbanos, está fazendo com que os aeroportos tenham comidas e
lojas melhores do que costumavam ter. Não estou fazendo um juízo de valor aqui
—eu mesmo estou nessa classe, então me beneficio dessa tendência.
Meu ponto é que os aeroportos, como muitas
outras instituições, atendem a uma classe de renda específica. E segue-se que
os abastados compram coisas diferentes dos menos afortunados —o que significa,
por sua vez, que eles se importam com preços diferentes.
Há inúmeras postagens nas redes sociais
reclamando dos preços das refeições nos aeroportos ou do serviço de quarto em
hotéis de luxo, como esta do investidor Kyle Bass:
Ok, admito que incluí isso principalmente
porque Bass pediu Diet Coke e waffles no café da manhã (arrepios). Mas,
brincadeiras à parte, o ponto é que esses não são preços que importam para a
maioria dos americanos.
E como as pessoas gastam seu dinheiro de
forma diferente, a abstração conveniente que pensamos como "o nível de
preços ao consumidor" dá lugar à verdade de que diferentes grupos
enfrentam taxas de inflação pelo
menos um pouco diferentes: diferentes inclinações para diferentes pessoas.
Meu colega Peter Coy escreveu sobre isso outro dia, mas pensei em
explorar um pouco mais o assunto e perguntar se a multiplicidade de taxas de
inflação deve afetar nossa visão de como os americanos têm se saído nos últimos
anos.
A verdade é que, embora seja divertido zombar
de pessoas abastadas reclamando dos preços de refeições sofisticadas, há boas
razões para acreditar que a inflação recente realmente tem sido pior para as
pessoas de renda mais baixa. Por quê? Principalmente por causa do aumento dos
preços dos alimentos.
Na semana passada, desmascarei alegações generalizadas de que os
números oficiais sobre os preços dos alimentos em casa subestimam muito a
inflação dos supermercados. Há todas as razões para acreditar que o Bureau of
Labor Statistics acerta mais ou menos nos números.
Mas o que esses números precisos do BLS dizem
é que os preços dos alimentos subiram mais do que os preços gerais, refletindo
uma variedade de fatores, desde as mudanças climáticas até a guerra na Ucrânia.
E uma dos conceitos mais bem estabelecidos na
economia é a Lei de Engel, que diz que as famílias de baixa renda
gastam uma porcentagem maior de sua renda com alimentos do que as famílias de
alta renda.
Isso significa que o desenvolvimento
econômico nos EUA nos últimos anos prejudicou mais a classe média e
trabalhadora do que os abastados? Não necessariamente, porque há algo mais
acontecendo.
Como David Autor, Arindrajit Dube e Annie
McGrew observaram em um artigo no ano passado, houve uma "compressão
inesperada" das disparidades salariais durante a recuperação de Biden, com
os salários crescendo muito mais rápido na base do que no topo. Veja o gráfico
mais recente de Dube sobre as mudanças nos salários reais:
Observe que, embora o eixo Y diga
"mudança percentual", 0,1 na verdade significa 10%. O gráfico mostra
um processo impressionante de equalização —os salários reais do quintil mais
alto diminuindo enquanto todos os outros ganham, e o quintil mais baixo
ganhando mais.
Mas aqui está uma preocupação: os salários
reais de todas as faixas são calculados usando o mesmo índice de inflação. Como
eu disse, no entanto, a inflação recente provavelmente foi maior para os
americanos de baixa renda, que gastam mais em mantimentos. Levar isso em
consideração mina a conclusão?
Bem, o Bureau of Labor Statistics tem
uma medida experimental de inflação que varia ao
longo da distribuição de renda. Essa medida não é atualizada todo mês; vai até
junho de 2023.
Mas a inflação caiu bastante, então ainda é
um bom indicador das disparidades de inflação. Vamos dar uma olhada na
porcentagem de inflação enfrentada por cada um dos cinco quintis de renda de
dezembro de 2019 a junho de 2023, de acordo com a medida do BLS:
20% mais baixo: 19,5%
Próximos 20%: 19,3%
20% do meio: 19,1%
Quarto 20%: 18,9%
20% mais alto: 18,0%
Então, sim, a inflação foi maior para os
americanos de baixa renda. Mas a diferença do mais baixo para o mais alto, 1,5
pontos percentuais, é muito menor do que a diferença nos dados salariais de
Dube no gráfico acima.
Em outras palavras, levar em conta as
diferenças na inflação relevante suaviza ligeiramente o caso de uma
"compressão inesperada", mas não muda o resultado básico.
Então, importa que os ricos gastem de forma
diferente de você e de mim —ou na verdade, que aqueles de nós no quintil
superior gastem de forma diferente dos americanos no meio? Sim, de algumas
maneiras importantes.
Mas isso não muda a história de uma
recuperação econômica notavelmente equalizadora.
*Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times
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