O Globo
O atual governo evita o tema e defende apenas o 'pente-fino' nos benefícios do INSS
A necessidade de uma nova reforma da
Previdência voltou ao radar de especialistas. Vale lembrar que o Brasil gasta
cerca de 12% do PIB com a Previdência (total), cifra observada em poucos
países, mais ricos e mais velhos — na média da OCDE, a despesa é cerca de 8% do
PIB.
A retórica oficial acerca da reforma de 2019
era grandiosa. Certamente foi um passo largo, mas naturalmente insuficiente.
Falava-se em “economizar” R$ 800 bilhões em dez anos. Não é bem assim. Tratava-se, na verdade, de medida para conter o crescimento de gastos previdenciários em um país que envelhece rapidamente. E, lamentavelmente, a reforma elevou a judicialização.
Quase R$30 bilhões de precatórios foram pagos
em 2022 no regime geral do setor privado (RGPS) e R$ 57 bilhões em 2023
(impulsionado pela normalização e antecipação de despesas, após o represamento
no governo Bolsonaro).
No nível federal, as despesas previdenciárias
caíram para 9,7% do PIB em 2023 (RGPS, servidores e militares), ante 10,4% em
2019. No entanto, houve acréscimo de 0,32 ponto percentual em relação a 2022, o
que reflete não apenas fatores pontuais, mas uma tendência altista na ausência
de novos ajustes.
O crescimento no número de beneficiários do
RGPS foi muito alto em 2022 (2,8%) e 2023 (3,4%), e ainda maior para
beneficiários assistenciais (8,3% e 11,5%), destoando do padrão passado. Em que
pese a redução da fila de solicitações pendentes, especialistas apontam que
algumas mudanças podem ter aumentado os requerimentos ou mesmo brechas para
eventuais fraudes.
Um outro aspecto é que a reforma evitou
pontos sensíveis politicamente, demandando correções.
Um exemplo foi não ter incluído estados e
municípios, estabelecendo apenas a necessidade de reforma posterior. Criou-se,
assim, uma colcha de retalhos no tratamento dado ao funcionalismo, que deveria
ser uniforme.
Pior, muitos entes ainda não reformaram sua
Previdência — o critério utilizado para considerar a reforma feita é ter
adotado ao menos 80% da regra federal. Entre os estados, são sete deles; entre
as capitais, 15 não avançaram, o que inclui capitais de estados ricos; e entre
os municípios, dos 2.092 com regime próprio, a maioria de 65,4% está em falta.
A reforma de 2019 também não mudou a idade
mínima para trabalhadores rurais, aumentando a diferença em relação aos
trabalhadores urbanos. A decisão carece de justificativa técnica, inclusive
pela natureza similar de muitos empregos urbanos, apontam Fabio Giambiagi,
Rogério Nagamine e Otávio Sidone. E a conta pesa: a receita no segmento cobriu
menos de 5% dos gastos em 2023.
O déficit previdenciário rural atingiu
R$177,3 bilhões em 2023, muito acima dos R$129 bilhões do segmento urbano,
apesar de beneficiar cerca de um terço das pessoas no RGPS.
Outra política pública que demanda ajustes é
o MEI — trabalhador autônomo que se legaliza como microempreendedor individual,
contando com benefícios tributários e menor contribuição previdenciária.
A renúncia tributária atingiu R$5,2 bilhões
em 2023. O número não é elevado, mas não revela o que mais preocupa: o forte
aumento do gasto previdenciário contratado. Segundo Nagamine, o MEI representa
10% dos contribuintes da Previdência, mas responde por apenas 1% da
arrecadação.
Isso para uma política pública mal focalizada
nos mais pobres e que pouco entregou em termos de reduzir a informalidade de
trabalhadores por conta própria.
A lista segue. As regras para militares
continuam muito frouxas, resultando em um rombo da Previdência militar de
R$49,7 bilhões em 2023, valor próximo dos R$54,8 bilhões do déficit do regime
dos servidores civis (RPPS).
Há ainda regras especiais para a polícia
militar e para professores, o que limita o espaço para o ajuste fiscal dos
estados e, de quebra, prejudica a gestão pública pela falta de profissionais na
ativa, devido à aposentadoria precoce.
O atual governo evita o tema e defende apenas
o “pente-fino” nos benefícios do INSS. Enquanto isso, a política de correção
real do salário mínimo pelo crescimento do PIB agrava o quadro. O aumento de R$
1 no salário mínimo implica um aumento líquido de R$ 262,9 milhões no déficit
do RGPS e de R$ 70,5 milhões nos benefícios assistenciais, segundo o Tesouro.
São escolhas incompatíveis com a gravidade do
problema. O fardo para o próximo governo será bem pesado.
Um comentário:
Não sabia que boia fria continuava aposentando com 55 e 60 anos respectivamente.
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