quarta-feira, 6 de março de 2024

Lu Aiko Otta - Os próximos passos da taxação dos super-ricos

Valor Econômico

Nos bastidores do Ministério da Fazenda, comemora-se a boa recepção internacional à proposta

Nos bastidores do Ministério da Fazenda, comemora-se a boa recepção internacional à proposta de se criar uma taxação mínima global sobre os super-ricos, apresentada na semana passada, durante a reunião de ministros de finanças e presidentes de bancos centrais do G20. Ao apadrinhar um tema de grande apelo popular mundo afora, o ministro Fernando Haddad cravou uma marca para a presidência brasileira no bloco das principais economias do planeta.

Mas esse foi, basicamente, um balão de ensaio: a proposta ainda precisa ganhar carne e osso, e só então eventuais resistências aparecerão.

O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel foi taxativo em sua conversa com a coluna: “Não tem a mais remota possibilidade de prosperar”.

Por ora, o Brasil tratou de “abrir uma porta e colocar a boca no mundo”, segundo define um integrante da equipe econômica. Nisso, avalia-se que foi bem-sucedido.

Na visão de membros de sua equipe, Haddad ocupou um lugar que lhe seria natural: liderar o debate global sobre tributação, depois de haver desencalhado, no Brasil a reforma tributária, que estava em discussão havia mais de 30 anos. E de aprovar leis que mudaram a tributação sobre a renda nos fundos de investimento fechados e nos fundos offshore, ambos utilizados pelos super-ricos.

Um trunfo que ampliou a visibilidade internacional da proposta foi ter trazido ao Brasil o diretor do Observatório Fiscal da União Europeia, Gabriel Zucman. Ele é autor de uma proposta de taxar os super-ricos em 2% e uma referência em sua área. Recebeu recentemente a medalha John Bates Clark, considerada a segunda premiação mais prestigiosa após o prêmio Nobel,

Os próximos passos envolvem ampliar a rede de apoios internacionais à proposta. Como disse Zucman em entrevista a Marcelo Osakabe, deste jornal, a adesão de um número importante de países será suficiente para colocá-la em funcionamento. Não seria necessário um consenso global, na sua visão.

A busca de apoios será intensificada durante a segunda reunião de ministros de finanças do G20. Ocorrerá em paralelo à reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, marcada para os dias 19 a 21 de abril, em Washington. O trabalho prosseguirá nos meses seguintes.

No mapa de apoios à ideia, a Fazenda coloca os Estados Unidos. O tema da justiça tributária, com maior cobrança de impostos de pessoas ricas e de companhias, será um dos temas da campanha à reeleição do democrata Joe Biden. Uma eventual vitória do republicano Donald Trump muda o quadro. Mas, na visão de Zucman, não inviabiliza a proposta.

A França também manifestou apoio, informa-se. Presente à reunião do G20, o ministro de Finanças daquele país, Bruno Le Maire, mostrou sensibilidade ao tema. É uma tese que a direita europeia deve abraçar para conter o avanço da extrema direita, avaliou ele em conversas durante o evento.

Houve sinalização positiva também por parte do Reino Unido, segundo fonte do governo brasileiro. A expectativa é que o tema seja impulsionado a partir das eleições legislativas, programadas para o segundo semestre deste ano. As pesquisas de opinião mostram vantagem dos Trabalhistas (centro-esquerda), o que promete facilitar o diálogo.

A Noruega comprou a tese “abertamente”, avalia-se. Também houve sinais positivos por parte da Índia. Na região, acredita-se ser possível atrair apoios de países como Colômbia e Chile.

Por enquanto, os países estão concordando com o “rumo da prosa”, como se diz aqui pelo Cerrado. Só com o detalhamento é que poderão realmente definir seu apoio.

A presidência do G20, exercida pelo Brasil, encomendou a Zucman um relatório sobre aspectos práticos da nova taxação. A expectativa no Ministério da Fazenda é que haja uma visão mais concreta para ser discutida na reunião do bloco marcada para julho.

Zucman tem dito que não será necessário o consenso mundial sobre a taxação das riquezas porque a ideia é utilizar um princípio já existente na taxação mínima de 15% sobre multinacionais. Um país pode tributar empresas que estejam em nações que não aderiram ao acordo. Algo semelhante poderia ser feito em relação aos super-ricos. Mas, para funcionar, é necessário que um número grande de países importantes tenha aderido.

Everardo discorda. “Só se pode tributar o jurisdicionado”, afirmou. Ele é cético quanto à viabilidade de iniciativas globais para conter a evasão tributária, seja por pessoas, seja por empresas - como é o caso da taxação mínima das múltis. Até hoje, disse ele, o Brasil é o único país a estabelecer em lei o que é um paraíso fiscal. Foi aprovada quando a Receita Federal estava sob seu comando, nos anos 1990.

Seguindo a velha máxima de que o diabo mora nos detalhes, a taxação dos super-ricos ainda demandará anos de discussão. Da mesma forma, o grande feito de haver aprovado a reforma da tributação sobre o consumo no Brasil ainda exigirá muito debate este ano, quando será formulada sua regulamentação. Nas duas frentes, a batalha está por ser travada.

 

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