PEC das Drogas trata questão séria com demagogia
O Globo
Parlamento deve ao país resposta condizente
com a necessidade de distinguir traficantes de usuários
A Proposta de Emenda à Constituição conhecida
como PEC das Drogas, aprovada na terça-feira no Senado, é forte em demagogia e,
na hipótese mais otimista, inócua como solução para os problemas causados pelos
entorpecentes. O texto que segue para a Câmara não faz a distinção necessária
entre usuário e traficante e atrapalha, em vez de ajudar, a discussão a
respeito em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A questão exige mais
conhecimento técnico e responsabilidade do Congresso.
Se aprovada pelos deputados como está, a PEC aumentará o encarceramento de usuários pegos pela polícia com quantidades pequenas de droga. Com isso, fornecerá mais mão de obra às facções criminosas que atuam nos presídios e terá o efeito contrário ao desejado por quem votou a favor no Senado. Por isso é urgente fazer correções. A situação preocupante da segurança pública não permite leviandade dos legisladores em tema tão sensível.
Desde a aprovação da Lei de Drogas de 2006, o
porte de drogas é crime, mas não passível de prisão. Ao não determinar critério
objetivo para defini-lo, a legislação deixou em aberto a distinção entre
usuários e traficantes. O Senado teve a chance de regular o assunto. Poderia
ter feito isso por meio de um projeto de lei. Mas resolveu fechar os olhos para
o problema. A PEC aprovada é vaga a respeito, prevendo apenas que seja
“observada a distinção entre o traficante e o usuário pelas circunstâncias
fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e
tratamento contra dependência”.
As tais “circunstâncias fáticas” deixam a
critério de policiais e juízes o poder de interpretação. É a brecha aberta para
decisões distintas em casos semelhantes, para abusos e para colocar na cadeia
quem não deveria ser preso. Um estudo recente do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) avaliou o impacto que uma distinção objetiva entre
traficante e usuário teria no sistema carcerário. Se a quantidade permitida por
usuário de maconha fosse 25 gramas, cerca de 30% dos condenados não teriam sido
presos.
O resultado mais visível da indefinição é o
inchaço da população carcerária. Há mais de 640 mil detentos no país, 28% dos
quais presos por crimes relacionados a drogas. Nas prisões abarrotadas, os
chefes do crime organizado obtêm acesso fácil a novos recrutas. Quem é pego com
pouca droga logo é solto e pode trabalhar para o tráfico.
A votação no Senado foi uma tentativa de
interromper julgamento no STF sobre o porte de drogas. No mês passado, quando o
ministro Dias Toffoli pediu vista do processo, havia cinco votos a favor de
decidir um critério objetivo para distinguir usuário de traficante. Se a Câmara
aprovar a PEC, o julgamento cairá no vazio, mas a Corte poderá ser acionada
para avaliar sua constitucionalidade. O melhor seria o Parlamento votar uma lei
tecnicamente sensata e condizente com a realidade.
A maconha provoca problemas cardíacos,
respiratórios, cognitivos e mentais, sobretudo quando o uso é abusivo. Por
óbvio, não se trata de incentivar seu consumo nem o de nenhuma outra droga. Mas
o encarceramento de usuários, além de injusto, não resolve o problema. É
preciso investir em campanhas para abrir os olhos dos jovens aos riscos. A
experiência bem-sucedida para desestimular o tabagismo pode servir de base. A
questão essencial é de saúde pública e não pode continuar a ser tratada com
tanta demagogia.
Senado aprova equívoco contra drogas
Folha de S. Paulo
Legislativo, a quem cabe deliberar sobre o
tema, erra ao criminalizar; Folha defende legalização de substâncias leves
Está longe de haver consenso no Brasil sobre
a melhor maneira de lidar com o problema das drogas,
mas existe uma franja da sociedade que, de forma unânime, aplaude a decisão
do Senado de
aprovar uma proposta de emenda à
Constituição que criminaliza o porte e a posse de entorpecentes:
trata-se das facções criminosas.
Elas, afinal, serão as maiores vencedoras se
a Câmara dos
Deputados também der seu aval a essa PEC, e por um motivo
bastante conhecido. O principal efeito desse tipo de norma é o aumento da
população dentro das cadeias, justamente onde a criminalidade organizada
arregimenta soldados para encorpar as suas tropas.
Os parlamentares nem sequer podem alegar
desconhecimento dessa dinâmica. Faz quase 20 anos que a Lei de Drogas foi
sancionada, em termos muito semelhantes aos que ora se discutem no Congresso
—vale dizer, sob o paradigma da guerra aos entorpecentes e sem
estabelecer critério objetivo para distinguir usuário e traficante.
Estudos diversos demonstram as consequências
perniciosas dessa abordagem, como a superlotação de penitenciárias e o
salvo-conduto informal para que a discriminação racial e social prevaleça em
ações policiais e decisões judiciais. Esperar resultados distintos para regras
iguais já seria, para dizer o mínimo, tremenda estultice.
O que se faz agora, no entanto, é mais que
repetir o erro do passado. Em uma deplorável escalada de atritos com o Supremo
Tribunal Federal, o Legislativo, a quem de fato cabe deliberar sobre o tema, se
propõe a incrustar o desatino normativo na Constituição.
Por trás dessa iniciativa, há um cálculo
equivocado. Os congressistas parecem acreditar que, dessa forma, manterão o
tema protegido contra ingerências indevidas do Judiciário; esquecem-se, porém,
de que emendas também podem ter a constitucionalidade questionada.
Se a PEC for aprovada, portanto, a queda de
braço com o STF não
terá terminado, mas será mais difícil para o próprio Congresso promover
correções na política para drogas, pois o quórum para emendar a Constituição é
maior do que o necessário para alterar outras leis.
Assim, uma reforma tão urgente quanto a
definição de parâmetros objetivos sobre uso e tráfico se tornaria cada vez mais
improvável. Além disso, com a criminalização inscrita na Carta Maior, pode-se
imaginar que uma sombra pesada pairará inclusive sobre quem busca tratamento ou
utiliza entorpecentes para fins terapêuticos.
Sem contar que o Brasil ficará mais distante
de nações avançadas que, corretamente, investem na legalização
gradual de drogas leves e na perspectiva da saúde pública, como esta Folha defende.
Cérebros perdidos
Folha de S. Paulo
Plano para atrair pesquisadores brasileiros
ao país levanta debate e dúvidas
O plano do
governo federal para remediar a chamada "fuga de cérebros" não
foi muito bem recebido por pesquisadores brasileiros que moram no país, ao
menos nas redes sociais. Pelo que foi divulgado até o momento, o Programa de
Repatriação de Talentos - Conhecimento Brasil suscita mais dúvidas do que
certezas sobre sua qualidade.
Para atrair aqueles que foram para o exterior
realizar pós-graduação e não retornaram, serão concedidas bolsas de R$ 13 mil a
doutores e de R$ 10 mil a mestres, além de R$ 400 mil por pesquisa para compra
de equipamentos.
Os projetos terão quatro anos, prorrogáveis
por mais um. A verba, estimada em R$ 1 bilhão, virá do Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Segundo o Ministério da Ciência e
Tecnologia, há 35 mil pesquisadores brasileiros em outros países; a meta é
atrair até 1.000 pesquisas, que serão realizadas em Instituição Científica,
Tecnológica e de Inovação (ICTs) ou empresas. Esse aspecto ao menos indica
pragmatismo —expansão tecnológica e dinamização da economia.
As ICTs, previstas em lei, são entidades
públicas ou privadas sem fins lucrativos que têm como missão institucional a
pesquisa básica ou aplicada ou o desenvolvimento de produtos, serviços ou
processos. O objetivo é gerar conhecimento para atender necessidades do mercado
e da população.
Apesar do direcionamento dado à inovação
tecnológica associada à atividade econômica e à realidade dos brasileiros, o
programa parece modesto e apresenta lacunas.
Os valores são suficientes para atrair
pesquisadores de ponta? O que eles farão após o término dos contratos? Há
espaço no mercado e na academia para absorvê-los?
Antes de mais anda, é importante evitar a
fuga de cérebros. Para isso, urge discutir o
financiamento público do ensino superior e a dificuldade para
estabelecer parcerias público-privadas na graduação e na pós-graduação.
No entanto esse debate é rechaçado por motivações ideológicas e corporativistas, tanto por governos petistas quanto por entidades de professores e estudantes, que seriam os maiores beneficiados.
Freios e contrapesos em frangalhos
O Estado de S. Paulo
Aprovação da PEC das drogas no Senado se
presta a retaliar o STF, em mais um capítulo da espiral de revanche entre os
Poderes. Sem autocontenção, as instituições não funcionam
Aprovação da PEC das drogas no Senado se
presta a retaliar o STF, em mais um capítulo da espiral de revanche entre os
Poderes. Sem autocontenção, as instituições não funcionam.
Em fevereiro, na abertura dos trabalhos do
Poder Judiciário, os presidentes dos Três Poderes organizaram uma coreografia
para celebrar a “harmonia entre os Poderes”. O presidente da República falou em
“afeto” pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente do
Congresso disse que nenhuma instituição tem o “monopólio da defesa da
democracia do Brasil”. O presidente do Supremo arrematou: “Felizmente, não
preciso gastar muito tempo nem energia falando de democracia, porque as
instituições funcionam na mais plena normalidade, com convivência harmoniosa e
pacífica de todas”.
A frase envelheceu rápido e mal. O que se vê
é o contrário. Cada Poder gastando muito tempo e energia com sua agenda
própria, ora confrontando outro Poder para demonstrar força, ora se aliando
para revidar a um terceiro Poder, e isso em meio a lutas intestinas em cada um
dos Poderes e uma polarização política calcificada em pleno ano eleitoral.
Um STF de configuração mais progressista,
insatisfeito com a “inércia” das maiorias conservadoras no Congresso, avança
sobre pautas legislativas, como o marco temporal das terras indígenas, aborto,
regulação das redes digitais ou a descriminalização da posse de maconha.
A esses erros o Congresso responde com
outros, embutindo matérias na Constituição que deveriam estar restritas à
legislação ordinária, apenas para se contrapor ao Supremo. O Senado acaba de
aprovar a criminalização da posse de drogas – ociosa, porque já está na lei. Na
Câmara, tramitam projetos que autorizariam o Congresso a sustar decisões do
STF.
Se o Judiciário pisa fora de seu quadrado,
desde os tempos de Dilma Rousseff o Congresso acumula poderes e
discricionariedades, especialmente sobre o Orçamento, sem as correspondentes
responsabilidades. O presidente da Câmara usa sua caneta para avançar ou reter
pautas, quase sempre sem se referir ao mérito, mas para chantagear o Executivo
a ceder cargos e emendas. O presidencialismo de coalizão se tornou um
presidencialismo de colisão. Políticas públicas são desfiguradas, desidratadas,
dispersas em meio a esse embate em que ambos os Poderes querem verbas, mas
ninguém aceita cortes, e o equilíbrio fiscal se degrada a cada dia.
Por sua vez, um Executivo acuado por esse
Congresso empoderado, onde sua base de esquerda é minoritária, apela ao
Judiciário para reverter por decisões judiciais pautas que perde no voto. Nesta
semana, o decano do STF, Gilmar Mendes, recebeu em sua casa o presidente Lula,
o advogado-geral da União e o ministro da Justiça para um convescote com os
ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Na pauta, um
pedido de apoio a Lula e sua base ante o que os ministros consideram ameaças do
Congresso e dos “golpistas” – como se fosse a coisa mais normal do mundo o
presidente da República atuar como lobista do STF e ministros articularem uma
espécie de “judicialismo de coalizão” para refrear ambições da oposição. Sem
nenhum sinal de moderação nos “inquéritos do fim do mundo”, a tendência é de
novas represálias do Congresso e mais radicalização da oposição bolsonarista.
Tudo isso é péssimo para o País. A cada
pauta, já não se sabe se se está discutindo a coisa em si ou o ânimo vingativo
de cada Poder, o interesse público ou os interesses privados. Os freios e
contrapesos estão estiolados. Na verdade, não há contrapeso, mas pressão
permanente; não há freios, só aceleradores. A lei da física é irrevogável, e
nestas circunstâncias a tendência é de mais derrapagens e colisões.
Divergências são desejáveis na democracia.
Inaceitável é a tentativa de interferência de um Poder em outro ou alianças
espúrias entre Poderes, travestidas de “pacto”. Ora, esse pacto já foi feito,
por meio da Constituição de 1988, e lá está claro: os Três Poderes devem ser
“independentes e harmônicos entre si”. A harmonia só é possível quando cada um
atua dentro de seus limites constitucionais, sem interferir na independência do
outro. Mas o que se tem visto é o contrário: um ativismo frenético sob a justificativa
virtuosa de “salvar a democracia”. Se esse é o objetivo, então só há um
caminho: o da autocontenção.
O ‘pacote da vingança’ do sr. Lira
O Estado de S. Paulo
Mais uma vez, talvez a última, presidente da
Câmara submete o País a seus caprichos, em particular ao seu incontido desejo
de influenciar sua sucessão e manter protagonismo político
Durante a reunião semanal com os líderes dos
partidos, ocorrida no dia 16 passado, o presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que poderá dar andamento ao que já está sendo
chamado pelos corredores da Casa de “pacote da vingança”. Nessa sacola de
maldades, digamos assim, estaria a instalação de nada menos que cinco das oito
Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) requeridas à Mesa Diretora, além de
outras medidas legislativas. O alvo principal da desforra é o Poder Judiciário,
particularmente o Supremo Tribunal Federal (STF), mas não é improvável que o
Palácio do Planalto também seja colhido pela sanha revanchista do sr. Lira.
Seja como for, a grande vítima dessa bagunça institucional que parece ter
tomado conta do País, como sói acontecer, será a sociedade.
É preciso ter claro que tudo isso faz parte
de uma estratégia do presidente da Câmara para dar vazão a seu desejo incontido
de influenciar a escolha de seu sucessor e, desse modo, manter algum tipo de
protagonismo político mesmo após “descer à planície” – como se diz em Brasília
dos presidentes da Câmara que, terminado o mandato, voltam a ser apenas mais um
entre os 513 deputados. Comportando-se dessa forma, Lira revela que não vê
problema algum em submeter o interesse público a seus caprichos.
A bem da verdade, não é a primeira vez que o
sr. Lira coloca o País sob seu tacão, mas decerto será uma das últimas. Afinal,
está cada dia mais próximo o fim de seu mandato à frente da Câmara, razão pela
qual todo cuidado é pouco. Na condição de influente líder político que vê seu
poder escorrer pelas mãos sob a pressão do tempo, não são triviais os danos que
o deputado alagoano pode causar ao País se, imbuído desse espírito revanchista,
usar o poder que lhe resta para levar a cabo sua vendeta contra o STF e, de
quebra, fustigar o governo Lula da Silva.
Tudo leva a crer que assim será. O que se
discute na Câmara neste momento é apenas a ordem de instalação das CPIs. Umas
das primeiras, se não a primeira, será a CPI para investigar a suposta
“violação de direitos e garantias fundamentais”, além da “prática de condutas
arbitrárias” e “abuso de autoridade” por parte de ministros do Supremo e do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As outras CPIs que estão em vias de serem
instaladas atendem direta ou indiretamente aos interesses da oposição – a forma
nada sutil que Lira encontrou para “dar recados” ao governo em meio às suas
rusgas particulares com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre
Padilha, entre outros motivos inconfessáveis.
Convém registrar que, a rigor, a instalação
dessas CPIs – como quaisquer outros atos legislativos – não é algo
essencialmente errado caso estejam presentes os requisitos constitucionais e
regimentais para isso, como de resto parecem estar. O problema são os fins a
que se prestariam essas ações do presidente da Câmara. Parece claro que, antes
do interesse de investigar o que quer que seja, está o interesse de Lira de, a
um só tempo, turvar o debate público em pleno ano eleitoral e travar o
andamento da pauta legislativa, incluindo projetos de interesse do governo por
seus supostos desdobramentos na seara econômica. Ora, se é isso o que
normalmente acontece quando há apenas uma CPI em andamento, que dirá com cinco
CPIs simultâneas e potencialmente tumultuadas, haja vista seus possíveis
reflexos em outros Poderes e na opinião pública.
O País poderia estar apenas assistindo ao
jogo jogado da política, o que de resto seria rigorosamente legítimo. Só não é
porque, como dissemos, as intenções subjacentes a essa articulação conduzida
pelo presidente da Câmara em fim de mandato passam muito longe do melhor
interesse público. Ao fim e ao cabo, pode ser que Lira não consiga realizar o
que deseja. É lícito inferir que tudo não passe mesmo de “recados”, uma
encenação de poder sem uma correspondente materialização de atos hostis. O
busílis é que essa “guerra fria” entre os Poderes não gera nada de bom para o
País.
Protótipo de bomba financeira
O Estado de S. Paulo
Fundos de crédito privado são ‘opacos’ e
precisam de regulação ‘mais intrusiva’, alerta o FMI
O Fundo Monetário Internacional (FMI) centrou
sua preocupação em uma das mais atrativas opções das empresas ao empréstimo
bancário – o “opaco” universo dos fundos de crédito privado. Em seu mais
recente Relatório sobre Estabilidade Financeira Global, divulgado no último dia
8, a instituição notou a expansão descomunal desse segmento, responsável pela
concessão de US$ 2,1 trilhões em empréstimos mundo afora em 2023, em um
contexto de regulamentações frouxas e repletas de lacunas. A recomendação do
FMI às autoridades nacionais não poderia ser outra: regras e supervisões “mais
intrusivas”.
Obviamente, há vulnerabilidades e riscos ao
sistema financeiro envolvidos no alerta emitido pelo FMI sobre um segmento que
compete com o bancário na concessão de empréstimos, emissões de debêntures e
outras modalidades requisitadas pelas empresas e até mesmo por consumidores e
pessoas físicas. O Fundo reconhece essa categoria como relevante para o impulso
da atividade econômica. Mas, da maneira livre como atua nos últimos 20 anos,
qualquer abalo em seu funcionamento, como a alta da inadimplência de seus clientes,
trará consequências imprevistas para toda a economia.
Primeiro, porque há pouca transparência ou
rasa confiabilidade nos dados informados pelas firmas de crédito privado sobre
sua capacidade de liquidez, sua potencial realização de perdas, sua conexão com
os demais setores da economia nacional, sua exposição internacional e até mesmo
sobre seus investidores. Segundo, porque o mercado de crédito privado ainda não
foi exposto a um estresse. Portanto, qualquer previsão sobre suas reais
condições de reagir e seu potencial de contaminar outros segmentos não tem nenhuma
base de referência. Grosso modo, trata-se de um protótipo de bomba a ser
testado a qualquer momento – termo que o Fundo, obviamente, não chegou a
mencionar em seu relatório.
Há ainda um terceiro fator a ser considerado,
não menos importante do que os anteriores: a elevada atratividade do mercado de
crédito privado, sobretudo para médias empresas em condições mais vulneráveis e
ciosas em obter recursos a menores custos do que os cobrados pelos bancos. A
expansão dessas firmas, não por acaso, se deu no rastro das normas mais rígidas
impostas ao sistema bancário desde a crise financeira global desencadeada em
2008, sobretudo para a concessão de empréstimos.
A advertência do FMI está direcionada
especialmente aos Estados Unidos, à Europa e à Ásia, onde houve significativa
escalada desse segmento nas últimas duas décadas. Nos EUA, o mercado de crédito
privado cresceu a uma média anual de 20% desde 2018 e atingiu US$ 1,6 trilhão
em meados do ano passado. O Brasil e o restante da América Latina não chegaram
a ser mencionados no relatório do Fundo, mas o segmento está longe de ser
incipiente nessa parte do mundo.
É inegável a importância do crédito privado como ator competitivo no sistema financeiro. Mas deixá-lo à mercê da miopia dos órgãos de regulação e de supervisão é uma aventura de alto risco.
Varejo mostra economia com bom ritmo no
início do ano
Valor Econômico
Resultados explicam em parte por que a inflação, depois de queda forte, resiste a aproximar-se da meta
O desempenho do varejo em fevereiro
surpreendeu os economistas. No caso do varejo, a expectativa era de queda nas
vendas, mas elas cresceram. O volume de vendas no varejo restrito subiu 1% em
fevereiro em comparação com janeiro, na série com ajuste sazonal, segundo o
IBGE. A mediana da expectativa junto a 26 consultorias e instituições
financeiras apurada pelo Valor Data era de queda de 1,6%. Na
comparação com fevereiro de 2023, o varejo restrito cresceu 8,2%, bem acima do
esperado, de 3,5%. Foi o segundo mês consecutivo de crescimento do varejo,
acumulando 6,1% no período, com 2,8% apenas em janeiro; e, em 12 meses, a alta
é de 2,3%.
No varejo ampliado, que inclui as vendas de
veículos e motos, partes e peças, material de construção e atacarejo, o
crescimento foi de 1,2% entre janeiro e fevereiro; e, na comparação com
fevereiro de 2023, de nada menos que 9,7%. Em 2024, a alta acumulada é de
10,1%, enquanto o resultado nos 12 meses até fevereiro é de 5,7%.
No primeiro bimestre, o volume de serviços
cresceu 3,3% frente ao mesmo período de 2023; em 12 meses, ficou em 2,2%. Os
analistas esperavam novo avanço em fevereiro, o que não ocorreu. Em relação a
fevereiro de 2023 houve expansão de 2,5%. Mas observa-se muitas vezes na
economia um pêndulo entre os gastos com o varejo e com os serviços. Quando se
compram mais bens, geralmente se gasta menos em serviços. Pode ser isso que
tenha ocorrido neste início de ano.
Vários fatores explicam o comportamento do
varejo. O aumento do salário mínimo, o pagamento de precatórios, o mercado de
trabalho apertado e a oferta de crédito aumentaram a renda e estimularam o
consumo. O bom desempenho foi disseminado, com destaque para o crescimento de
9,9% no volume de vendas de artigos farmacêuticos e de perfume em fevereiro.
Dos dez setores do conceito ampliado, sete tiverem alta. As vendas do varejo
mais dependentes de crédito, como veículos, cresceram 2,4% em fevereiro em
relação a janeiro.
Mas o fator mais importante é o aumento do
salário mínimo. Já no fim do ano passado, o Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estimava que o reajuste do
salário mínimo injetaria quase R$ 70 bilhões na economia. Os Estados do
Nordeste e do Norte, regiões nas quais o salário mínimo faz mais diferença,
tiveram desempenho de varejo melhor do que o da média em sua maior parte.
Economistas do Itaú Unibanco observam que, em
geral, quando o reajuste do salário mínimo fica acima da inflação, como neste
ano, há um pico de consumo no varejo ampliado nos primeiros meses, em
comparação com os anos em que não há reajuste dessa magnitude. Eles também
notaram que o desempenho da arrecadação de alguns impostos, como PIS, Cofins,
IPI e Imposto sobre a Importação, às vezes antecipa o comportamento das vendas
no varejo ampliado. Em fevereiro, a arrecadação subiu mais de 16%, em termos
reais, em comparação com o mesmo mês de 2023, segundo cálculos feitos a partir
dos dados da Receita.
A taxa de desemprego aumentou ligeiramente
neste início de ano, como costuma acontecer nesse período, por causa da
dispensa de trabalhadores que foram contratados de forma temporária em novembro
e dezembro por conta do Natal. A taxa de desemprego passou de 7,4% em dezembro
para 7,6% em janeiro e 7,8% em fevereiro. No entanto, a massa salarial continua
crescendo, e aumentou R$ 19,3 bilhões em um ano, para o nível recorde de R$
307,3 bilhões, uma alta de 6,7% no trimestre encerrado em fevereiro, em comparação
com o mesmo período de 2023.
O impacto do pagamento dos precatórios é
igualmente relevante. A operação injetou cerca de R$ 96 bilhões na economia em
janeiro e fevereiro. Cerca de R$ 45 bilhões desse total eram referentes a
precatórios alimentícios para as pessoas físicas, o que estimula as compras
desses produtos no varejo e gera um impacto positivo de 0,3 a 0,4 ponto
percentual no PIB, segundo cálculos do Itaú Unibanco.
Alguns analistas revisaram as projeções para
o PIB do ano, que chegaram perto dos 2,9% do ano passado em alguns casos. No
Boletim Focus, as estimativas para o PIB ficaram em 1,95%, de acordo com as
expectativas colhidas na semana passada. O resultado do Monitor do PIB,
calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas,
respalda o otimismo ao registrar avanço de 0,8% em fevereiro e crescimento de
3% em 12 meses, assim como o IBC-Br, que subiu 0,4% no mês.
Esses resultados explicam em parte por que a inflação, depois de queda forte, resiste a aproximar-se da meta, e, pelas expectativas do Focus, começou a afastar-se discretamente dela. O governo quer turbinar o crédito com vários novos programas e afrouxou as metas fiscais, mas precisa ter atenção a que os juros parem de cair em um nível bem mais alto que o desejado.
Atraso perigoso na agenda climática
Correio Braziliense
Os próximos dois anos "são essenciais
para salvar o planeta", advertiu o secretário executivo da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
Os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento, como o Brasil, precisam correr contra o tempo para colocar em
prática medidas capazes de conter a emissão de gases de efeito estufa. Os
próximos dois anos "são essenciais para salvar o planeta", advertiu o
secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas. A redução das emissões à metade é essencial para impedir que a
temperatura do planeta não ultrapasse 1,5ºC em relação aos níveis
pré-industriais, iniciados 180 anos atrás.
O alerta da ONU foi direcionado aos líderes
dos países, empresários e bancos de desenvolvimento, uma vez que nem todas as
nações desenvolvidas estão cumprindo os compromissos climáticos assumidos na
Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2009 (COP15) —
que deveria substituir o Protocolo de Kyoto, mas teve um desfecho frustrante
para cientistas, ambientalistas e diplomatas. Nos últimos 15 anos, 19 das 34
nações com uma economia desenvolvida não cumpriram os compromissos assumidos em
2009 até 2020, antes até do famoso Acordo de Paris.
A falha foi constatada pelos pesquisadores da
Universidade College London, no Reino Unido, e da Universidade de Tsinghua, na
China. O estudo inédito avaliou as emissões, a partir de um método baseado no
consumo de produtos industrializados cuja produção implica emissões de carbono
(CO²) e outros gases de efeito estufa. Por meio do sistema de crédito de
carbono, o país pode produzir mercadorias que liberam gases de efeito estufa ou
instalar uma das suas indústrias em outro continente. Dessa forma, fica supostamente
isento de ser o emissor dos gases que contribuem para o aquecimento global.
A estratégia pode até beneficiar nações
empobrecidas, para as quais a cobertura vegetal seja um patrimônio ambicionado
pelos países mais ricos, porém carentes de recursos naturais que absorvam os
gases de impacto na temperatura do planeta. Mas não significa uma contribuição
concreta em favor da vida no planeta, menos ainda o cumprimento dos
compromissos assumidos nas COPs realizadas.
A solução passa pela transferência de
tecnologias a fim de que os países mais pobres não aumentem as emissões de
gases. "Países com baixas emissões e baixos rendimentos também precisam
ser capazes de continuar a fazer crescer suas economias", diz Jing Meng,
principal autora da pesquisa.
Os eventos climáticos extremos têm sido
indicadores de que o planeta exige uma mudança no comportamento humano em
relação ao meio ambiente. Dão provas frequentes de que estão em curso fenômenos
que podem comprometer a vida terrestre.
Embora o Brasil não seja citado no estudo,
por ser um país em desenvolvimento, tem enorme importância pelo seu patrimônio
natural no desafio de conter o aquecimento do planeta, o que o favorece na
transição para fontes limpas de energia. Hoje, o país se destaca pela expansão
da energia eólica, solar e elétrica. A produção de biocombustível também é
outro trunfo nacional, que se concilia com a redução gradual do consumo de
combustível fóssil, um dos vilões da emissão de gases de efeito estufa
Não à toa, atualmente, há uma preocupação cada vez maior de preservar os recursos naturais a partir de ações contra atividades predatórias, como desmatamento, queimadas, garimpagem em áreas de reserva e de preservação ambiental; de supressão de fontes hídricas que comprometam as bacias hidrográficas e cursos d'água; bem como de integridade dos povos originários e tradicionais, reconhecidamente guardiões desses patrimônios do Brasil. Tais políticas se revelam indispensáveis para qualidade de vida no país e enorme contribuição contra o aquecimento global.
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