quinta-feira, 18 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

PEC das Drogas trata questão séria com demagogia

O Globo

Parlamento deve ao país resposta condizente com a necessidade de distinguir traficantes de usuários

A Proposta de Emenda à Constituição conhecida como PEC das Drogas, aprovada na terça-feira no Senado, é forte em demagogia e, na hipótese mais otimista, inócua como solução para os problemas causados pelos entorpecentes. O texto que segue para a Câmara não faz a distinção necessária entre usuário e traficante e atrapalha, em vez de ajudar, a discussão a respeito em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A questão exige mais conhecimento técnico e responsabilidade do Congresso.

Se aprovada pelos deputados como está, a PEC aumentará o encarceramento de usuários pegos pela polícia com quantidades pequenas de droga. Com isso, fornecerá mais mão de obra às facções criminosas que atuam nos presídios e terá o efeito contrário ao desejado por quem votou a favor no Senado. Por isso é urgente fazer correções. A situação preocupante da segurança pública não permite leviandade dos legisladores em tema tão sensível.

Desde a aprovação da Lei de Drogas de 2006, o porte de drogas é crime, mas não passível de prisão. Ao não determinar critério objetivo para defini-lo, a legislação deixou em aberto a distinção entre usuários e traficantes. O Senado teve a chance de regular o assunto. Poderia ter feito isso por meio de um projeto de lei. Mas resolveu fechar os olhos para o problema. A PEC aprovada é vaga a respeito, prevendo apenas que seja “observada a distinção entre o traficante e o usuário pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”.

As tais “circunstâncias fáticas” deixam a critério de policiais e juízes o poder de interpretação. É a brecha aberta para decisões distintas em casos semelhantes, para abusos e para colocar na cadeia quem não deveria ser preso. Um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) avaliou o impacto que uma distinção objetiva entre traficante e usuário teria no sistema carcerário. Se a quantidade permitida por usuário de maconha fosse 25 gramas, cerca de 30% dos condenados não teriam sido presos.

O resultado mais visível da indefinição é o inchaço da população carcerária. Há mais de 640 mil detentos no país, 28% dos quais presos por crimes relacionados a drogas. Nas prisões abarrotadas, os chefes do crime organizado obtêm acesso fácil a novos recrutas. Quem é pego com pouca droga logo é solto e pode trabalhar para o tráfico.

A votação no Senado foi uma tentativa de interromper julgamento no STF sobre o porte de drogas. No mês passado, quando o ministro Dias Toffoli pediu vista do processo, havia cinco votos a favor de decidir um critério objetivo para distinguir usuário de traficante. Se a Câmara aprovar a PEC, o julgamento cairá no vazio, mas a Corte poderá ser acionada para avaliar sua constitucionalidade. O melhor seria o Parlamento votar uma lei tecnicamente sensata e condizente com a realidade.

A maconha provoca problemas cardíacos, respiratórios, cognitivos e mentais, sobretudo quando o uso é abusivo. Por óbvio, não se trata de incentivar seu consumo nem o de nenhuma outra droga. Mas o encarceramento de usuários, além de injusto, não resolve o problema. É preciso investir em campanhas para abrir os olhos dos jovens aos riscos. A experiência bem-sucedida para desestimular o tabagismo pode servir de base. A questão essencial é de saúde pública e não pode continuar a ser tratada com tanta demagogia.

Senado aprova equívoco contra drogas

Folha de S. Paulo

Legislativo, a quem cabe deliberar sobre o tema, erra ao criminalizar; Folha defende legalização de substâncias leves

Está longe de haver consenso no Brasil sobre a melhor maneira de lidar com o problema das drogas, mas existe uma franja da sociedade que, de forma unânime, aplaude a decisão do Senado de aprovar uma proposta de emenda à Constituição que criminaliza o porte e a posse de entorpecentes: trata-se das facções criminosas.

Elas, afinal, serão as maiores vencedoras se a Câmara dos Deputados também der seu aval a essa PEC, e por um motivo bastante conhecido. O principal efeito desse tipo de norma é o aumento da população dentro das cadeias, justamente onde a criminalidade organizada arregimenta soldados para encorpar as suas tropas.

Os parlamentares nem sequer podem alegar desconhecimento dessa dinâmica. Faz quase 20 anos que a Lei de Drogas foi sancionada, em termos muito semelhantes aos que ora se discutem no Congresso —vale dizer, sob o paradigma da guerra aos entorpecentes e sem estabelecer critério objetivo para distinguir usuário e traficante.

Estudos diversos demonstram as consequências perniciosas dessa abordagem, como a superlotação de penitenciárias e o salvo-conduto informal para que a discriminação racial e social prevaleça em ações policiais e decisões judiciais. Esperar resultados distintos para regras iguais já seria, para dizer o mínimo, tremenda estultice.

O que se faz agora, no entanto, é mais que repetir o erro do passado. Em uma deplorável escalada de atritos com o Supremo Tribunal Federal, o Legislativo, a quem de fato cabe deliberar sobre o tema, se propõe a incrustar o desatino normativo na Constituição.

Por trás dessa iniciativa, há um cálculo equivocado. Os congressistas parecem acreditar que, dessa forma, manterão o tema protegido contra ingerências indevidas do Judiciário; esquecem-se, porém, de que emendas também podem ter a constitucionalidade questionada.

Se a PEC for aprovada, portanto, a queda de braço com o STF não terá terminado, mas será mais difícil para o próprio Congresso promover correções na política para drogas, pois o quórum para emendar a Constituição é maior do que o necessário para alterar outras leis.

Assim, uma reforma tão urgente quanto a definição de parâmetros objetivos sobre uso e tráfico se tornaria cada vez mais improvável. Além disso, com a criminalização inscrita na Carta Maior, pode-se imaginar que uma sombra pesada pairará inclusive sobre quem busca tratamento ou utiliza entorpecentes para fins terapêuticos.

Sem contar que o Brasil ficará mais distante de nações avançadas que, corretamente, investem na legalização gradual de drogas leves e na perspectiva da saúde pública, como esta Folha defende.

Cérebros perdidos

Folha de S. Paulo

Plano para atrair pesquisadores brasileiros ao país levanta debate e dúvidas

plano do governo federal para remediar a chamada "fuga de cérebros" não foi muito bem recebido por pesquisadores brasileiros que moram no país, ao menos nas redes sociais. Pelo que foi divulgado até o momento, o Programa de Repatriação de Talentos - Conhecimento Brasil suscita mais dúvidas do que certezas sobre sua qualidade.

Para atrair aqueles que foram para o exterior realizar pós-graduação e não retornaram, serão concedidas bolsas de R$ 13 mil a doutores e de R$ 10 mil a mestres, além de R$ 400 mil por pesquisa para compra de equipamentos.

Os projetos terão quatro anos, prorrogáveis por mais um. A verba, estimada em R$ 1 bilhão, virá do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia, há 35 mil pesquisadores brasileiros em outros países; a meta é atrair até 1.000 pesquisas, que serão realizadas em Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICTs) ou empresas. Esse aspecto ao menos indica pragmatismo —expansão tecnológica e dinamização da economia.

As ICTs, previstas em lei, são entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos que têm como missão institucional a pesquisa básica ou aplicada ou o desenvolvimento de produtos, serviços ou processos. O objetivo é gerar conhecimento para atender necessidades do mercado e da população.

Apesar do direcionamento dado à inovação tecnológica associada à atividade econômica e à realidade dos brasileiros, o programa parece modesto e apresenta lacunas.

Os valores são suficientes para atrair pesquisadores de ponta? O que eles farão após o término dos contratos? Há espaço no mercado e na academia para absorvê-los?

Antes de mais anda, é importante evitar a fuga de cérebros. Para isso, urge discutir o financiamento público do ensino superior e a dificuldade para estabelecer parcerias público-privadas na graduação e na pós-graduação.

No entanto esse debate é rechaçado por motivações ideológicas e corporativistas, tanto por governos petistas quanto por entidades de professores e estudantes, que seriam os maiores beneficiados.

Freios e contrapesos em frangalhos

O Estado de S. Paulo

Aprovação da PEC das drogas no Senado se presta a retaliar o STF, em mais um capítulo da espiral de revanche entre os Poderes. Sem autocontenção, as instituições não funcionam

Aprovação da PEC das drogas no Senado se presta a retaliar o STF, em mais um capítulo da espiral de revanche entre os Poderes. Sem autocontenção, as instituições não funcionam.

Em fevereiro, na abertura dos trabalhos do Poder Judiciário, os presidentes dos Três Poderes organizaram uma coreografia para celebrar a “harmonia entre os Poderes”. O presidente da República falou em “afeto” pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente do Congresso disse que nenhuma instituição tem o “monopólio da defesa da democracia do Brasil”. O presidente do Supremo arrematou: “Felizmente, não preciso gastar muito tempo nem energia falando de democracia, porque as instituições funcionam na mais plena normalidade, com convivência harmoniosa e pacífica de todas”.

A frase envelheceu rápido e mal. O que se vê é o contrário. Cada Poder gastando muito tempo e energia com sua agenda própria, ora confrontando outro Poder para demonstrar força, ora se aliando para revidar a um terceiro Poder, e isso em meio a lutas intestinas em cada um dos Poderes e uma polarização política calcificada em pleno ano eleitoral.

Um STF de configuração mais progressista, insatisfeito com a “inércia” das maiorias conservadoras no Congresso, avança sobre pautas legislativas, como o marco temporal das terras indígenas, aborto, regulação das redes digitais ou a descriminalização da posse de maconha.

A esses erros o Congresso responde com outros, embutindo matérias na Constituição que deveriam estar restritas à legislação ordinária, apenas para se contrapor ao Supremo. O Senado acaba de aprovar a criminalização da posse de drogas – ociosa, porque já está na lei. Na Câmara, tramitam projetos que autorizariam o Congresso a sustar decisões do STF.

Se o Judiciário pisa fora de seu quadrado, desde os tempos de Dilma Rousseff o Congresso acumula poderes e discricionariedades, especialmente sobre o Orçamento, sem as correspondentes responsabilidades. O presidente da Câmara usa sua caneta para avançar ou reter pautas, quase sempre sem se referir ao mérito, mas para chantagear o Executivo a ceder cargos e emendas. O presidencialismo de coalizão se tornou um presidencialismo de colisão. Políticas públicas são desfiguradas, desidratadas, dispersas em meio a esse embate em que ambos os Poderes querem verbas, mas ninguém aceita cortes, e o equilíbrio fiscal se degrada a cada dia.

Por sua vez, um Executivo acuado por esse Congresso empoderado, onde sua base de esquerda é minoritária, apela ao Judiciário para reverter por decisões judiciais pautas que perde no voto. Nesta semana, o decano do STF, Gilmar Mendes, recebeu em sua casa o presidente Lula, o advogado-geral da União e o ministro da Justiça para um convescote com os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Na pauta, um pedido de apoio a Lula e sua base ante o que os ministros consideram ameaças do Congresso e dos “golpistas” – como se fosse a coisa mais normal do mundo o presidente da República atuar como lobista do STF e ministros articularem uma espécie de “judicialismo de coalizão” para refrear ambições da oposição. Sem nenhum sinal de moderação nos “inquéritos do fim do mundo”, a tendência é de novas represálias do Congresso e mais radicalização da oposição bolsonarista.

Tudo isso é péssimo para o País. A cada pauta, já não se sabe se se está discutindo a coisa em si ou o ânimo vingativo de cada Poder, o interesse público ou os interesses privados. Os freios e contrapesos estão estiolados. Na verdade, não há contrapeso, mas pressão permanente; não há freios, só aceleradores. A lei da física é irrevogável, e nestas circunstâncias a tendência é de mais derrapagens e colisões.

Divergências são desejáveis na democracia. Inaceitável é a tentativa de interferência de um Poder em outro ou alianças espúrias entre Poderes, travestidas de “pacto”. Ora, esse pacto já foi feito, por meio da Constituição de 1988, e lá está claro: os Três Poderes devem ser “independentes e harmônicos entre si”. A harmonia só é possível quando cada um atua dentro de seus limites constitucionais, sem interferir na independência do outro. Mas o que se tem visto é o contrário: um ativismo frenético sob a justificativa virtuosa de “salvar a democracia”. Se esse é o objetivo, então só há um caminho: o da autocontenção.

O ‘pacote da vingança’ do sr. Lira

O Estado de S. Paulo

Mais uma vez, talvez a última, presidente da Câmara submete o País a seus caprichos, em particular ao seu incontido desejo de influenciar sua sucessão e manter protagonismo político

Durante a reunião semanal com os líderes dos partidos, ocorrida no dia 16 passado, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que poderá dar andamento ao que já está sendo chamado pelos corredores da Casa de “pacote da vingança”. Nessa sacola de maldades, digamos assim, estaria a instalação de nada menos que cinco das oito Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) requeridas à Mesa Diretora, além de outras medidas legislativas. O alvo principal da desforra é o Poder Judiciário, particularmente o Supremo Tribunal Federal (STF), mas não é improvável que o Palácio do Planalto também seja colhido pela sanha revanchista do sr. Lira. Seja como for, a grande vítima dessa bagunça institucional que parece ter tomado conta do País, como sói acontecer, será a sociedade.

É preciso ter claro que tudo isso faz parte de uma estratégia do presidente da Câmara para dar vazão a seu desejo incontido de influenciar a escolha de seu sucessor e, desse modo, manter algum tipo de protagonismo político mesmo após “descer à planície” – como se diz em Brasília dos presidentes da Câmara que, terminado o mandato, voltam a ser apenas mais um entre os 513 deputados. Comportando-se dessa forma, Lira revela que não vê problema algum em submeter o interesse público a seus caprichos.

A bem da verdade, não é a primeira vez que o sr. Lira coloca o País sob seu tacão, mas decerto será uma das últimas. Afinal, está cada dia mais próximo o fim de seu mandato à frente da Câmara, razão pela qual todo cuidado é pouco. Na condição de influente líder político que vê seu poder escorrer pelas mãos sob a pressão do tempo, não são triviais os danos que o deputado alagoano pode causar ao País se, imbuído desse espírito revanchista, usar o poder que lhe resta para levar a cabo sua vendeta contra o STF e, de quebra, fustigar o governo Lula da Silva.

Tudo leva a crer que assim será. O que se discute na Câmara neste momento é apenas a ordem de instalação das CPIs. Umas das primeiras, se não a primeira, será a CPI para investigar a suposta “violação de direitos e garantias fundamentais”, além da “prática de condutas arbitrárias” e “abuso de autoridade” por parte de ministros do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As outras CPIs que estão em vias de serem instaladas atendem direta ou indiretamente aos interesses da oposição – a forma nada sutil que Lira encontrou para “dar recados” ao governo em meio às suas rusgas particulares com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, entre outros motivos inconfessáveis.

Convém registrar que, a rigor, a instalação dessas CPIs – como quaisquer outros atos legislativos – não é algo essencialmente errado caso estejam presentes os requisitos constitucionais e regimentais para isso, como de resto parecem estar. O problema são os fins a que se prestariam essas ações do presidente da Câmara. Parece claro que, antes do interesse de investigar o que quer que seja, está o interesse de Lira de, a um só tempo, turvar o debate público em pleno ano eleitoral e travar o andamento da pauta legislativa, incluindo projetos de interesse do governo por seus supostos desdobramentos na seara econômica. Ora, se é isso o que normalmente acontece quando há apenas uma CPI em andamento, que dirá com cinco CPIs simultâneas e potencialmente tumultuadas, haja vista seus possíveis reflexos em outros Poderes e na opinião pública.

O País poderia estar apenas assistindo ao jogo jogado da política, o que de resto seria rigorosamente legítimo. Só não é porque, como dissemos, as intenções subjacentes a essa articulação conduzida pelo presidente da Câmara em fim de mandato passam muito longe do melhor interesse público. Ao fim e ao cabo, pode ser que Lira não consiga realizar o que deseja. É lícito inferir que tudo não passe mesmo de “recados”, uma encenação de poder sem uma correspondente materialização de atos hostis. O busílis é que essa “guerra fria” entre os Poderes não gera nada de bom para o País.

Protótipo de bomba financeira

O Estado de S. Paulo

Fundos de crédito privado são ‘opacos’ e precisam de regulação ‘mais intrusiva’, alerta o FMI

O Fundo Monetário Internacional (FMI) centrou sua preocupação em uma das mais atrativas opções das empresas ao empréstimo bancário – o “opaco” universo dos fundos de crédito privado. Em seu mais recente Relatório sobre Estabilidade Financeira Global, divulgado no último dia 8, a instituição notou a expansão descomunal desse segmento, responsável pela concessão de US$ 2,1 trilhões em empréstimos mundo afora em 2023, em um contexto de regulamentações frouxas e repletas de lacunas. A recomendação do FMI às autoridades nacionais não poderia ser outra: regras e supervisões “mais intrusivas”.

Obviamente, há vulnerabilidades e riscos ao sistema financeiro envolvidos no alerta emitido pelo FMI sobre um segmento que compete com o bancário na concessão de empréstimos, emissões de debêntures e outras modalidades requisitadas pelas empresas e até mesmo por consumidores e pessoas físicas. O Fundo reconhece essa categoria como relevante para o impulso da atividade econômica. Mas, da maneira livre como atua nos últimos 20 anos, qualquer abalo em seu funcionamento, como a alta da inadimplência de seus clientes, trará consequências imprevistas para toda a economia.

Primeiro, porque há pouca transparência ou rasa confiabilidade nos dados informados pelas firmas de crédito privado sobre sua capacidade de liquidez, sua potencial realização de perdas, sua conexão com os demais setores da economia nacional, sua exposição internacional e até mesmo sobre seus investidores. Segundo, porque o mercado de crédito privado ainda não foi exposto a um estresse. Portanto, qualquer previsão sobre suas reais condições de reagir e seu potencial de contaminar outros segmentos não tem nenhuma base de referência. Grosso modo, trata-se de um protótipo de bomba a ser testado a qualquer momento – termo que o Fundo, obviamente, não chegou a mencionar em seu relatório.

Há ainda um terceiro fator a ser considerado, não menos importante do que os anteriores: a elevada atratividade do mercado de crédito privado, sobretudo para médias empresas em condições mais vulneráveis e ciosas em obter recursos a menores custos do que os cobrados pelos bancos. A expansão dessas firmas, não por acaso, se deu no rastro das normas mais rígidas impostas ao sistema bancário desde a crise financeira global desencadeada em 2008, sobretudo para a concessão de empréstimos.

A advertência do FMI está direcionada especialmente aos Estados Unidos, à Europa e à Ásia, onde houve significativa escalada desse segmento nas últimas duas décadas. Nos EUA, o mercado de crédito privado cresceu a uma média anual de 20% desde 2018 e atingiu US$ 1,6 trilhão em meados do ano passado. O Brasil e o restante da América Latina não chegaram a ser mencionados no relatório do Fundo, mas o segmento está longe de ser incipiente nessa parte do mundo.

É inegável a importância do crédito privado como ator competitivo no sistema financeiro. Mas deixá-lo à mercê da miopia dos órgãos de regulação e de supervisão é uma aventura de alto risco.

Varejo mostra economia com bom ritmo no início do ano

Valor Econômico

Resultados explicam em parte por que a inflação, depois de queda forte, resiste a aproximar-se da meta

O desempenho do varejo em fevereiro surpreendeu os economistas. No caso do varejo, a expectativa era de queda nas vendas, mas elas cresceram. O volume de vendas no varejo restrito subiu 1% em fevereiro em comparação com janeiro, na série com ajuste sazonal, segundo o IBGE. A mediana da expectativa junto a 26 consultorias e instituições financeiras apurada pelo Valor Data era de queda de 1,6%. Na comparação com fevereiro de 2023, o varejo restrito cresceu 8,2%, bem acima do esperado, de 3,5%. Foi o segundo mês consecutivo de crescimento do varejo, acumulando 6,1% no período, com 2,8% apenas em janeiro; e, em 12 meses, a alta é de 2,3%.

No varejo ampliado, que inclui as vendas de veículos e motos, partes e peças, material de construção e atacarejo, o crescimento foi de 1,2% entre janeiro e fevereiro; e, na comparação com fevereiro de 2023, de nada menos que 9,7%. Em 2024, a alta acumulada é de 10,1%, enquanto o resultado nos 12 meses até fevereiro é de 5,7%.

No primeiro bimestre, o volume de serviços cresceu 3,3% frente ao mesmo período de 2023; em 12 meses, ficou em 2,2%. Os analistas esperavam novo avanço em fevereiro, o que não ocorreu. Em relação a fevereiro de 2023 houve expansão de 2,5%. Mas observa-se muitas vezes na economia um pêndulo entre os gastos com o varejo e com os serviços. Quando se compram mais bens, geralmente se gasta menos em serviços. Pode ser isso que tenha ocorrido neste início de ano.

Vários fatores explicam o comportamento do varejo. O aumento do salário mínimo, o pagamento de precatórios, o mercado de trabalho apertado e a oferta de crédito aumentaram a renda e estimularam o consumo. O bom desempenho foi disseminado, com destaque para o crescimento de 9,9% no volume de vendas de artigos farmacêuticos e de perfume em fevereiro. Dos dez setores do conceito ampliado, sete tiverem alta. As vendas do varejo mais dependentes de crédito, como veículos, cresceram 2,4% em fevereiro em relação a janeiro.

Mas o fator mais importante é o aumento do salário mínimo. Já no fim do ano passado, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estimava que o reajuste do salário mínimo injetaria quase R$ 70 bilhões na economia. Os Estados do Nordeste e do Norte, regiões nas quais o salário mínimo faz mais diferença, tiveram desempenho de varejo melhor do que o da média em sua maior parte.

Economistas do Itaú Unibanco observam que, em geral, quando o reajuste do salário mínimo fica acima da inflação, como neste ano, há um pico de consumo no varejo ampliado nos primeiros meses, em comparação com os anos em que não há reajuste dessa magnitude. Eles também notaram que o desempenho da arrecadação de alguns impostos, como PIS, Cofins, IPI e Imposto sobre a Importação, às vezes antecipa o comportamento das vendas no varejo ampliado. Em fevereiro, a arrecadação subiu mais de 16%, em termos reais, em comparação com o mesmo mês de 2023, segundo cálculos feitos a partir dos dados da Receita.

A taxa de desemprego aumentou ligeiramente neste início de ano, como costuma acontecer nesse período, por causa da dispensa de trabalhadores que foram contratados de forma temporária em novembro e dezembro por conta do Natal. A taxa de desemprego passou de 7,4% em dezembro para 7,6% em janeiro e 7,8% em fevereiro. No entanto, a massa salarial continua crescendo, e aumentou R$ 19,3 bilhões em um ano, para o nível recorde de R$ 307,3 bilhões, uma alta de 6,7% no trimestre encerrado em fevereiro, em comparação com o mesmo período de 2023.

O impacto do pagamento dos precatórios é igualmente relevante. A operação injetou cerca de R$ 96 bilhões na economia em janeiro e fevereiro. Cerca de R$ 45 bilhões desse total eram referentes a precatórios alimentícios para as pessoas físicas, o que estimula as compras desses produtos no varejo e gera um impacto positivo de 0,3 a 0,4 ponto percentual no PIB, segundo cálculos do Itaú Unibanco.

Alguns analistas revisaram as projeções para o PIB do ano, que chegaram perto dos 2,9% do ano passado em alguns casos. No Boletim Focus, as estimativas para o PIB ficaram em 1,95%, de acordo com as expectativas colhidas na semana passada. O resultado do Monitor do PIB, calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, respalda o otimismo ao registrar avanço de 0,8% em fevereiro e crescimento de 3% em 12 meses, assim como o IBC-Br, que subiu 0,4% no mês.

Esses resultados explicam em parte por que a inflação, depois de queda forte, resiste a aproximar-se da meta, e, pelas expectativas do Focus, começou a afastar-se discretamente dela. O governo quer turbinar o crédito com vários novos programas e afrouxou as metas fiscais, mas precisa ter atenção a que os juros parem de cair em um nível bem mais alto que o desejado.

Atraso perigoso na agenda climática

Correio Braziliense

Os próximos dois anos "são essenciais para salvar o planeta", advertiu o secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas

Os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, como o Brasil, precisam correr contra o tempo para colocar em prática medidas capazes de conter a emissão de gases de efeito estufa. Os próximos dois anos "são essenciais para salvar o planeta", advertiu o secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. A redução das emissões à metade é essencial para impedir que a temperatura do planeta não ultrapasse 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais, iniciados 180 anos atrás.

O alerta da ONU foi direcionado aos líderes dos países, empresários e bancos de desenvolvimento, uma vez que nem todas as nações desenvolvidas estão cumprindo os compromissos climáticos assumidos na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2009 (COP15) — que deveria substituir o Protocolo de Kyoto, mas teve um desfecho frustrante para cientistas, ambientalistas e diplomatas. Nos últimos 15 anos, 19 das 34 nações com uma economia desenvolvida não cumpriram os compromissos assumidos em 2009 até 2020, antes até do famoso Acordo de Paris.

A falha foi constatada pelos pesquisadores da Universidade College London, no Reino Unido, e da Universidade de Tsinghua, na China. O estudo inédito avaliou as emissões, a partir de um método baseado no consumo de produtos industrializados cuja produção implica emissões de carbono (CO²) e outros gases de efeito estufa. Por meio do sistema de crédito de carbono, o país pode produzir mercadorias que liberam gases de efeito estufa ou instalar uma das suas indústrias em outro continente. Dessa forma, fica supostamente isento de ser o emissor dos gases que contribuem para o aquecimento global.

A estratégia pode até beneficiar nações empobrecidas, para as quais a cobertura vegetal seja um patrimônio ambicionado pelos países mais ricos, porém carentes de recursos naturais que absorvam os gases de impacto na temperatura do planeta. Mas não significa uma contribuição concreta em favor da vida no planeta, menos ainda o cumprimento dos compromissos assumidos nas COPs realizadas.

A solução passa pela transferência de tecnologias a fim de que os países mais pobres não aumentem as emissões de gases. "Países com baixas emissões e baixos rendimentos também precisam ser capazes de continuar a fazer crescer suas economias", diz Jing Meng, principal autora da pesquisa.

Os eventos climáticos extremos têm sido indicadores de que o planeta exige uma mudança no comportamento humano em relação ao meio ambiente. Dão provas frequentes de que estão em curso fenômenos que podem comprometer a vida terrestre.

Embora o Brasil não seja citado no estudo, por ser um país em desenvolvimento, tem enorme importância pelo seu patrimônio natural no desafio de conter o aquecimento do planeta, o que o favorece na transição para fontes limpas de energia. Hoje, o país se destaca pela expansão da energia eólica, solar e elétrica. A produção de biocombustível também é outro trunfo nacional, que se concilia com a redução gradual do consumo de combustível fóssil, um dos vilões da emissão de gases de efeito estufa

Não à toa, atualmente, há uma preocupação cada vez maior de preservar os recursos naturais a partir de ações contra atividades predatórias, como desmatamento, queimadas, garimpagem em áreas de reserva e de preservação ambiental; de supressão de fontes hídricas que comprometam as bacias hidrográficas e cursos d'água; bem como de integridade dos povos originários e tradicionais, reconhecidamente guardiões desses patrimônios do Brasil. Tais políticas se revelam indispensáveis para qualidade de vida no país e enorme contribuição contra o aquecimento global.

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