quinta-feira, 18 de abril de 2024

Míriam Leitão - A volatilidade e o ruído que fica

O Globo

Houve uma piora na percepção da economia após a mudança da meta, como se o governo tivesse “jogada a toalha“ na área fiscal

Ontem foi o reverso de terça-feira. O real foi a moeda que mais subiu, e os juros futuros de longo prazo caíram tudo o que haviam subido. Mas isso não muda os sinais de que houve uma piora da percepção da economia. Os novos números de resultado primário anunciados pelo ministro Fernando Haddad eram até melhores do que os que o mercado projetava. O problema é ter ficado a impressão de que o governo e o Congresso vão desistir das metas fiscais. Como houve exagero na terça, o dia amanheceu ontem com o mercado sabendo que haveria uma reversão. Mas continua havendo uma onda de fortalecimento mundial do dólar, o que pode bater na inflação e nos indicadores internos. Nada é alarmante, não é crise, mas é um cenário que exige mais cuidados. É o que dizem os economistas que consultei dentro e fora do governo.

— O que assusta nas mudanças das metas fiscais não são os números em si, mas a sensação de que o Congresso Nacional está “jogando a toalha” no desafio do ajuste fiscal. Vale destacar que os números do mercado para o déficit primário neste e nos próximos anos sempre foram piores do que as metas fiscais anteriores e piores que as novas metas — explica Mansueto Almeida, do BTG.

O economista Fernando Honorato do Bradesco, com quem falei logo cedo, me disse que o mercado havia exagerado na alta do dólar e nas taxas de juros futuras na véspera. O que se comprovou ao longo do dia.

— As mudanças nas metas eram amplamente esperadas e acho difícil o câmbio ficar onde está. A inflação vai piorar com a alta do dólar, mas não justifica os 7,5% de juros reais precificados ontem (terça-feira). As coisas podem voltar à normalidade, mas dependemos do Fed. A mudança de fundo é global, ajudada sim por um ambiente interno em que se enxergam juros reais mais altos sem amparo de uma política fiscal rígida — diz Honorato.

Dentro do governo ouvi que parte do mercado está somando tudo, a preocupação com a queda da popularidade, mais a crise na Petrobras, mais medidas populistas na energia, e mudança da meta. Tudo isso passando a impressão de que há uma guinada na área econômica, o que, segundo minha fonte, não é o correto. O ambiente está mais hostil e menos tolerante. Qualquer ruído gera resultado. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que fará “o que for necessário”para segurar a inflação. Bastou isso para os juros de curto prazo subirem ontem.

A declaração do presidente do Fed, Jerome Powell, anteontem, confirmando que os juros americanos vão demorar mais a cair, produziu uma alta do dólar no mundo inteiro. Naquele dia, excetuando-se o euro, todas as outras moedas perderam valor, principalmente as dos países emergentes. O real foi a terceira moeda que mais caiu, melhor apenas que as da Indonésia e do México. Mas no ano a queda das moedas foi geral, com alguns países caindo mais como Japão, Chile e Turquia. Parte das quedas tem razões internas. No Brasil tem menos dólar no mercado e aumentaram as preocupações com as contas públicas.

As projeções de bancos e consultorias eram as de que o Brasil teria déficit público este ano e no próximo. No cenário do Tesouro, mesmo se fosse aprovada aquela MP, que reonerava setores empresariais, prefeituras e eliminava o Perse, o país teria que fazer contingenciamento no ano que vem e no próximo e ainda teria déficit, explica Mansueto, ex-secretário do Tesouro:

— Assim, as metas “novas” de primário zero no próximo ano e de 0,25% do PIB em 2026 são melhores do que o mercado esperava.

Mansueto afirma ainda que havia uma impressão, antes, de que o governo faria tudo para atingir a meta antiga, mesmo que não o conseguisse, e agora essa crença sumiu.

—O governo abre mão de R$ 12 bi de dividendos da Petrobras que iriam para os cofres do Tesouro. Há apoio político para renegociação da dívida dos estados que não cumpriram outros acordos. A Câmara dos Deputados, com o apoio de algumas pessoas do governo, antecipa a expansão de R$ 15,7 bilhões de despesa que só poderiam abrir em maio. Tudo isso manda a mensagem de que “Brasília” não está demonstrando compromisso com o ajuste fiscal. A mudança da meta em seguida permitiu que o mercado desenvolvesse a narrativa de que “Brasília”, governo e classe política jogaram a toalha.

O mercado tem oscilado mais por razões globais. O problema é que as razões internas também estão pesando. E é a isso que o governo precisa ficar atento, antes de aprovar a próxima medida de expansão de gastos.

 

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