O Estado de S. Paulo
Se enfiarem o pé na jaca no primeiro ano de vigência do Novo Arcabouço Fiscal, o último que sair terá de apagar a luz
Na Warren Investimentos, projetamos um
déficit primário (receitas menos despesas sem considerar os juros da dívida
pública) de 0,6% do PIB, ou R$ 70 bilhões, para 2024. Como se vê, ainda
distante da meta zero ou mesmo da sua banda inferior, de R$ 28,8 bilhões.
Assim, o desafio do governo é encontrar R$
41,2 bilhões (70 menos 28,8). Não será trivial e, caso fracasse, o Novo
Arcabouço Fiscal (NAF) obriga ao acionamento de gatilhos, medidas automáticas
de ajuste fiscal. Disso depende a credibilidade da política fiscal.
Os últimos sinais em matéria de contas públicas foram muito ruins. Refiro-me ao anúncio das metas fiscais de 2025 e à mudança do NAF endereçada pelo próprio governo no Congresso. E são ruins porque apontam para uma disposição para gastar mais, e não menos.
O cenário para o ano não é um desastre e o
governo precisa aproveitar o quadro positivo das receitas para ganhar tempo e
recobrar a confiança perdida.
As receitas líquidas de transferências a
Estados e municípios devem crescer ao redor de 7% acima da inflação neste ano.
Os dados oficiais, de janeiro e março, indicaram um desempenho muito positivo
para as receitas públicas. Quando comparadas ao primeiro trimestre de 2023,
estão subindo 9,1% em termos reais.
Na minha coleta preliminar para o mês de
abril feita no SigaBrasil, do Senado Federal, vi números interessantes. Os
dados de abril parecem sugerir uma alta real, ante abril do ano anterior,
superior a 8%. Número elevado, ainda que inferior aos mais de 10% do relatório
orçamentário publicado no final de março pelo governo.
A tributação dos fundos fechados (chamados
exclusivos) e dos investimentos no exterior; a regularização da retirada do
ICMS da base do PIS/Cofins, que vinha sendo feita de modo a erodir as receitas
federais; o fim da bagunça na subvenção econômica baseada em benefícios fiscais
do ICMS; as novas regras para transações tributárias; e o retorno do voto de
qualidade no Carf (tribunal que dirime conflitos entre o Fisco e os
contribuintes) estão ajudando. É a agenda escolhida pelo ministro Fernando
Haddad, no ano passado, e que se mostrou uma opção bastante acertada.
Ocorre que o desempenho das receitas não está
garantido até o fim do exercício corrente e parte delas não se repetirá, como
no caso da tributação do estoque dos rendimentos dos fundos fechados. Entra uma
vez e some. Minha avaliação é de que ao menos um terço das receitas extras
obtidas será permanente. Dessas avaliações decorre minha expectativa de alta
real de 7% para a receita líquida no ano.
Num cenário otimista, digamos que a receita
suba 8%. Neste caso, o déficit primário projetado cairia de R$ 70 bilhões para
R$ 47 bilhões, ou 0,4% do PIB. A banda inferior da meta zero, como mencionei, é
um déficit de R$ 28,8 bilhões, de modo que ainda seria preciso encontrar uma
ajuda adicional pela receita ou pelo gasto da ordem de R$ 18,2 bilhões.
A regra de contingenciamento de despesas
discricionárias (não obrigatórias) aprovada na Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) de 2024 leva a crer que o governo poderia congelar, no máximo, cifra
pouco superior a R$ 22 bilhões. Já considero, no déficit inicial estimado, um
corte de algo como R$ 7 bilhões (em relação às discricionárias do primeiro
relatório bimestral). Logo, seria possível cortar mais R$ 15 bilhões.
Se o julgamento da questão da lei da
desoneração da folha de pagamentos der o resultado esperado no STF, como
entendo que dará, já que é flagrantemente inconstitucional, então as contas
acima seriam auxiliadas em mais R$ 10 bilhões, possivelmente.
Nesse cenário otimista, a meta fiscal de 2024
seria cumprida e os gatilhos não precisariam ser acionados. Mas, se as receitas
líquidas crescerem menos, como projetamos, na casa de 7%, então ainda faltaria,
mesmo com a ajuda do fim da desoneração da folha e o contingenciamento nos
montantes mencionados, algo como R$ 16 bilhões para o governo entregar um
resultado fiscal condizente com o limite inferior da meta.
O Novo Arcabouço Fiscal prevê essa hipótese.
A meta pode ser rompida, mas é preciso bancar o acionamento dos gatilhos,
medidas automáticas de ajuste fiscal. O primeiro gatilho é a redução da taxa de
crescimento do limite de gastos calculada para 2026 e o segundo é um conjunto
de proibições de gastos novos para todos os Poderes.
Estas últimas restrições seriam acionadas de
imediato (assim que o descumprimento da meta fosse verificado, no início de
2025) e seriam ampliadas (proibição de reajuste salarial e de concurso público)
caso a meta fiscal fosse rompida novamente em 2025.
O governo vai bancar a regra fiscal completa?
Após a edição do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, que
trouxe uma meta fiscal zero que não é zero, com abatimentos contábeis de quase
R$ 40 bilhões, e após o avanço da flexibilização do Novo Arcabouço Fiscal no
Congresso, a credibilidade do governo está abalada.
Hoje, é bem mais difícil imaginar o
acionamento dos gatilhos. Fato é que, se enfiarem o pé na jaca no primeiro ano
de vigência do Novo Arcabouço Fiscal, o último que sair terá de apagar a luz.
Para estabilizar a dívida/PIB, há um longo caminho. Nem começamos a debater
isso. Estamos no passo zero. Falharemos antes de começar?
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