No TSE, Cármen Lúcia terá de enfrentar desinformação e IA
O Globo
Ministra que assume a Corte em junho se
mostra atenta aos riscos trazidos pela tecnologia às eleições
Como era previsto, a ministra do
Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia foi escolhida para presidir o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por dois anos a partir de junho, em
substituição ao ministro Alexandre de Moraes. Ela tem mantido desde
já reuniões com empresas de tecnologia, visando à adoção de medidas eficazes
para combater a desinformação nas eleições municipais no segundo semestre.
Presidente do TSE em
2012 e 2013, Cármen demonstra estar ciente de que hoje os desafios têm outra
natureza e dimensão, com o espectro do uso intensivo de inteligência artificial
(IA) nas campanhas eleitorais.
“Temos uma situação completamente inédita na história da humanidade, com um grande volume de dados passados nos nossos aparelhos”, afirmou num evento em São Paulo. De acordo com ela, as campanhas de desinformação podem criar uma versão contemporânea dos proverbiais “currais eleitorais” do passado, que ela descreve como “coronelismo digital”.
No início do ano, Cármen foi relatora de 12
resoluções no TSE para as eleições municipais. Entre as novas medidas, uma
estabeleceu a proibição das manipulações de áudios e vídeos conhecidas como
deep fake. A decisão é oportuna. A eleição presidencial na Argentina no ano
passado, com vídeos fraudulentos veiculados pela campanha dos principais
candidatos, tornou evidentes os riscos. A proibição do TSE nada mais fez que
estender ao meio digital as regras válidas para propaganda eleitoral por rádio
e TV. No Brasil, são vedadas “montagens, trucagens, computação gráfica,
desenhos animados e efeitos especiais”. As resoluções que proibiram o deep fake
permitiram o uso de IA em versões mais benignas, desde que as peças de áudio ou
vídeo deixem isso claro aos eleitores.
Dois artigos, em especial, ampliaram a
responsabilidade dos candidatos por uso de desinformação. Um veda “conteúdo
fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou
descontextualizados, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou
à integridade do processo eleitoral”. Em caso de abuso, a regra prevê a
cassação do registro ou do mandato. O outro artigo torna provedores
corresponsáveis pelos crimes eleitorais quando não removerem imediatamente
conteúdos e contas ilegais durante a campanha.
Cármen deixou claro que a regulação das redes
sociais e da IA nada tem a ver com limitar liberdades: “É perigosíssimo
imaginar que deformando, desinformando, mentindo, você terá um resultado que
seja a liberdade do eleitor”. Também foi específica em relação ao papel das
plataformas digitais: “Como é que se põe numa rede algo que faz mal à essência
humana, à liberdade, com consequências para o povo, com consequências para a
democracia, e diz ‘não tenho nada a ver com isso’?”.
Os brasileiros estão entre os usuários mais
entusiasmados de plataformas digitais. As eleições de 2022 foram pródigas em
exemplos de manipulação. Continua alto o risco de um novo ciclo eleitoral
marcado por desinformação veiculada com a intenção de conquistar votos — e o
Congresso continua omisso em relação à questão. Diante da apatia
incompreensível do Legislativo na aprovação de leis para regular as redes
sociais, não deixa de ser um alento que pelo menos o Judiciário esteja atento.
Governo repete erros conhecidos com programa
de apoio a estaleiros
O Globo
Administração petista quer mais uma vez usar
encomendas da Petrobras para incentivar a indústria naval
No início do atual governo, o presidente
da Petrobras, Jean Paul
Prates, anunciou que a estatal encomendaria 25 navios e afretaria 11
outras embarcações no Brasil, como forma de dar impulso à indústria naval.
Previa-se que, a esta altura, ela empregaria 41 mil funcionários, 60% acima dos
atuais 26 mil. Passado pouco mais de um ano, as promessas esbarram na realidade
de um setor em crise, com estaleiros em recuperação judicial, à espera mais uma
vez da ajuda de Brasília.
A última foi concedida no final do primeiro
governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando a então ministra de Minas e Energia,
Dilma Rousseff, foi para a Casa Civil. Do novo posto, a futura sucessora de
Lula pôs em prática o incentivo à indústria naval à base do crédito subsidiado
pelo contribuinte, que resultou em fracasso. O governo chegou a criar uma
semiestatal, a Sete Brasil, para garantir encomendas de navios e sondas no mar.
A empresa foi um dos principais focos da corrupção desmascarada pela Operação
Lava-Jato.
O novo plano para incentivar a produção de
navios e plataformas no Brasil ainda está em discussão no governo, coordenada
pelo Ministério do Desenvolvimento. Mais uma vez, a intenção é que o BNDES seja
o agente financeiro da empreitada. A ideia é criar incentivos tributários e,
como não poderia deixar de ser, regras de conteúdo local, com exigência de
componentes produzidos internamente, a pretexto de gerar renda e criar empregos
no país. Em troca, os estaleiros teriam a garantia de encomendas de navios feitas
pela Transpetro, outra subsidiária da Petrobras que já foi foco de esquemas de
corrupção. O BNDES prevê aprovar ainda neste ano R$ 5 bilhões para esses
projetos, com recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM).
O fracasso anterior no uso do poder de compra
da Petrobras como pilar da reserva de mercado para estaleiros recomenda
cuidado. Quando o BNDES libera recursos subsidiados, a conta em algum momento
chega ao Tesouro Nacional. Transferências de dinheiro do contribuinte para
abater juros cobrados a empresas costumam ocorrer de forma obscura. O desfecho
dessas aventuras financeiras e fiscais costuma resultar em menos eficiência,
mais inflação e juros mais altos.
Diante do risco de novo fracasso, o governo
decidiu reduzir, num primeiro momento, as embarcações licitadas pela Petrobras
de 25 para apenas quatro. Mesmo assim, se forem mantidos os subsídios e a
reserva de mercado, é enorme a chance de os mesmos problemas se repetirem. Seja
pela baixa qualidade das embarcações, seja pelo atraso na entrega. Na última
aventura para fortalecer a indústria naval brasileiro, a Petrobras foi obrigada
a afretar embarcações no exterior (como poderia ter feito desde o início). Precisava
dos navios, e eles não eram entregues ou não cumpriam as especificações
técnicas exigidas. É longa a experiência brasileira em fracassos de políticas
industriais sustentadas por reserva de mercado e crédito subsidiado. A nova
iniciativa do governo mostra que, aparentemente, o país nada aprendeu com os
erros do passado.
Falta preparo para lidar com desastres no
país
Folha de S. Paulo
Enfrentamento eficiente de calamidades como a
que atinge o RS precisa entrar para rotina do poder público e da sociedade
Dos debates despertados pela catástrofe
das chuvas no Rio Grande do Sul, o sobre como liberar verba pública
emergencial preocupa menos. Há longa tradição nos regimes orçamentários
governamentais para facilitar, muitas vezes sem o devido controle, despesas
urgentes e inesperadas.
O que deveria mobilizar as atenções é a falta
de preparo e organização do poder público e da sociedade para salvar vidas e
mitigar os estragos materiais nesses episódios frequentes no Brasil.
Não seria preciso mudança
climática nem variações cíclicas na temperatura das águas do
oceano Pacífico para declarar o Sul do país como uma área de risco de
inundações e deslizamentos. A história natural do planeta escavou ali uma
gigantesca calha de escoamento hídrico exposta a tempestades.
Sobretudo Rio Grande do Sul e Santa Catarina
deveriam ter o mesmo nível de organização para lidar com dilúvios que Japão, Chile e Califórnia desenvolveram
em relação aos riscos de sismos e maremotos.
Regras de ocupação do solo e métodos
construtivos, sistemas de
alerta e evacuação, simulações periódicas das reações a desastres,
protocolos que centralizam, disponibilizam e disparam informações, núcleos de
gestão que estabelecem prioridades e coordenam as diversas burocracias
envolvidas.
Pouco disso transparece na resposta das
autoridades municipais, estaduais e federais à elevação das águas no Rio Grande
do Sul, o que não é problema apenas gaúcho. O improviso, o excesso de confiança
no voluntarismo e a falta de informações tempestivas caracterizam a reação a
desastres no país.
O objetivo nas primeiras horas após uma
catástrofe é reduzir danos, evitar mortes e internações, abrigar desalojados
e preservar a
infraestrutura de abastecimento de bens e serviços essenciais.
Para cumprir bem essa tarefa, é preciso
organização. Os recursos físicos e os humanos devem chegar no volume adequado
aos locais mais necessitados no menor tempo possível. A informação tem de ser
precisa e circular depressa.
Trata-se de uma operação análoga à de uma
guerra, e quem vai despreparado para uma guerra no mínimo terá mais perdas do
que teria caso houvesse se precavido.
É preciso melhorar rapidamente a efetividade
das ações no Rio Grande do Sul, pois é provável que outros temporais e ondas de
frio se abatam sobre regiões gaúchas.
A lição que fica, para o estado e o país, é
que não é mais tolerável que autoridades e sociedade esperem os desastres
acontecerem para tomar medidas óbvias de planejamento e cautela para situações
emergenciais. Pois é certo como o nascer do Sol que elas voltarão a ocorrer em
breve.
Netanyahu sob pressão
Folha de S. Paulo
Premiê tenta evitar julgamento político e
criminal ao adiar cessar-fogo em Gaza
Duas características marcam a trajetória do
primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu: adiar decisões importantes e
colocar sua sobrevivência política à frente de quaisquer outros interesses. É o
que vem impedindo a aceitação por parte de Israel de um cessar-fogo na guerra
em Gaza.
Netanyahu quer a todo custo evitar a
antecipação de eleições. A maioria das pesquisas indica que sua coalizão seria
derrotada, o que significa que ele teria de deixar o cargo de premiê e
enfrentar processos criminais por corrupção.
Seus aliados de extrema direita exigem que,
para manter a coalizão, Israel não aceite nada que possa ser interpretado como
vitória do Hamas, inclusive um acordo que finde as operações militares.
De outro lado, as famílias dos reféns cobram
que a libertação seja prioridade. E a chance
realista de trazê-los de volta passa pela negociação de um
cessar-fogo com o Hamas seguido da troca dos sequestrados por prisioneiros
palestinos.
Na esfera internacional, Israel precisa lidar
com pressões de países aliados, que querem evitar uma
ação de maior envergadura em Rafah, o que certamente ampliaria a
carnificina de civis palestinos.
Os EUA, maior aliado, tentam moderar o premiê
—se não por humanitarismo, porque a
continuidade da guerra pode prejudicar a reeleição do presidente Joe Biden.
Em tese, não é impossível encontrar uma
fórmula que acomode esses interesses. Um cessar-fogo temporário, que não soe
para os israelenses como capitulação diante do Hamas, sucedido pela libertação
dos reféns, poderia ser alternativa palatável para Netanyahu.
No entanto sua preferência pessoal parece ser
a de buscar algo que possa ser vendido como a destruição total do Hamas, por
mais irreal que seja esse objetivo.
Outro problema é que, a menos que o premiê
amplie a guerra para o Líbano e até o Irã, o que parece excessivo até para seus
padrões, em algum momento os combates terão de acabar e o governo terá de
responde politicamente pelos erros.
Quaisquer que sejam os cálculos de Netanyahu, está se aproximando o momento em que ele não poderá mais adiar decisões.
‘A ficha caiu’
O Estado de S. Paulo
Quando um dos principais investidores do País
declara publicamente que errou por ter acreditado na seriedade de Lula no trato
das contas públicas, o recado do mercado está dado
Como muitos brasileiros, o presidente e
diretor de investimentos da Verde Asset, Luis Stuhlberger, lamenta ter confiado
na possibilidade de o presidente Lula da Silva fazer um esforço para equilibrar
as contas públicas. “Eu me penitencio por ter acreditado que o PT teria alguma
seriedade fiscal”, afirmou em encontro com investidores.
O gestor do Fundo Verde, conhecido por
entregar resultados que superam em muito a rentabilidade média do mercado,
disse que “a ficha caiu” quando o Executivo anunciou mudanças na meta fiscal de
2025 e transformou o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em uma
peça de ficção.
Stuhlberger não está sozinho em sua decepção.
Muitos analistas acreditaram no arcabouço e nas metas fiscais quando eles foram
apresentados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no início do ano
passado. Nas últimas semanas, no entanto, mesmo os mais otimistas têm
demonstrado preocupação com a evolução das contas públicas.
Nem mesmo o fato de a Moody’s ter elevado a
perspectiva da nota de crédito do País de estável para positiva acalmou o
mercado financeiro. Ao contrário. Para Armínio Fraga, ex-presidente do Banco
Central (BC) e sócio da Gávea Investimentos, sob o ponto de vista fiscal, o
Brasil, inclusive, já deveria ter sido rebaixado.
Não se pode dizer que Stuhlberger ou Fraga
sejam pessoas ingênuas. Ao contrário da maioria dos brasileiros, ambos são
grandes investidores e têm plenas condições de proteger seu patrimônio e o de
seus clientes. E é o que já estão fazendo, como tradicionalmente ocorre em
momentos de incertezas e turbulências.
Reduzir a exposição a ações de empresas
brasileiras ou títulos emitidos pelo governo e optar por ativos mais seguros, a
exemplo dos títulos do Tesouro norteamericano, não é torcer contra o País ou
ser antipetista, mas ser realista e corrigir posições antes que elas custem
caro.
Um ano antes da última eleição presidencial,
o gestor do Fundo Verde declarou publicamente que jamais votaria novamente em
Jair Bolsonaro, a quem atribuía a pior gestão mundial no combate à pandemia de
covid-19. Fraga, por sua vez, declarou voto em Lula da Silva em nome da defesa
da democracia, continuamente alvejada por Bolsonaro entre 2019 e 2022.
Não foram os únicos. Muitos brasileiros
agiram como eles e apostaram suas fichas em Lula da Silva na disputa eleitoral
de 2022. E o fizeram não por acreditar na agenda econômica do PT, mas para se
verem livres de Bolsonaro – um motivo mais do que compreensível diante de seu
pavoroso governo.
Muitos imaginavam que Lula da Silva teria,
enfim, compreendido que os equívocos do governo Dilma Rousseff não apenas
geraram uma profunda recessão, como criaram as condições ideais para a eleição
de um desqualificado como Jair Bolsonaro.
A origem da crise que a derrubou foi
justamente a desastrosa política econômica que a então presidente legou ao
País. Desde aquela trevosa época, déficits primários assumiram um caráter
permanente, como se o País nunca tivesse sido capaz de apresentar um Orçamento
minimamente equilibrado.
A facilidade com que o atual governo
desrespeitou o arcabouço fiscal – que, diga-se de passagem, este mesmo governo
propôs – mostrou que Lula da Silva não é só incapaz de aprender com os erros do
passado; ele é incapaz de entender que errou.
“Me caiu a ficha de como pude acreditar que
haveria o mínimo de responsabilidade desse governo cujo único objetivo é ganhar
eleição”, afirmou Stuhlberger, ecoando um sentimento que é de muitos neste
momento em que a democracia não está mais sob ameaça.
O petista não entendeu, até hoje, por que foi
eleito por uma margem tão estreita de votos nem assimilou por que não conseguiu
reunir nem 2 mil pessoas para vê-lo discursar no ato comemorativo do 1.º de
Maio em São Paulo. Tampouco foi convencido sobre a importância de zerar o
déficit fiscal, que para ele é uma discussão inócua e irritante.
Seria bom que algum de seus numerosos
assessores tentasse explicar ao chefe a importância desses e de outros temas
para a estabilidade de seu próprio governo. Na falta de candidatos, o mercado,
que nunca é pego de surpresa e sempre se antecipa à chegada de crises, tem dado
um eloquente recado.
Um governo que atira a esmo
O Estado de S. Paulo
Lula já cumpriu um terço do mandato, mas seu
governo ainda prepara ‘projetos’ para a segurança pública. Enquanto isso,
renova a ineficaz operação militar em portos e aeroportos
Passado um terço do mandato, o governo do
presidente Lula da Silva coleciona uma constrangedora soma de erros e
fragilidades na segurança pública. Numa área especialmente sensível para a
população e historicamente desprezada pelo PT, até se abriu uma boa janela de
oportunidade com a transferência do então ministro da Justiça e Segurança
Pública – o animador de auditório Flávio Dino – para uma cadeira no Supremo
Tribunal Federal, e sua substituição pelo discreto Ricardo Lewandowski. A
mudança nesse caso teria sido uma chance notável para a pasta, trocando o
histrionismo populista de um para a desejada qualificação técnica e o
comedimento de outro. O estilo do titular pode ter mudado, mas o governo
continua errático no enfrentamento daquele que é hoje, segundo pesquisas, o
principal problema nacional na opinião da população.
Tome-se o exemplo da prorrogação da operação
de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e
de São Paulo. Anunciada há seis meses com a convicção entre especialistas de
que seria uma medida ineficaz, a GLO acaba de ser renovada por 30 dias – e
depois se sabe lá até quando, conforme as conveniências pirotécnicas da gestão
lulopetista. No papel, o objetivo da operação é promover uma “asfixia” de
organizações criminosas que usam os principais terminais aeroportuários, ou seja,
os portos de Santos, do Rio de Janeiro e de Itaguaí e os aeroportos do Galeão e
de Guarulhos. Na prática, confirmaram-se os prognósticos mais desabonadores:
alto custo financeiro, uso indevido das Forças Armadas, volume e qualidade de
apreensões questionáveis e uma descabida teatralidade para a tal “asfixia”,
enquanto o crime se mostra muito mais preparado para driblar as autoridades do
que faz crer a fiscalização com local e hora marcados.
Como este jornal já afirmou, a GLO de Lula é
uma demonstração das razões pelas quais a situação de segurança pública está do
jeito que está: tudo parece resumir-se a uma grande farsa. Seria pedir, por
decreto, para dar errado. Como, afinal, o crime organizado pode ser enfrentado
com uma força-tarefa em três portos e dois aeroportos, e que por sua natureza
precisa ter prazo temporário? Ademais, trata-se não só de uma medida inútil,
mas também de um equívoco institucional e funcional por envolver as Forças Armadas
na segurança pública. Militares não têm essa atribuição nem foram treinados
para isso, lição aprendida na intervenção federal do Rio de Janeiro, em 2018.
Mas o espalhafato na segurança pública costuma ser um atalho providencial para
lideranças movidas por mero cálculo político-eleitoral. Rende boas imagens,
produz barulho e gera a falsa sensação de que o governo está trabalhando contra
o crime.
Nesta semana, o secretário Nacional de
Segurança Pública, Mário Sarrubbo, disse ao Estadão que o combate ao crime
organizado deve ser prioridade número um. A partir de sua experiência como
procurador-geral de Justiça de São Paulo, Sarrubbo demonstrou apostar na
estratégia de asfixia financeira das facções, no reforço das equipes de
investigação de crimes e no aumento dos efetivos das polícias estaduais. Para
ele, isso exige inteligência, melhora nos índices de esclarecimento de crimes e
baixa letalidade policial. Difícil discordar. É um bom cardápio de ideias,
especialmente num governo que costuma acreditar que a prevenção e o combate à
criminalidade são sinônimos de truculência a serviço das elites nacionais. É
também um freio de contenção em quem acredita em operações espetaculosas,
violentas e ostensivas como forma de garantir resultados na segurança.
Ocorre que a entrevista do secretário oferece
uma inquietante sensação de recomeço. Sarrubbo anunciou que está com “vários
projetos saindo do forno”, que serão apresentados nas próximas semanas. Ora, e
que fim levou o programa de Enfrentamento às Organizações Criminosas, anunciado
com pompa por Flávio Dino? Era, decerto, uma peça genérica de intenções, o que
fica evidente quando Sarrubbo nem sequer o menciona. Vê-se que o governo perdeu
tempo em demasia, ora desfazendo os erros do governo anterior, ora ocupado com
sua performance cênica. Ainda está para mostrar do que se ocupará daqui para a
frente.
Anielle Franco não decepciona
O Estado de S. Paulo
Com bastante tempo livre, a ministra resolveu
usar a tragédia gaúcha para fazer proselitismo político
A ministra da Igualdade Racial, Anielle
Franco, que talvez esteja com bastante tempo livre, resolveu se ocupar da
tragédia climática e humanitária do Rio Grande do Sul, mas não para confortar
os gaúchos, e sim para fazer proselitismo político ordinário. Numa rede social,
a pretexto de enfatizar “a importância do voto” – de resto, uma obviedade –, a
sra. Anielle insinuou que os gaúchos talvez devessem escolher melhor seus
representantes políticos no futuro caso não queiram passar outra vez pelas
agruras de que padecem no momento.
“Amanhã (dia 8/5) é o último dia para
regularizar ou tirar o título de eleitor para votar nestas eleições”, escreveu
a ministra no X. “Se você ainda não fez isso ou conhece quem não tenha feito,
corre para fazer. Votar em quem atua em prol da vida das pessoas e do povo
brasileiro é o que faz a realidade mudar”, concluiu. Antes, Anielle alardeou
que, “diante da tragédia do Rio Grande do Sul, nosso governo investiu mais de
R$ 1,5 bilhão” em supostas ações de saúde pública e auxílio à população “que só
um governo que se preocupa com as pessoas faz”.
Decerto alertada por algum assessor sobre a
barbaridade do que havia escrito, Anielle apagou a postagem. O que é impossível
de ser apagado, no entanto, é o fato de a ministra ser absolutamente
desqualificada para o serviço público – se não à luz desse deserto programático
em que se converteu a pasta que comanda, por sua inequívoca demonstração de
oportunismo rasteiro aliado à falta de empatia com seus concidadãos gaúchos.
Quem se presta a exercer cargo público deveria saber que não há interesse
político, partidário ou ideológico que, numa sociedade que se pretende
civilizada, se sobreponha a imperativos morais e humanitários.
Nesse sentido, Anielle não decepciona.
Afinal, ela não foi escolhida para integrar o governo Lula da Silva por seu
histórico de realizações na promoção da igualdade racial. Lá está como um
agrado do presidente da República a uma parcela da militância dita progressista
mais ligada aos movimentos identitários. Não por acaso, a única ideia que a
ministra foi capaz de conceber para atuar em meio às enchentes que maltratam
todo o povo do Rio Grande do Sul foi priorizar “o povo cigano e os quilombolas”
na entrega da água e dos alimentos que têm sido enviados ao Estado pelo Brasil,
num surto identitário que mal esconde a desumanidade.
Ao que parece, ao se lançar de forma tão
desabrida à propaganda política num momento de dor e união nacional, não passou
pela cabeça da ministra que o fenômeno climático, na escala em que se desdobrou
no Estado, surpreenderia até o mais precavido e diligente dos governantes.
Talvez nem Lula espere muita coisa de Anielle Franco à frente pasta da Igualdade Racial. Mas, em política, o comportamento das autoridades tem uma dimensão simbólica tão ou mais importante do que suas realizações práticas, sobretudo ministros de um governo que serve a todos os cidadãos, não a seus nichos de apoio. Com poucas palavras, Anielle demonstrou não ter nem uma coisa nem outra a apresentar à Nação.
Congresso precisa rever projetos ambientais à
luz da crise no RS
Valor Econômico
Há pelo menos 25 projetos de lei em
tramitação que, se aprovados, prejudicariam biomas em todo o país e deixariam
cidades ainda mais vulneráveis a fenômenos climáticos extremos
A tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul
impõe uma mudança radical na maneira como os poderes públicos precisam proteger
suas populações e se precaver das mudanças climáticas. Os gaúchos vêm
enfrentando secas atrozes e enchentes devastadoras, mas o que ocorreu na última
semana ultrapassa os limites do habitual e do conhecido. Praticamente o Estado
inteiro está paralisado pelas águas, que tornaram inoperante toda a
infraestrutura de transportes, energia, comunicação, saúde e distribuição de
alimentos e água. Dos 497 municípios, 417 foram afetados pelas chuvas,
colocando quatro em cada cinco dos 10,8 milhões de gaúchos à mercê de privações
graves. Porto Alegre, com 1,33 milhão de habitantes, a 11ª maior cidade do
país, aguarda que o nível do Guaíba, que subiu 5,2 metros, baixe para atender
milhares de habitantes ilhados. Pela extensão de áreas atingidas, abrangência
de atividades paralisadas e número de pessoas afetadas, mas não em número de
mortos, é uma catástrofe sem igual na história recente do país.
O Rio Grande tem sido palco de uma sequência
crescente de eventos climáticos nocivos, e o drama de agora pode ter
transformado a quantidade em qualidade. Isso indica que as maiores e mais ricas
cidades da região Sul, mas não só elas, estarão vulneráveis a cataclismos
iguais ou piores, à medida que o aquecimento global vai tornando o flagelo de
tempestades furiosas e fortes secas um padrão recorrente. Assim como o apoio
político e material, galvanizado por uma onda de solidariedade popular
vigorosa, está sendo vital para amparar a população gaúcha, a união política e
a ação dos poderes públicos terá de ser menos leniente, menos imediatista e
muito mais vigilante para minimizar futuras tragédias que certamente virão.
A maior parte das emissões de carbono do
Brasil são provenientes da eliminação da cobertura vegetal, o desmatamento,
sobretudo legal. Não são simples coincidências as severas secas na Amazônia,
incêndios sucessivos no Pantanal, deslizamentos mortais de terras nas urbes e a
sequência de cataclismos no Sul. As causas do aquecimento global têm de ser
combatidas com mais vigor, assim como suas consequências, até hoje encaradas
sem planejamento, pessoal e recursos à altura dos desafios.
Parte fundamental dessa tarefa cabe ao
Congresso Nacional, que tem se inclinado em demasia para o lado oposto do que
seria uma atitude responsável e cientificamente iluminada. O Observatório do
Clima (OC) e outras ONGs levantaram 25 projetos de lei em diferentes estágios
de tramitação na Câmara e no Senado que, se aprovados, tendem a tornar terra
arrasada não só a já fragilizada Amazônia e o Cerrado, mas todos os biomas do
país, tornando as cidades ainda mais vulneráveis a fenômenos climáticos
extremos.
Três dos projetos que fragilizam o ambiente
são de autoria ou têm relatoria de parlamentares gaúchos, que têm agora todos
os motivos para reverem suas posições. O PL 364/2019, relatado por Lucas
Redecker (PSDB-RS) e aprovado em março na CCJ da Câmara, elimina a proteção a
toda vegetação nativa não florestal do país. Ele afetaria toda a Mata Atlântica
como 6,3 milhões de hectares do Pampa gaúcho, segundo o Observatório do Clima,
além de metade do Pantanal (7,4 milhões de ha).
O PL 1282, apresentado pelo senador Luiz
Carlos Henze (PP-RS), foi aprovado na Câmara em 2023 e libera obras de
irrigação em áreas de proteção permanente. Ele pode ampliar o desmatamento em
áreas protegidas e o conflito pela água, segundo o OC. Juntado a outro PL,
aguarda votação no Senado. Já o PL 10273, de 2018, do deputado Jerônimo Goergen
(PP-RS), limita a taxa de fiscalização e controle do Ibama, dividida com
secretarias estaduais de ambiente, aos projetos licenciados pelo órgão. O
governo calcula uma redução de até R$ 1 bilhão a menos nas atividades dos
órgãos ambientais, e de R$ 600 milhões no já depauperado Ibama.
Há projetos ainda piores a caminho das
votações. O PL 3334/2023 reduz de 80% para 50% a reserva legal na Amazônia,
dando a cobertura legal para uma devastação ainda mais intensa do que a ocorreu
nos últimos anos. Está na CCJ do Senado. Outra iniciativa é o PL 2159, de 2021,
já aprovado na Câmara e sob escrutínio do Senado, com relatoria, na Comissão de
Agricultura, da senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura de
Jair Bolsonaro. É a peça preferida da Frente Parlamentar da Agropecuária: torna
o licenciamento ambiental autodeclaratório e isenta da obrigatoriedade uma
extensa lista de atividades que hoje exigem o processo.
Os parlamentares precisarão rever suas convicções à luz da tragédia gaúcha. Se esses projetos forem aprovados, a piora das condições climáticas será uma certeza, atuando contra a eficácia de medidas de prevenção e adaptação às mudanças climáticas que precisam ser planejadas e executadas com celeridade e eficiência. O Ministério do Meio Ambiente tem bons planos a caminho, e o Congresso deveria reconsiderar as peças legais que podem impedir o objetivo maior de proteger os brasileiros de hecatombes climáticas como as que se desenvolvem hoje em solo do Rio Grande do Sul.
Governo e Congresso acertam em se antecipar
Correio Braziliense
Seguramente a safra agrícola do estado será
afetada pelas fortes chuvas, inundações e deslizamentos de encosta, assim como
a produção agropecuária, provocando desequilíbrio no abastecimento interno e
gerando pressão sobre os preços
A afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva de que o Brasil poderá importar arroz e feijão mostra que o governo está
se antecipando aos impactos secundários da catástrofe climática que atingiu o
Rio Grande do Sul e já deixou quase uma centena de mortos, desaparecidos e
milhares de desabrigados, além de causar destruição nas cidades e no campo.
Seguramente a safra agrícola do estado será afetada pelas fortes chuvas,
inundações e deslizamentos de encosta, assim como a produção agropecuária,
provocando desequilíbrio no abastecimento interno e gerando pressão sobre os
preços. Em meio aos esforços para encontrar desaparecidos e socorrer pessoas
ilhadas, pode parecer precipitado ter preocupação com a elevação de preços.
Não! O que falta no Brasil em inúmeras situações é exatamente ação preventiva.
E, mais do que a afirmação do presidente, o
Ministério da Agricultura já prepara um edital para efetuar a compra de 1
milhão de toneladas de arroz, volume pouco acima da previsão de perdas prevista
na safra do grão, que era estimada em 7,5 milhões de toneladas e que deve cair
para 6,7 milhões de toneladas, ou 800 mil toneladas apenas no Rio Grande do
Sul. Isso porque grande parte da colheita já havia sido feita. Assim como o
governo acerta em se antecipar e agir para minimizar impactos da tragédia sobre
os preços, acerta também o Congresso Nacional ao agilizar a aprovação de
medidas como a decretação de estado de calamidade, que permite acelerar a
liberação de recursos e flexibilizar o uso dos mesmos dentro das regras
fiscais.
Um levantamento feito pela Confederação
Nacional dos Municípios (CNM) com base nos dados de apenas 25 dos 336
municípios em estado de calamidade pública com perdas contabilizadas no
Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional mostra que, somente
nessas cidades, os prejuízos totais, até o momento, chegam perto de R$ 1
bilhão, com a maior parte na agricultura e pecuária (R$ 500 milhões). Esses
números dão uma dimensão das perdas materiais que o estado e o país vão ter com
a catástrofe climática que atingiu e ainda ameaça o Sul do Brasil.
Há cidades que precisarão ser quase que
totalmente reconstruídas, assim como estradas, pontes e outras infraestruturas
danificadas pelo excesso de água. Apesar da urgência, é necessário que medidas
sejam tomadas paralelamente para que essas estruturas estejam mais preparadas
para enfrentar fenômenos desse tipo. E há exemplos: destruído por terremotos, o
Japão reconstruiu seus prédios passando a usar amortecedores na estrutura dos
mesmos. Assim deve ser a lógica de reconstrução no Sul, com limpeza e alargamento
de galerias pluviais e outras iniciativas para o escoamento de um volume maior
de chuvas nas cidades.
Se não é possível conter todo o impacto das
catástrofes naturais, é preciso que os orçamentos públicos passem a incorporar
recursos para lidar com as mudanças climáticas. Não há mais como esperar que
outros desastres climáticos ocorram para que se pense e busque recursos.
Investimentos em medidas de prevenção, ainda que sejam apenas para a adoção de
um sistema de alarme sonoro para tempestade, podem ser a diferença entre salvar
vidas e perder vidas. Agir preventivamente é cada vez mais necessário diante de
um cenário de mudanças climáticas que vão produzir eventos naturais extremos
com mais frequência.
Fake news em meio à tragédia gaúcha
Correio Braziliense
Inverdades imputam responsabilidades às mais
diferentes autoridades — governos federal e estadual, Congresso Nacional e
Judiciário, por um fenômeno da natureza. Elas são acusadas de negligência e
indiferença ao dramático episódio que assola a vida de milhares de gaúchos
Milhares de brasileiros, instituições
públicas e privadas, organizações da sociedade civil estão mobilizadas e unidas
para ajudar a população do Rio Grande do Sul, vítima de um dos mais severos
eventos climáticos extremos. Os representantes dos Três Poderes deixaram de
lado suas divergências e, unidos, voltaram as atenções para a catástrofe
enfrentada pelos gaúchos desde 29 de abril. Até ontem, 425 dos 497 municípios
do estado foram afetados pelos torrenciais temporais. As enchentes levaram 100
pessoas à morte, 130 estão desaparecidas, 67 mil em abrigos e 163 mil
desalojadas. No total, foram impactadas 1,4 milhão de indivíduos do Rio Grande
do Sul. Em meio à maior tragédia climática enfrentada pelo estado, criado há
287 anos, a irresponsabilidade e a mentira campeiam nas redes sociais.
Inverdades imputam responsabilidades as mais
diferentes autoridades — governos federal e estadual, Congresso Nacional e
Judiciário, por um fenômeno da natureza. Elas são acusadas de negligência e
indiferença ao dramático episódio que assola a vida de milhares de gaúchos. Os
criadores e disseminadores de fake news, em total desprezo ao sofrimento, às
perdas materiais e à vida humana, que destroçam famílias, buscam acirrar
divergências políticas. Tentam minar o comportamento das forças e os poderes do
Estado, que deixaram de lado as diferenças ideológicas para convergir todas as
suas energias e saberes na direção de contribuir com soluções em favor do Rio
Grande do Sul.
A avalanche de fake news disseminada pelas
redes sociais, eivadas de ódio, impôs a mobilização da Polícia Federal para
identificar os responsáveis por tamanha covardia não só contra os Poderes
republicanos, mas também contra a sociedade brasileira, consternada com o drama
do povo do Rio Grande do Sul. Uma das mentiras denunciada pelo governador
gaúcho, Eduardo Leite, foi a "exigência de nota fiscal para doações e uso
do Pix oficial para finalidades além do auxílio às vítimas". Na verdade,
as doações em dinheiro são gerenciadas por um grupo de instituições, entre
elas, organizações da sociedade civil.
Os abusos cometidos nas redes sociais
tornaram imprescindível alcançar os autores e puni-los, como estabelece as
leis. Mas não só isso. Torna-se necessário, ante o descalabro no uso das
plataformas digitais, semelhante empenho do Congresso Nacional para regulamentar
esse instrumento virtual. Postergar tal providência é tentar apagar o recente
passado, quando as fake news reforçaram o negacionismo científico e induziram
milhares de brasileiros e milhões de outros mundo afora a rejeitar as vacinas
contra a covid-19.
No Brasil, mais de 700 mil pessoas morreram
pela covid-19. E, hoje, o Ministério da Saúde e organizações nacionais e
internacionais não medem esforços, por meio de campanhas, para imunizar
crianças, jovens, mulheres e homens, evitando que sejam vítimas de doenças
preveníveis. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em recente declaração à
imprensa, reconheceu como "fundamental" a regulamentação das
plataformas digitais. Segundo ele, elas não podem ser um ambiente de "vale
tudo", em que a manipulação de informações as tornam meios de propagação
do ódio e da violência e dos ataques às instituições.
A tragédia gaúcha mostra aos brasileiros e, possivelmente, ao mundo que o "país tropical, abençoado por Deus", carece de providências rigorosas tanto no campo da tecnologia quanto na relação humana com o meio ambiente. No universo digital, vale destacar a luta da filipina Maria Ressa, Prêmio Nobel da Paz 2021, que defende a responsabilização das empresas globais de tecnologia pela dispersão de conteúdos falsos e desinformações, uma vez que se veem imunes às sanções penais. No que tange ao meio ambiente, o Brasil tem leis e regras que podem conter os grupos que insistem numa relação hostil com patrimônio natural do país — resta cumprir.
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