quinta-feira, 9 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

No TSE, Cármen Lúcia terá de enfrentar desinformação e IA

O Globo

Ministra que assume a Corte em junho se mostra atenta aos riscos trazidos pela tecnologia às eleições

Como era previsto, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia foi escolhida para presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por dois anos a partir de junho, em substituição ao ministro Alexandre de Moraes. Ela tem mantido desde já reuniões com empresas de tecnologia, visando à adoção de medidas eficazes para combater a desinformação nas eleições municipais no segundo semestre. Presidente do TSE em 2012 e 2013, Cármen demonstra estar ciente de que hoje os desafios têm outra natureza e dimensão, com o espectro do uso intensivo de inteligência artificial (IA) nas campanhas eleitorais.

“Temos uma situação completamente inédita na história da humanidade, com um grande volume de dados passados nos nossos aparelhos”, afirmou num evento em São Paulo. De acordo com ela, as campanhas de desinformação podem criar uma versão contemporânea dos proverbiais “currais eleitorais” do passado, que ela descreve como “coronelismo digital”.

No início do ano, Cármen foi relatora de 12 resoluções no TSE para as eleições municipais. Entre as novas medidas, uma estabeleceu a proibição das manipulações de áudios e vídeos conhecidas como deep fake. A decisão é oportuna. A eleição presidencial na Argentina no ano passado, com vídeos fraudulentos veiculados pela campanha dos principais candidatos, tornou evidentes os riscos. A proibição do TSE nada mais fez que estender ao meio digital as regras válidas para propaganda eleitoral por rádio e TV. No Brasil, são vedadas “montagens, trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais”. As resoluções que proibiram o deep fake permitiram o uso de IA em versões mais benignas, desde que as peças de áudio ou vídeo deixem isso claro aos eleitores.

Dois artigos, em especial, ampliaram a responsabilidade dos candidatos por uso de desinformação. Um veda “conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral”. Em caso de abuso, a regra prevê a cassação do registro ou do mandato. O outro artigo torna provedores corresponsáveis pelos crimes eleitorais quando não removerem imediatamente conteúdos e contas ilegais durante a campanha.

Cármen deixou claro que a regulação das redes sociais e da IA nada tem a ver com limitar liberdades: “É perigosíssimo imaginar que deformando, desinformando, mentindo, você terá um resultado que seja a liberdade do eleitor”. Também foi específica em relação ao papel das plataformas digitais: “Como é que se põe numa rede algo que faz mal à essência humana, à liberdade, com consequências para o povo, com consequências para a democracia, e diz ‘não tenho nada a ver com isso’?”.

Os brasileiros estão entre os usuários mais entusiasmados de plataformas digitais. As eleições de 2022 foram pródigas em exemplos de manipulação. Continua alto o risco de um novo ciclo eleitoral marcado por desinformação veiculada com a intenção de conquistar votos — e o Congresso continua omisso em relação à questão. Diante da apatia incompreensível do Legislativo na aprovação de leis para regular as redes sociais, não deixa de ser um alento que pelo menos o Judiciário esteja atento.

Governo repete erros conhecidos com programa de apoio a estaleiros

O Globo

Administração petista quer mais uma vez usar encomendas da Petrobras para incentivar a indústria naval

No início do atual governo, o presidente da PetrobrasJean Paul Prates, anunciou que a estatal encomendaria 25 navios e afretaria 11 outras embarcações no Brasil, como forma de dar impulso à indústria naval. Previa-se que, a esta altura, ela empregaria 41 mil funcionários, 60% acima dos atuais 26 mil. Passado pouco mais de um ano, as promessas esbarram na realidade de um setor em crise, com estaleiros em recuperação judicial, à espera mais uma vez da ajuda de Brasília.

A última foi concedida no final do primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, foi para a Casa Civil. Do novo posto, a futura sucessora de Lula pôs em prática o incentivo à indústria naval à base do crédito subsidiado pelo contribuinte, que resultou em fracasso. O governo chegou a criar uma semiestatal, a Sete Brasil, para garantir encomendas de navios e sondas no mar. A empresa foi um dos principais focos da corrupção desmascarada pela Operação Lava-Jato.

O novo plano para incentivar a produção de navios e plataformas no Brasil ainda está em discussão no governo, coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento. Mais uma vez, a intenção é que o BNDES seja o agente financeiro da empreitada. A ideia é criar incentivos tributários e, como não poderia deixar de ser, regras de conteúdo local, com exigência de componentes produzidos internamente, a pretexto de gerar renda e criar empregos no país. Em troca, os estaleiros teriam a garantia de encomendas de navios feitas pela Transpetro, outra subsidiária da Petrobras que já foi foco de esquemas de corrupção. O BNDES prevê aprovar ainda neste ano R$ 5 bilhões para esses projetos, com recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM).

O fracasso anterior no uso do poder de compra da Petrobras como pilar da reserva de mercado para estaleiros recomenda cuidado. Quando o BNDES libera recursos subsidiados, a conta em algum momento chega ao Tesouro Nacional. Transferências de dinheiro do contribuinte para abater juros cobrados a empresas costumam ocorrer de forma obscura. O desfecho dessas aventuras financeiras e fiscais costuma resultar em menos eficiência, mais inflação e juros mais altos.

Diante do risco de novo fracasso, o governo decidiu reduzir, num primeiro momento, as embarcações licitadas pela Petrobras de 25 para apenas quatro. Mesmo assim, se forem mantidos os subsídios e a reserva de mercado, é enorme a chance de os mesmos problemas se repetirem. Seja pela baixa qualidade das embarcações, seja pelo atraso na entrega. Na última aventura para fortalecer a indústria naval brasileiro, a Petrobras foi obrigada a afretar embarcações no exterior (como poderia ter feito desde o início). Precisava dos navios, e eles não eram entregues ou não cumpriam as especificações técnicas exigidas. É longa a experiência brasileira em fracassos de políticas industriais sustentadas por reserva de mercado e crédito subsidiado. A nova iniciativa do governo mostra que, aparentemente, o país nada aprendeu com os erros do passado.

Falta preparo para lidar com desastres no país

Folha de S. Paulo

Enfrentamento eficiente de calamidades como a que atinge o RS precisa entrar para rotina do poder público e da sociedade

Dos debates despertados pela catástrofe das chuvas no Rio Grande do Sul, o sobre como liberar verba pública emergencial preocupa menos. Há longa tradição nos regimes orçamentários governamentais para facilitar, muitas vezes sem o devido controle, despesas urgentes e inesperadas.

O que deveria mobilizar as atenções é a falta de preparo e organização do poder público e da sociedade para salvar vidas e mitigar os estragos materiais nesses episódios frequentes no Brasil.

Não seria preciso mudança climática nem variações cíclicas na temperatura das águas do oceano Pacífico para declarar o Sul do país como uma área de risco de inundações e deslizamentos. A história natural do planeta escavou ali uma gigantesca calha de escoamento hídrico exposta a tempestades.

Sobretudo Rio Grande do Sul e Santa Catarina deveriam ter o mesmo nível de organização para lidar com dilúvios que JapãoChile e Califórnia desenvolveram em relação aos riscos de sismos e maremotos.

Regras de ocupação do solo e métodos construtivos, sistemas de alerta e evacuação, simulações periódicas das reações a desastres, protocolos que centralizam, disponibilizam e disparam informações, núcleos de gestão que estabelecem prioridades e coordenam as diversas burocracias envolvidas.

Pouco disso transparece na resposta das autoridades municipais, estaduais e federais à elevação das águas no Rio Grande do Sul, o que não é problema apenas gaúcho. O improviso, o excesso de confiança no voluntarismo e a falta de informações tempestivas caracterizam a reação a desastres no país.

O objetivo nas primeiras horas após uma catástrofe é reduzir danos, evitar mortes e internações, abrigar desalojados e preservar a infraestrutura de abastecimento de bens e serviços essenciais.

Para cumprir bem essa tarefa, é preciso organização. Os recursos físicos e os humanos devem chegar no volume adequado aos locais mais necessitados no menor tempo possível. A informação tem de ser precisa e circular depressa.

Trata-se de uma operação análoga à de uma guerra, e quem vai despreparado para uma guerra no mínimo terá mais perdas do que teria caso houvesse se precavido.

É preciso melhorar rapidamente a efetividade das ações no Rio Grande do Sul, pois é provável que outros temporais e ondas de frio se abatam sobre regiões gaúchas.

A lição que fica, para o estado e o país, é que não é mais tolerável que autoridades e sociedade esperem os desastres acontecerem para tomar medidas óbvias de planejamento e cautela para situações emergenciais. Pois é certo como o nascer do Sol que elas voltarão a ocorrer em breve.

Netanyahu sob pressão

Folha de S. Paulo

Premiê tenta evitar julgamento político e criminal ao adiar cessar-fogo em Gaza

Duas características marcam a trajetória do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu: adiar decisões importantes e colocar sua sobrevivência política à frente de quaisquer outros interesses. É o que vem impedindo a aceitação por parte de Israel de um cessar-fogo na guerra em Gaza.

Netanyahu quer a todo custo evitar a antecipação de eleições. A maioria das pesquisas indica que sua coalizão seria derrotada, o que significa que ele teria de deixar o cargo de premiê e enfrentar processos criminais por corrupção.

Seus aliados de extrema direita exigem que, para manter a coalizão, Israel não aceite nada que possa ser interpretado como vitória do Hamas, inclusive um acordo que finde as operações militares.

De outro lado, as famílias dos reféns cobram que a libertação seja prioridade. E a chance realista de trazê-los de volta passa pela negociação de um cessar-fogo com o Hamas seguido da troca dos sequestrados por prisioneiros palestinos.

Na esfera internacional, Israel precisa lidar com pressões de países aliados, que querem evitar uma ação de maior envergadura em Rafah, o que certamente ampliaria a carnificina de civis palestinos.

Os EUA, maior aliado, tentam moderar o premiê —se não por humanitarismo, porque a continuidade da guerra pode prejudicar a reeleição do presidente Joe Biden.

Em tese, não é impossível encontrar uma fórmula que acomode esses interesses. Um cessar-fogo temporário, que não soe para os israelenses como capitulação diante do Hamas, sucedido pela libertação dos reféns, poderia ser alternativa palatável para Netanyahu.

No entanto sua preferência pessoal parece ser a de buscar algo que possa ser vendido como a destruição total do Hamas, por mais irreal que seja esse objetivo.

Outro problema é que, a menos que o premiê amplie a guerra para o Líbano e até o Irã, o que parece excessivo até para seus padrões, em algum momento os combates terão de acabar e o governo terá de responde politicamente pelos erros.

Quaisquer que sejam os cálculos de Netanyahu, está se aproximando o momento em que ele não poderá mais adiar decisões.

‘A ficha caiu’

O Estado de S. Paulo

Quando um dos principais investidores do País declara publicamente que errou por ter acreditado na seriedade de Lula no trato das contas públicas, o recado do mercado está dado

Como muitos brasileiros, o presidente e diretor de investimentos da Verde Asset, Luis Stuhlberger, lamenta ter confiado na possibilidade de o presidente Lula da Silva fazer um esforço para equilibrar as contas públicas. “Eu me penitencio por ter acreditado que o PT teria alguma seriedade fiscal”, afirmou em encontro com investidores.

O gestor do Fundo Verde, conhecido por entregar resultados que superam em muito a rentabilidade média do mercado, disse que “a ficha caiu” quando o Executivo anunciou mudanças na meta fiscal de 2025 e transformou o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em uma peça de ficção.

Stuhlberger não está sozinho em sua decepção. Muitos analistas acreditaram no arcabouço e nas metas fiscais quando eles foram apresentados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no início do ano passado. Nas últimas semanas, no entanto, mesmo os mais otimistas têm demonstrado preocupação com a evolução das contas públicas.

Nem mesmo o fato de a Moody’s ter elevado a perspectiva da nota de crédito do País de estável para positiva acalmou o mercado financeiro. Ao contrário. Para Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio da Gávea Investimentos, sob o ponto de vista fiscal, o Brasil, inclusive, já deveria ter sido rebaixado.

Não se pode dizer que Stuhlberger ou Fraga sejam pessoas ingênuas. Ao contrário da maioria dos brasileiros, ambos são grandes investidores e têm plenas condições de proteger seu patrimônio e o de seus clientes. E é o que já estão fazendo, como tradicionalmente ocorre em momentos de incertezas e turbulências.

Reduzir a exposição a ações de empresas brasileiras ou títulos emitidos pelo governo e optar por ativos mais seguros, a exemplo dos títulos do Tesouro norteamericano, não é torcer contra o País ou ser antipetista, mas ser realista e corrigir posições antes que elas custem caro.

Um ano antes da última eleição presidencial, o gestor do Fundo Verde declarou publicamente que jamais votaria novamente em Jair Bolsonaro, a quem atribuía a pior gestão mundial no combate à pandemia de covid-19. Fraga, por sua vez, declarou voto em Lula da Silva em nome da defesa da democracia, continuamente alvejada por Bolsonaro entre 2019 e 2022.

Não foram os únicos. Muitos brasileiros agiram como eles e apostaram suas fichas em Lula da Silva na disputa eleitoral de 2022. E o fizeram não por acreditar na agenda econômica do PT, mas para se verem livres de Bolsonaro – um motivo mais do que compreensível diante de seu pavoroso governo.

Muitos imaginavam que Lula da Silva teria, enfim, compreendido que os equívocos do governo Dilma Rousseff não apenas geraram uma profunda recessão, como criaram as condições ideais para a eleição de um desqualificado como Jair Bolsonaro.

A origem da crise que a derrubou foi justamente a desastrosa política econômica que a então presidente legou ao País. Desde aquela trevosa época, déficits primários assumiram um caráter permanente, como se o País nunca tivesse sido capaz de apresentar um Orçamento minimamente equilibrado.

A facilidade com que o atual governo desrespeitou o arcabouço fiscal – que, diga-se de passagem, este mesmo governo propôs – mostrou que Lula da Silva não é só incapaz de aprender com os erros do passado; ele é incapaz de entender que errou.

“Me caiu a ficha de como pude acreditar que haveria o mínimo de responsabilidade desse governo cujo único objetivo é ganhar eleição”, afirmou Stuhlberger, ecoando um sentimento que é de muitos neste momento em que a democracia não está mais sob ameaça.

O petista não entendeu, até hoje, por que foi eleito por uma margem tão estreita de votos nem assimilou por que não conseguiu reunir nem 2 mil pessoas para vê-lo discursar no ato comemorativo do 1.º de Maio em São Paulo. Tampouco foi convencido sobre a importância de zerar o déficit fiscal, que para ele é uma discussão inócua e irritante.

Seria bom que algum de seus numerosos assessores tentasse explicar ao chefe a importância desses e de outros temas para a estabilidade de seu próprio governo. Na falta de candidatos, o mercado, que nunca é pego de surpresa e sempre se antecipa à chegada de crises, tem dado um eloquente recado.

Um governo que atira a esmo

O Estado de S. Paulo

Lula já cumpriu um terço do mandato, mas seu governo ainda prepara ‘projetos’ para a segurança pública. Enquanto isso, renova a ineficaz operação militar em portos e aeroportos

Passado um terço do mandato, o governo do presidente Lula da Silva coleciona uma constrangedora soma de erros e fragilidades na segurança pública. Numa área especialmente sensível para a população e historicamente desprezada pelo PT, até se abriu uma boa janela de oportunidade com a transferência do então ministro da Justiça e Segurança Pública – o animador de auditório Flávio Dino – para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, e sua substituição pelo discreto Ricardo Lewandowski. A mudança nesse caso teria sido uma chance notável para a pasta, trocando o histrionismo populista de um para a desejada qualificação técnica e o comedimento de outro. O estilo do titular pode ter mudado, mas o governo continua errático no enfrentamento daquele que é hoje, segundo pesquisas, o principal problema nacional na opinião da população.

Tome-se o exemplo da prorrogação da operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Anunciada há seis meses com a convicção entre especialistas de que seria uma medida ineficaz, a GLO acaba de ser renovada por 30 dias – e depois se sabe lá até quando, conforme as conveniências pirotécnicas da gestão lulopetista. No papel, o objetivo da operação é promover uma “asfixia” de organizações criminosas que usam os principais terminais aeroportuários, ou seja, os portos de Santos, do Rio de Janeiro e de Itaguaí e os aeroportos do Galeão e de Guarulhos. Na prática, confirmaram-se os prognósticos mais desabonadores: alto custo financeiro, uso indevido das Forças Armadas, volume e qualidade de apreensões questionáveis e uma descabida teatralidade para a tal “asfixia”, enquanto o crime se mostra muito mais preparado para driblar as autoridades do que faz crer a fiscalização com local e hora marcados.

Como este jornal já afirmou, a GLO de Lula é uma demonstração das razões pelas quais a situação de segurança pública está do jeito que está: tudo parece resumir-se a uma grande farsa. Seria pedir, por decreto, para dar errado. Como, afinal, o crime organizado pode ser enfrentado com uma força-tarefa em três portos e dois aeroportos, e que por sua natureza precisa ter prazo temporário? Ademais, trata-se não só de uma medida inútil, mas também de um equívoco institucional e funcional por envolver as Forças Armadas na segurança pública. Militares não têm essa atribuição nem foram treinados para isso, lição aprendida na intervenção federal do Rio de Janeiro, em 2018. Mas o espalhafato na segurança pública costuma ser um atalho providencial para lideranças movidas por mero cálculo político-eleitoral. Rende boas imagens, produz barulho e gera a falsa sensação de que o governo está trabalhando contra o crime.

Nesta semana, o secretário Nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, disse ao Estadão que o combate ao crime organizado deve ser prioridade número um. A partir de sua experiência como procurador-geral de Justiça de São Paulo, Sarrubbo demonstrou apostar na estratégia de asfixia financeira das facções, no reforço das equipes de investigação de crimes e no aumento dos efetivos das polícias estaduais. Para ele, isso exige inteligência, melhora nos índices de esclarecimento de crimes e baixa letalidade policial. Difícil discordar. É um bom cardápio de ideias, especialmente num governo que costuma acreditar que a prevenção e o combate à criminalidade são sinônimos de truculência a serviço das elites nacionais. É também um freio de contenção em quem acredita em operações espetaculosas, violentas e ostensivas como forma de garantir resultados na segurança.

Ocorre que a entrevista do secretário oferece uma inquietante sensação de recomeço. Sarrubbo anunciou que está com “vários projetos saindo do forno”, que serão apresentados nas próximas semanas. Ora, e que fim levou o programa de Enfrentamento às Organizações Criminosas, anunciado com pompa por Flávio Dino? Era, decerto, uma peça genérica de intenções, o que fica evidente quando Sarrubbo nem sequer o menciona. Vê-se que o governo perdeu tempo em demasia, ora desfazendo os erros do governo anterior, ora ocupado com sua performance cênica. Ainda está para mostrar do que se ocupará daqui para a frente.

Anielle Franco não decepciona

O Estado de S. Paulo

Com bastante tempo livre, a ministra resolveu usar a tragédia gaúcha para fazer proselitismo político

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que talvez esteja com bastante tempo livre, resolveu se ocupar da tragédia climática e humanitária do Rio Grande do Sul, mas não para confortar os gaúchos, e sim para fazer proselitismo político ordinário. Numa rede social, a pretexto de enfatizar “a importância do voto” – de resto, uma obviedade –, a sra. Anielle insinuou que os gaúchos talvez devessem escolher melhor seus representantes políticos no futuro caso não queiram passar outra vez pelas agruras de que padecem no momento.

“Amanhã (dia 8/5) é o último dia para regularizar ou tirar o título de eleitor para votar nestas eleições”, escreveu a ministra no X. “Se você ainda não fez isso ou conhece quem não tenha feito, corre para fazer. Votar em quem atua em prol da vida das pessoas e do povo brasileiro é o que faz a realidade mudar”, concluiu. Antes, Anielle alardeou que, “diante da tragédia do Rio Grande do Sul, nosso governo investiu mais de R$ 1,5 bilhão” em supostas ações de saúde pública e auxílio à população “que só um governo que se preocupa com as pessoas faz”.

Decerto alertada por algum assessor sobre a barbaridade do que havia escrito, Anielle apagou a postagem. O que é impossível de ser apagado, no entanto, é o fato de a ministra ser absolutamente desqualificada para o serviço público – se não à luz desse deserto programático em que se converteu a pasta que comanda, por sua inequívoca demonstração de oportunismo rasteiro aliado à falta de empatia com seus concidadãos gaúchos. Quem se presta a exercer cargo público deveria saber que não há interesse político, partidário ou ideológico que, numa sociedade que se pretende civilizada, se sobreponha a imperativos morais e humanitários.

Nesse sentido, Anielle não decepciona. Afinal, ela não foi escolhida para integrar o governo Lula da Silva por seu histórico de realizações na promoção da igualdade racial. Lá está como um agrado do presidente da República a uma parcela da militância dita progressista mais ligada aos movimentos identitários. Não por acaso, a única ideia que a ministra foi capaz de conceber para atuar em meio às enchentes que maltratam todo o povo do Rio Grande do Sul foi priorizar “o povo cigano e os quilombolas” na entrega da água e dos alimentos que têm sido enviados ao Estado pelo Brasil, num surto identitário que mal esconde a desumanidade.

Ao que parece, ao se lançar de forma tão desabrida à propaganda política num momento de dor e união nacional, não passou pela cabeça da ministra que o fenômeno climático, na escala em que se desdobrou no Estado, surpreenderia até o mais precavido e diligente dos governantes.

Talvez nem Lula espere muita coisa de Anielle Franco à frente pasta da Igualdade Racial. Mas, em política, o comportamento das autoridades tem uma dimensão simbólica tão ou mais importante do que suas realizações práticas, sobretudo ministros de um governo que serve a todos os cidadãos, não a seus nichos de apoio. Com poucas palavras, Anielle demonstrou não ter nem uma coisa nem outra a apresentar à Nação.

Congresso precisa rever projetos ambientais à luz da crise no RS

Valor Econômico

Há pelo menos 25 projetos de lei em tramitação que, se aprovados, prejudicariam biomas em todo o país e deixariam cidades ainda mais vulneráveis a fenômenos climáticos extremos

A tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul impõe uma mudança radical na maneira como os poderes públicos precisam proteger suas populações e se precaver das mudanças climáticas. Os gaúchos vêm enfrentando secas atrozes e enchentes devastadoras, mas o que ocorreu na última semana ultrapassa os limites do habitual e do conhecido. Praticamente o Estado inteiro está paralisado pelas águas, que tornaram inoperante toda a infraestrutura de transportes, energia, comunicação, saúde e distribuição de alimentos e água. Dos 497 municípios, 417 foram afetados pelas chuvas, colocando quatro em cada cinco dos 10,8 milhões de gaúchos à mercê de privações graves. Porto Alegre, com 1,33 milhão de habitantes, a 11ª maior cidade do país, aguarda que o nível do Guaíba, que subiu 5,2 metros, baixe para atender milhares de habitantes ilhados. Pela extensão de áreas atingidas, abrangência de atividades paralisadas e número de pessoas afetadas, mas não em número de mortos, é uma catástrofe sem igual na história recente do país.

O Rio Grande tem sido palco de uma sequência crescente de eventos climáticos nocivos, e o drama de agora pode ter transformado a quantidade em qualidade. Isso indica que as maiores e mais ricas cidades da região Sul, mas não só elas, estarão vulneráveis a cataclismos iguais ou piores, à medida que o aquecimento global vai tornando o flagelo de tempestades furiosas e fortes secas um padrão recorrente. Assim como o apoio político e material, galvanizado por uma onda de solidariedade popular vigorosa, está sendo vital para amparar a população gaúcha, a união política e a ação dos poderes públicos terá de ser menos leniente, menos imediatista e muito mais vigilante para minimizar futuras tragédias que certamente virão.

A maior parte das emissões de carbono do Brasil são provenientes da eliminação da cobertura vegetal, o desmatamento, sobretudo legal. Não são simples coincidências as severas secas na Amazônia, incêndios sucessivos no Pantanal, deslizamentos mortais de terras nas urbes e a sequência de cataclismos no Sul. As causas do aquecimento global têm de ser combatidas com mais vigor, assim como suas consequências, até hoje encaradas sem planejamento, pessoal e recursos à altura dos desafios.

Parte fundamental dessa tarefa cabe ao Congresso Nacional, que tem se inclinado em demasia para o lado oposto do que seria uma atitude responsável e cientificamente iluminada. O Observatório do Clima (OC) e outras ONGs levantaram 25 projetos de lei em diferentes estágios de tramitação na Câmara e no Senado que, se aprovados, tendem a tornar terra arrasada não só a já fragilizada Amazônia e o Cerrado, mas todos os biomas do país, tornando as cidades ainda mais vulneráveis a fenômenos climáticos extremos.

Três dos projetos que fragilizam o ambiente são de autoria ou têm relatoria de parlamentares gaúchos, que têm agora todos os motivos para reverem suas posições. O PL 364/2019, relatado por Lucas Redecker (PSDB-RS) e aprovado em março na CCJ da Câmara, elimina a proteção a toda vegetação nativa não florestal do país. Ele afetaria toda a Mata Atlântica como 6,3 milhões de hectares do Pampa gaúcho, segundo o Observatório do Clima, além de metade do Pantanal (7,4 milhões de ha).

O PL 1282, apresentado pelo senador Luiz Carlos Henze (PP-RS), foi aprovado na Câmara em 2023 e libera obras de irrigação em áreas de proteção permanente. Ele pode ampliar o desmatamento em áreas protegidas e o conflito pela água, segundo o OC. Juntado a outro PL, aguarda votação no Senado. Já o PL 10273, de 2018, do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), limita a taxa de fiscalização e controle do Ibama, dividida com secretarias estaduais de ambiente, aos projetos licenciados pelo órgão. O governo calcula uma redução de até R$ 1 bilhão a menos nas atividades dos órgãos ambientais, e de R$ 600 milhões no já depauperado Ibama.

Há projetos ainda piores a caminho das votações. O PL 3334/2023 reduz de 80% para 50% a reserva legal na Amazônia, dando a cobertura legal para uma devastação ainda mais intensa do que a ocorreu nos últimos anos. Está na CCJ do Senado. Outra iniciativa é o PL 2159, de 2021, já aprovado na Câmara e sob escrutínio do Senado, com relatoria, na Comissão de Agricultura, da senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura de Jair Bolsonaro. É a peça preferida da Frente Parlamentar da Agropecuária: torna o licenciamento ambiental autodeclaratório e isenta da obrigatoriedade uma extensa lista de atividades que hoje exigem o processo.

Os parlamentares precisarão rever suas convicções à luz da tragédia gaúcha. Se esses projetos forem aprovados, a piora das condições climáticas será uma certeza, atuando contra a eficácia de medidas de prevenção e adaptação às mudanças climáticas que precisam ser planejadas e executadas com celeridade e eficiência. O Ministério do Meio Ambiente tem bons planos a caminho, e o Congresso deveria reconsiderar as peças legais que podem impedir o objetivo maior de proteger os brasileiros de hecatombes climáticas como as que se desenvolvem hoje em solo do Rio Grande do Sul.

Governo e Congresso acertam em se antecipar

Correio Braziliense

Seguramente a safra agrícola do estado será afetada pelas fortes chuvas, inundações e deslizamentos de encosta, assim como a produção agropecuária, provocando desequilíbrio no abastecimento interno e gerando pressão sobre os preços

A afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o Brasil poderá importar arroz e feijão mostra que o governo está se antecipando aos impactos secundários da catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul e já deixou quase uma centena de mortos, desaparecidos e milhares de desabrigados, além de causar destruição nas cidades e no campo. Seguramente a safra agrícola do estado será afetada pelas fortes chuvas, inundações e deslizamentos de encosta, assim como a produção agropecuária, provocando desequilíbrio no abastecimento interno e gerando pressão sobre os preços. Em meio aos esforços para encontrar desaparecidos e socorrer pessoas ilhadas, pode parecer precipitado ter preocupação com a elevação de preços. Não! O que falta no Brasil em inúmeras situações é exatamente ação preventiva.

E, mais do que a afirmação do presidente, o Ministério da Agricultura já prepara um edital para efetuar a compra de 1 milhão de toneladas de arroz, volume pouco acima da previsão de perdas prevista na safra do grão, que era estimada em 7,5 milhões de toneladas e que deve cair para 6,7 milhões de toneladas, ou 800 mil toneladas apenas no Rio Grande do Sul. Isso porque grande parte da colheita já havia sido feita. Assim como o governo acerta em se antecipar e agir para minimizar impactos da tragédia sobre os preços, acerta também o Congresso Nacional ao agilizar a aprovação de medidas como a decretação de estado de calamidade, que permite acelerar a liberação de recursos e flexibilizar o uso dos mesmos dentro das regras fiscais.

Um levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) com base nos dados de apenas 25 dos 336 municípios em estado de calamidade pública com perdas contabilizadas no Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional mostra que, somente nessas cidades, os prejuízos totais, até o momento, chegam perto de R$ 1 bilhão, com a maior parte na agricultura e pecuária (R$ 500 milhões). Esses números dão uma dimensão das perdas materiais que o estado e o país vão ter com a catástrofe climática que atingiu e ainda ameaça o Sul do Brasil.

Há cidades que precisarão ser quase que totalmente reconstruídas, assim como estradas, pontes e outras infraestruturas danificadas pelo excesso de água. Apesar da urgência, é necessário que medidas sejam tomadas paralelamente para que essas estruturas estejam mais preparadas para enfrentar fenômenos desse tipo. E há exemplos: destruído por terremotos, o Japão reconstruiu seus prédios passando a usar amortecedores na estrutura dos mesmos. Assim deve ser a lógica de reconstrução no Sul, com limpeza e alargamento de galerias pluviais e outras iniciativas para o escoamento de um volume maior de chuvas nas cidades.

Se não é possível conter todo o impacto das catástrofes naturais, é preciso que os orçamentos públicos passem a incorporar recursos para lidar com as mudanças climáticas. Não há mais como esperar que outros desastres climáticos ocorram para que se pense e busque recursos. Investimentos em medidas de prevenção, ainda que sejam apenas para a adoção de um sistema de alarme sonoro para tempestade, podem ser a diferença entre salvar vidas e perder vidas. Agir preventivamente é cada vez mais necessário diante de um cenário de mudanças climáticas que vão produzir eventos naturais extremos com mais frequência.

Fake news em meio à tragédia gaúcha

Correio Braziliense

Inverdades imputam responsabilidades às mais diferentes autoridades — governos federal e estadual, Congresso Nacional e Judiciário, por um fenômeno da natureza. Elas são acusadas de negligência e indiferença ao dramático episódio que assola a vida de milhares de gaúchos

Milhares de brasileiros, instituições públicas e privadas, organizações da sociedade civil estão mobilizadas e unidas para ajudar a população do Rio Grande do Sul, vítima de um dos mais severos eventos climáticos extremos. Os representantes dos Três Poderes deixaram de lado suas divergências e, unidos, voltaram as atenções para a catástrofe enfrentada pelos gaúchos desde 29 de abril. Até ontem, 425 dos 497 municípios do estado foram afetados pelos torrenciais temporais. As enchentes levaram 100 pessoas à morte, 130 estão desaparecidas, 67 mil em abrigos e 163 mil desalojadas. No total, foram impactadas 1,4 milhão de indivíduos do Rio Grande do Sul. Em meio à maior tragédia climática enfrentada pelo estado, criado há 287 anos, a irresponsabilidade e a mentira campeiam nas redes sociais.

Inverdades imputam responsabilidades as mais diferentes autoridades — governos federal e estadual, Congresso Nacional e Judiciário, por um fenômeno da natureza. Elas são acusadas de negligência e indiferença ao dramático episódio que assola a vida de milhares de gaúchos. Os criadores e disseminadores de fake news, em total desprezo ao sofrimento, às perdas materiais e à vida humana, que destroçam famílias, buscam acirrar divergências políticas. Tentam minar o comportamento das forças e os poderes do Estado, que deixaram de lado as diferenças ideológicas para convergir todas as suas energias e saberes na direção de contribuir com soluções em favor do Rio Grande do Sul.

A avalanche de fake news disseminada pelas redes sociais, eivadas de ódio, impôs a mobilização da Polícia Federal para identificar os responsáveis por tamanha covardia não só contra os Poderes republicanos, mas também contra a sociedade brasileira, consternada com o drama do povo do Rio Grande do Sul. Uma das mentiras denunciada pelo governador gaúcho, Eduardo Leite, foi a "exigência de nota fiscal para doações e uso do Pix oficial para finalidades além do auxílio às vítimas". Na verdade, as doações em dinheiro são gerenciadas por um grupo de instituições, entre elas, organizações da sociedade civil.

Os abusos cometidos nas redes sociais tornaram imprescindível alcançar os autores e puni-los, como estabelece as leis. Mas não só isso. Torna-se necessário, ante o descalabro no uso das plataformas digitais, semelhante empenho do Congresso Nacional para regulamentar esse instrumento virtual. Postergar tal providência é tentar apagar o recente passado, quando as fake news reforçaram o negacionismo científico e induziram milhares de brasileiros e milhões de outros mundo afora a rejeitar as vacinas contra a covid-19.

No Brasil, mais de 700 mil pessoas morreram pela covid-19. E, hoje, o Ministério da Saúde e organizações nacionais e internacionais não medem esforços, por meio de campanhas, para imunizar crianças, jovens, mulheres e homens, evitando que sejam vítimas de doenças preveníveis. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em recente declaração à imprensa, reconheceu como "fundamental" a regulamentação das plataformas digitais. Segundo ele, elas não podem ser um ambiente de "vale tudo", em que a manipulação de informações as tornam meios de propagação do ódio e da violência e dos ataques às instituições.

A tragédia gaúcha mostra aos brasileiros e, possivelmente, ao mundo que o "país tropical, abençoado por Deus", carece de providências rigorosas tanto no campo da tecnologia quanto na relação humana com o meio ambiente. No universo digital, vale destacar a luta da filipina Maria Ressa, Prêmio Nobel da Paz 2021, que defende a responsabilização das empresas globais de tecnologia pela dispersão de conteúdos falsos e desinformações, uma vez que se veem imunes às sanções penais. No que tange ao meio ambiente, o Brasil tem leis e regras que podem conter os grupos que insistem numa relação hostil com patrimônio natural do país — resta cumprir.

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