Solidariedade a vítimas no RS é exemplo para o país
O Globo
Num Brasil polarizado, é auspicioso que
lideranças políticas tenham deixado as desavenças de lado
O desastre que atinge o Rio Grande do
Sul exige respostas à altura da tragédia. Com 336 dos 497
municípios gaúchos em estado de calamidade pública, centros urbanos submersos,
cidades isoladas, infraestrutura comprometida e milhares de moradores sem água
e luz, não pode haver espaço para burocracia ou desentendimentos que dificultem
a assistência às vítimas e a reconstrução.
Por isso tem sido comovente o movimento de solidariedade que se espalhou pelo Brasil, com doações e iniciativas de toda sorte para levar alívio à população atingida. Foi também louvável a união de forças dos três Poderes para ajudar os gaúchos. No domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou para o RS numa comitiva que incluiu os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, além de vários ministros de Estado.
Pode-se argumentar que é esperado autoridades
comparecerem a áreas afetadas por desastres — especialmente em ano eleitoral.
Mas, num país às voltas com um clima tóxico de polarização, não deixa de ser
auspicioso. O mutirão dá mais agilidade a decisões que envolvem diferentes
níveis de governo. E mostra que eventuais divergências entre os participantes
não serão empecilho para fazer o que precisa ser feito. Situação semelhante já
acontecera com as chuvas no Litoral Norte de São Paulo em fevereiro do ano passado.
Sinal de amadurecimento.
Seria oportuno que se aproveitasse a
força-tarefa com autoridades da República para discutir também a necessidade de
planejamento e orçamento robusto para ações de prevenção às chuvas. Como mostrou
reportagem do GLOBO, enquanto os fenômenos climáticos extremos se tornaram mais
frequentes e intensos, as verbas federais para combate a desastres diminuíram.
Em 2014, foram destinados ao setor o equivalente a R$ 7,8 bilhões (em valores
corrigidos). Para este ano, estão previstos R$ 2,6 bilhões.
Diante da calamidade no Sul, o governo
federal prometeu que liberará recursos extraordinários. Mas são ações
emergenciais. O combate a inundações e deslizamentos exige medidas de médio e
longo prazo, como obras de contenção de encosta, dragagem de rios, reassentamento
de famílias, reforço de sistemas de defesa civil etc. Daí a necessidade de um
orçamento consistente, que não fique à mercê das intempéries.
Além de recursos, o país necessita de planos
nacionais, estaduais e municipais para desastres. Não há como impedir que rios
transbordem, mas é possível retirar moradores das áreas vulneráveis antes que
eles tenham de ir para o telhado implorar por um resgate incerto. Lula disse
ter cobrado da ministra Marina Silva (Meio Ambiente) um plano de prevenção de
desastres para que o governo “pare de correr atrás da desgraça”. É preocupante
que só agora tenha percebido isso.
Os prejuízos no Sul são incalculáveis. O
governador Eduardo Leite (PSDB)
afirmou que o estado precisará ser reconstruído. Só quando as águas baixarem
será possível ter a dimensão exata do tamanho do estrago. A julgar pelas
imagens de destruição, o trabalho será longo e custoso. Ao menos a convergência
entre os três Poderes poderá torná-lo mais ágil, o que não é pouco.
Bukele dá mais um passo para transformar El
Salvador em ditadura
O Globo
Seguindo roteiro de Chávez, populista aprovou
no Congresso mecanismos que facilitam subverter Constituição
Nayib Bukele,
presidente de El Salvador,
conduz seu país paulatinamente a uma ditadura, trilhando o caminho aberto por
autocratas como o venezuelano Hugo Chávez. Bukele acaba de aprovar no
Congresso, sob seu controle, mudanças na Constituição que ampliam esse controle
sobre o Legislativo. Juristas e oposicionistas denunciam o pacote aprovado como
um passo em direção a um “esquema ditatorial”.
Como qualquer Constituição democrática, a de
El Salvador tinha salvaguardas. Previa consulta popular sobre emendas aprovadas
no Congresso, além de uma segunda votação por uma nova legislatura para que
fossem promulgadas. Bukele, porém, achou-se no direito de atropelar essas
normas e determinar que as emendas à Constituição podem ser feitas na mesma
legislatura com apenas uma votação por três quartos dos deputados (45 de 60).
Não é um patamar distinto do que vigora noutros países, mas em El Salvador as regras
eram outras. E a mudança foi feita sob medida para seu partido Novas Ideias,
que reúne 54 dos 60 deputados eleitos.
A proposta de reforma constitucional de
Bukele não estava na pauta da última sessão da legislatura passada, no final de
abril. O projeto foi “dispensado de tramitação” e aprovado pela folgada maioria
governista no Congresso. Bukele tem usado sem parcimônia esse mecanismo que
permite aprovar leis de modo mais expedito.
Seu grande apoio popular se deve ao duro
combate ao crime organizado. El Salvador chegou a ser o país mais violento do
Hemisfério Sul, com 84,1 homicídios por 100 mil habitantes em 2016. No ano
passado, último do primeiro mandato de Bukele, a taxa foi de 2,4, nível do
Canadá. Para obter esse resultado, Bukele recorreu ao Congresso para decretar
“estado de emergência” durante 30 dias em 2022. Suspendeu direitos
constitucionais como liberdade de associação, privacidade nas comunicações,
informação sobre o motivo de prisões na hora da detenção e obrigatoriedade de,
em 72 horas, o preso ser levado a um juiz. Esse “estado de emergência” passou a
ser prorrogado sucessivamente. Também foi alterada a lei antiterrorismo para
permitir a prisão de crianças a partir dos 12 anos.
Bukele aproveitou uma onda de assassinatos em
2022 para aprovar no Legislativo a virtual conversão do regime em estado de
exceção. Um relatório da Human Rights Watch e da Cristosal, organização
salvadorenha, revelou que, de março a novembro daquele ano, foram presas 58 mil
pessoas, incluindo mais de 1.600 crianças. Há relatos de desaparecimentos e
torturas.
As prisões em massa e a revogação de direitos
reduziram os índices de criminalidade e elevaram a popularidade de Bukele. Como
essa fórmula costuma ter um prazo de validade limitado, ele agora tenta
conferir legitimidade a seu avanço sobre os Poderes. Não há registro de
déspotas que se convertem em democratas por vontade própria. A diplomacia do
Brasil e dos demais países das Américas deveria fazer o possível para evitar
mais esse retrocesso democrático no continente.
STF precisa restabelecer controles nas
estatais
Folha de S. Paulo
Em julgamento tardio, o correto é derrubar
liminar que abriu caminho para indicações políticas do governo nas empresas
Com grande atraso, o Supremo Tribunal Federal
deve retomar nesta semana o julgamento de ação que
pretende derrubar regras moralizadoras da Lei das Estatais, de 2016.
Mais de um ano atrás, em março de 2023, houve
pressa em atender o pleito, de óbvio interesse do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
—e o então ministro do STF, Ricardo
Lewandowski, hoje no ministério de Lula, concedeu
liminar que abriu caminho para indicações políticas ao comando
das empresas controladas pelo Tesouro.
A lei determina, entre outras normas de
governança, exigências para nomeações. Não podem ser nomeadas para a direção de
estatais pessoas que tenham atuado, nos últimos três anos, como dirigentes de
partidos ou na organização de campanhas eleitorais.
Também se proíbe que ministros de Estado e
secretários de estados e municípios participem de conselhos de administração.
Em sua decisão monocrática, Lewandowski
considerou tais restrições excessivas e, por isso, inconstitucionais, conforme
argumenta-se na ação movida pelo PC do B.
O assunto voltou a ser examinado pelo
plenário da corte em dezembro último, quando o ministro André
Mendonça votou por restabelecer os dispositivos da legislação.
O julgamento, porém, foi interrompido por um pedido de vista de Kassio Nunes
Marques.
Enquanto tarda a decisão, estatais de todos
os portes estão sujeitas a indicações temerárias.
Levantamento feito no final do ano passado
pelo jornal O Globo apontou ao menos 18 postos de direção e 40 em conselhos de
administração preenchidos por nomes que estariam vedados pela lei.
Há ainda casos importantes que já suscitaram
dúvidas, como os dos presidentes da Petrobras,
Jean Paul Prates, e do BNDES, Aloizio
Mercadante —o primeiro, eleito senador pelo PT, e o segundo,
ex-dirigente de fundação ligada ao partido.
Ainda que o STF possa orientar interpretações
do texto da lei, não pode restar dúvida de que o correto a fazer é manter
restrições ao aparelhamento das empresas.
As bem-sucedidas normas de 2016 foram
aprovadas pelo Congresso na esteira de prejuízos bilionários e escândalos
de corrupção que
compuseram a ruína econômica sob Dilma
Rousseff —o descalabro nas estatais, acrescente-se, antecede as
administrações petistas.
Não se trata de panaceia, muito menos de
criminalização da política como querem alguns críticos.
A repartição de cargos de governo entre
partidos aliados é normal nas democracias e particularmente inevitável no
contexto brasileiro. O que a legislação faz é tão somente estabelecer limites
em setores nos quais as decisões precisam ser técnicas e qualificadas.
Mais ensino integral
Folha de S. Paulo
Modelo, que SP ainda precisa expandir, eleva
aprendizado de alunos do estado
Estudos sobre o desempenho de alunos
matriculados no ensino de tempo integral, que aumenta a carga horária de aulas
na educação básica,
mostram que o modelo deve ser mantido e ampliado.
Um dos recentes, feito pela USP em
parceria com o Instituto Sonho Grande e o Instituto Natura, revela que os
estudantes de escolas estaduais de São Paulo que
implantaram o sistema tiveram alta de 35%
no aprendizado de matemática e de 26% no de língua portuguesa.
Foram analisadas as notas do alunado do 5º e
do 9º ano do ensino fundamental, de 2013 a 2019, na prova do Sistema de
Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp).
Os estudantes do ensino regular obtiveram, no
período, 40 pontos em matemática e 39 em português, ante 54 e 49 pontos,
respectivamente, dos do modelo integral.
Constatou-se ainda que os efeitos são
imediatos. Em apenas um ano, os estudantes de escolas que adotaram o sistema
integral em 2018 alcançaram notas melhores em 2019 do que os que continuaram
naquelas de tempo regular.
Aprendizado melhor reduz evasão escolar, que
é maior no ensino médio, mas começa antes, no fundamental. Segundo o IBGE, 8,1%
das pessoas de 14 a 29 anos com nível de instrução inferior ao médio largaram a
escola aos 14 anos, 14,1% aos 15 anos e 17,8% aos 17.
Nesse sentido, a pesquisa da USP revela que o
ensino integral eleva a chance de que o aluno ingresse no ensino médio, na
média, de 87% para 89%; aqueles com defasagem de aprendizado, estrato que
cresceu durante a pandemia de Covid-19, são ainda mais beneficiados, de 61%
para 70%.
São Paulo expandiu o número de escolas do
modelo integral de 417 em 2019 para 2.311 em 2023, o que representava 45% da
rede no ano passado. No entanto só
17% dos alunos estavam matriculados nelas—como
comparação, na Paraíba, os índices eram de 65,7% e 55,9%, respectivamente.
O governo paulista deve, portanto, se basear nas evidências e expandir o alcance do ensino de tempo integral, a fim de eliminar os gargalos na educação do estado mais rico do país.
A tragédia que comove o País
O Estado de S. Paulo
Ante o imperativo da solidariedade, brasileiros deixam diferenças de lado e unem esforços para ajudar o Rio Grande do Sul, abatido por uma catástrofe climática e humana sem precedentes
Não há precedentes para a tragédia que se
abate sobre o Rio Grande do Sul desde a semana passada. Por esse motivo, também
não pode ter precedentes a ajuda que o País deve dar aos gaúchos. Felizmente, a
resposta tanto do poder público quanto dos muitos brasileiros anônimos que
fizeram doações e se juntaram ao esforço para socorrer os desabrigados mostra
que, ante o imperativo da solidariedade, não há diferenças insuperáveis. Ainda
somos um único Brasil.
Em dez dias, choveu o equivalente a três
meses de precipitações, segundo o governo do Estado. Regiões que nunca haviam
sido consideradas áreas de risco rapidamente foram invadidas pela água.
A infraestrutura do Estado foi devastada e
deixou várias cidades do interior e da região metropolitana de Porto Alegre
completamente ilhadas. Pontes interditadas, estradas bloqueadas e o principal
aeroporto fechado por tempo indeterminado dificultam a chegada de ajuda, o
trabalho de voluntários e o envio de mantimentos básicos.
Cerca de 885 mil imóveis estão sem
abastecimento de água e mais de 443 mil estão sem energia elétrica, a maioria
nos arredores de Porto Alegre. Algumas regiões podem permanecer inabitáveis por
semanas ou até meses até que seja possível apurar a extensão dos estragos e
reconstruir a infraestrutura de serviços públicos essenciais.
Num cenário como esse, seria especialmente
cruel atribuir a dimensão da catástrofe a uma suposta má gestão estadual, como
alguns oportunistas estão tentando fazer. É evidente que todos os governos são,
de um jeito ou de outro, responsáveis pelo que acontece na região que
administram, mas claramente estamos diante de um evento climático que
surpreenderia até o mais precavido dos gestores. Por isso, não se trata de uma
questão meramente orçamentária ou de descaso da Defesa Civil.
As enchentes que ocorreram no ano passado
tampouco podem servir de referência. Todo o sistema de proteção foi projetado
com base nos estragos causados por uma enchente em 1941, até então a maior da
história. Ainda que possa haver problemas de manutenção das comportas, o volume
de água que chegou ao Lago Guaíba superou a cota de inundações em mais de dois
metros.
A ida do presidente Lula da Silva ao Estado,
acompanhado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad; dos presidentes da Câmara,
Arthur Lira (PPAL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Tribunal de
Contas da União (TCU), Bruno Dantas; além do ministro Edson Fachin, do Supremo
Tribunal Federal (STF), demonstra que as autoridades compreenderam a gravidade
do quadro, que tende a piorar antes de começar a melhorar.
A situação é absolutamente excepcional e
requer, portanto, medidas também excepcionais. O gabinete de crise do governo
federal para lidar com a tragédia precisa contar com autonomia para garantir as
ações de socorro em uma primeira etapa. A declaração de estado de calamidade
pública é essencial para que os recursos públicos cheguem com a celeridade que
a situação requer, contrariando o padrão moroso que se repete a cada desastre
humanitário.
Como disse o governador gaúcho, Eduardo
Leite, o Estado precisará de um amplo plano de reconstrução, a exemplo do Plano
Marshall, que financiou a recuperação da Europa no pósguerra. Não é momento
para apontar culpados e transformar esse cenário de destruição em palanque
político, mas de direcionar verba federal e de emendas parlamentares para
salvar o Estado e autorizar um orçamento de guerra para enfrentar o caos.
Diante das restrições fiscais do Rio Grande
do Sul, é preciso flexibilizar as limitações para gastar seus próprios recursos
e acessar financiamentos naquele que é possivelmente o pior momento de sua
história – o que não é o caso de outros Estados que buscam obter a moratória de
suas dívidas. Os prefeitos também precisam ter segurança para contratar obras
emergenciais às vésperas das eleições municipais.
Nada disso dispensa a necessidade de
fiscalização rigorosa sobre o uso do dinheiro, que não pode se perder em ações
dispensáveis. Ou seja, mais do que nunca, é preciso organização e liderança –
pois solidariedade, neste país, há de sobra.
Vereadores de si mesmos
O Estado de S. Paulo
Estudo mostra que vários vereadores de SP se
elegem não por sua ligação com regiões da cidade, mas por seus posicionamentos
ideológicos – que nada têm a ver com os problemas paulistanos
Apedido do Estadão, o Laboratório de
Eleições, Partidos e Política Comparada (LAPPCOM), da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), fez um levantamento do perfil dos dez vereadores mais
votados para a Câmara Municipal de São Paulo na eleição passada. O resultado é
impressionante – e assustador. A maioria desses vereadores (60%) não tem
qualquer ligação territorial com a cidade. Foram os chamados “candidatos de
opinião”, ou seja, políticos eleitos, primordialmente, pelo engajamento que
provocaram nas redes sociais. Segundo o estudo, a exploração de crenças
religiosas, questões ligadas à legislação penal e toda sorte de pautas
ideológicas e/ou identitárias parece render mais votos do que a apresentação de
propostas para melhorar a educação, a saúde ou a zeladoria na cidade. O busílis
é que nenhum desses temas de apelo eleitoral está no rol de competências do
Poder Legislativo municipal.
Tradicionalmente, os vereadores sempre
estiveram ligados a bairros ou distritos. Muitas vezes, os candidatos
construíram uma vida de serviços prestados a seus concidadãos antes de chegarem
à Câmara Municipal. O triunfo eleitoral, nos melhores exemplos dessa
trajetória, representou o coroamento de uma vocação para o serviço público,
além do exercício da solidariedade. Claro que nem sempre a relação de
proximidade física com o eleitor produziu bons vereadores. Mas, na maioria das
vezes, o conhecimento da realidade experimentada por quem o parlamentar
supostamente deveria representar costumava facilitar as coisas.
Ao que parece, esse tipo de vereança está
ficando para trás. Não cabe ingenuidade. As redes sociais vieram para ficar e
brigar com os fatos não muda a realidade. É por meio delas que não poucos
candidatos veiculam suas plataformas políticas e dialogam com potenciais
eleitores. Foi assim na eleição passada e nada indica, segundo os especialistas
ouvidos por este jornal, que será diferente na eleição deste ano. “As redes
sociais facilitam essa dinâmica e permitem um melhor estabelecimento de
nichos”, afirmou ao Estadão a coordenadora do LAPPCOM, Mayra Goulart. A
professora destacou ainda que essa comunicação mais segmentada representa uma
“vantagem competitiva” para o “candidato de opinião” em relação àqueles com
base eleitoral estabelecida por território – mais propensos, portanto, a serem
conhecidos apenas em âmbito local.
O sucesso desse tipo de candidatura, mais
ideológica e menos propositiva, também guarda relação com uma certa desatenção
de boa parte do eleitorado com os rumos da eleição municipal. Eleições gerais,
em especial para cargos do Poder Executivo, costumam mexer mais com o ânimo dos
eleitores, mobilizando-os em torno de discussões minimamente aprofundadas sobre
os destinos de seu Estado e do País. É um erro grave, porém, tratar a eleição
municipal como uma eleição “menor”. Muito ao contrário.
Sempre cabe lembrar a célebre constatação de
Franco Montoro: “Ninguém vive na União ou no Estado, as pessoas vivem no
município”. Portanto, a falta de uma boa representação na Câmara Municipal,
onde são tratados temas vitais para o desenvolvimento humano na cidade, leva a
uma degeneração da política municipal que produz efeitos muito mais
perceptíveis na vida dos cidadãos do que eventuais decisões tomadas nas esferas
estadual e federal.
Se, por um lado, não dá para mudar a
realidade desse nem tão novo modelo de campanha eleitoral, por outro, é
possível alertar os eleitores para os prejuízos que essa distorção da vereança
causa para uma cidade complexa como São Paulo. É enorme o desserviço que esses
“candidatos de opinião” prestam aos munícipes como um todo. Sem laços
territoriais – algo que seria muito bem resolvido com uma reforma política que
instituísse o voto distrital no País –, são incapazes de estabelecer vínculos
com a comunidade e dar o devido tratamento às suas aflições. No fundo, são
candidatos que podem até ter muitos votos, mas não representam ninguém,
exercendo seus mandatos como vereadores de si mesmos.
Sabesp no tapetão
O Estado de S. Paulo
Derrotados no voto, PT e PSOL buscam no
Judiciário a chance de um terceiro turno
A suspensão, por decisão judicial, da sessão
da Câmara de Vereadores de São Paulo que autorizou o Município a manter os
serviços da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp)
depois da privatização da estatal estadual fere a autonomia do Legislativo
municipal, em um processo que seguiu todos os ritos legais e democráticos. Nove
audiências públicas e um estudo de impacto orçamentário – conforme exigência
judicial – precederam o segundo turno de votação do projeto com ampla maioria
de votos favoráveis, situação que não deixou dúvidas quanto à lisura do
resultado.
Foram 37 votos a favor e 17 contra. Ou seja,
dois terços dos 54 vereadores que representam o eleitorado paulistano
referendaram a proposta num processo legislativo correto. Sem entrar no mérito
sobre a privatização da Sabesp em si, o que inclusive não cabe à Câmara
Municipal, não há como questionar a higidez de um processo que tão somente
tornou sem efeito uma lei de 2009 que determinava a extinção automática da
prestação de serviços à capital paulistana em caso de privatização da Sabesp.
PT e PSOL protagonizaram um espetáculo
antidemocrático ao tentar ganhar no tapetão o que não conseguiram conquistar no
voto. Primeiro entraram com pedido de liminar judicial na tentativa de evitar a
sessão e, depois de realizada a votação, foram novamente à Justiça pedir a
anulação. Os dois partidos haviam tentado estratégia semelhante no fim do ano
passado, durante o trâmite do projeto de privatização da Sabesp na Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Recorreram, inclusive, ao Supremo Tribunal
Federal, alegando inconstitucionalidade, sem sucesso.
A sessão na Câmara Municipal não teve o mesmo
grau de violência visto na Alesp no fim do ano passado, com dura repressão
policial. Mas o desrespeito dos inconformados em relação ao mais básico
preceito democrático – o respeito pelo resultado de uma votação – foi similar.
Na Alesp, a oposição se retirou do plenário fazendo com que o projeto fosse
aprovado por 61 votos a 1, com 31 ausências. Na Câmara, a recalcitrância foi
embalada numa ação popular para anular a sessão, o que nem caberia mais, já que
a sanção imediata do projeto o transformou em lei.
Mais do que um desrespeito ao processo
legislativo, a atitude dos parlamentares do PT e do PSOL representa uma afronta
à vontade do eleitorado. A privatização da Sabesp foi uma das principais
bandeiras de campanha de Tarcísio de Freitas ao governo de São Paulo. Uma vez
eleito, é possível inferir que a maioria dos eleitores endossou a proposta. O
que, por óbvio, não torna a privatização um fato consumado, mas a aprovação no
projeto na Assembleia, sim. Não há o que questionar em torno de projetos
discutidos, avaliados e votados em plenário.
Mas os especialistas em confusão sabiam muito bem que invalidar judicialmente a decisão da Câmara poderia inviabilizar a própria privatização, já que a cidade de São Paulo responde por quase metade da receita da Sabesp. Que o Judiciário não se preste a esse papelão antidemocrático.
Rombo na previdência entra nas preocupações
de Haddad
Valor Econômico
Ministro da Fazenda recomendou um roteiro
importante, ainda que parcial, de mudanças que poderiam ser feitas na
previdência
Com um tom enigmático, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, recomendou em post no X (ex-Twitter) um artigo de Bráulio
Borges, economista da LCA e pesquisador associado da FGV-Ibre, publicado em 19
de abril, sobre as contas públicas. Não se sabe com o que Haddad concorda ou
discorda no texto. Governistas à esquerda do ministro podem estar desconfiados
de que ele flerta com nova reforma da Previdência, para a qual Borges dá alguns
caminhos, muito deles parte do receituário corrente de vários especialistas sobre
o assunto. Quem apoia Haddad talvez possa ver a recomendação como um endosso da
política de buscar mais receitas para o Estado, que é a base do novo regime
fiscal - e Borges defende enfaticamente que se recomponha o percentual de
arrecadação em relação ao PIB que havia até 2007. Mas o economista, nos dois
pontos, dá sugestões úteis para o futuro, mas que em geral são intragáveis para
a ortodoxia petista.
Como ponto de partida, o artigo defende que o
Estado reponha a receita perdida depois que a CPMF não foi prorrogada, em 2007.
Pelos cálculos de Borges, houve uma redução da carga bruta federal de 1,9 ponto
percentual entre 2008 e 2019, que teria revertido o aumento de 40% que incidiu
no período de 1999 a 2004. O economista afirma que as compensações fiscais,
decorrentes da tese do século, atualmente subtraem 0,9 ponto percentual do PIB,
em um momento em que o governo estabeleceu limites para essas compensações.
Sobre o assunto fiscal, a concordância cessa
aí. Para Borges, as novas metas fiscais estampadas no PLDO 2025 “não indicam
esforço adicional de consolidação relevante” para atingir 1,5 ponto percentual
do PIB de superávit primário, para ele cifra necessária para estabilizar a
relação dívida/PIB. “Essa mudança relevante e prematura das metas fiscais
denota um certo esgarçamento da estratégia de consolidação fiscal colocada em
prática pelo atual governo”, escreve Borges, a quem atribui o mesmo tipo de
equívoco, “com sinais trocados” do antigo teto de gastos - que só se ocupava
das despesas.
Ao defender uma forma ótima de atacar os
déficits fiscais, que combina receitas e despesas, Borges conduz seu pensamento
diretamente a reformas na Previdência. Os números são eloquentes: 75% do
aumento da despesa pública entre 1988 e 2016, ou 7 pontos percentuais do PIB,
decorreu do Regime Geral da Previdência Social. “A previdência é a principal
rubrica que deve ser atacada para restaurar o equilíbrio fiscal” - uma
afirmação que soará indigesta para a maioria dos petistas.
Borges argumenta que a União já tem superávit
fiscal há vários anos se os rombos da seguridade social forem excluídos. Um dos
principais meios recomendados para estancar os déficits é desvincular
aposentadorias, pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário
mínimo. O governo Lula retomou a fórmula de valorização real de governos
petistas anteriores, acrescentando mais um peso às contas combalidas do sistema
de aposentadoria.
Dois terços dos benefícios pagos têm como
referência o salário mínimo. Cada real a mais do mínimo eleva os gastos da
União em R$ 393 milhões. Borges defende o aumento real do salário mínimo, de
acordo com a produtividade, para participantes ativos do mercado de trabalho.
Para os aposentados, segundo ele, é importante garantir a manutenção do poder
de compra ao longo do tempo, ou seja, reajustes pela inflação. A ministra do
Planejamento, Simone Tebet, começou a estudar o assunto (Valor, ontem).
Os mesmos reparos foram feitos quando Lula,
em mandato anterior, estabeleceu essa política para o salário mínimo. Ele se
recusou a realizar a desvinculação, que traz um problema real de
sustentabilidade das contas do Regime Geral da Previdência Social, e não parece
ter mudado de ideia. Tampouco deve ser entusiasmante para o governo e o PT a
ideia de estabelecer valores de idade mínima de aposentadoria e tempo mínimo de
contribuição que “acompanhassem de forma “automática” a evolução da expectativa
de sobrevida da população, e não fossem fixos ao longo do tempo.
Outra sugestão importante é reduzir as
renúncias de receitas embutidas no MEI (MicroEmpreendedor Individual) e no
Simples, em especial o primeiro, muito deficitário. Borges não menciona, mas as
contas só fechariam com isonomia entre os regimes dos trabalhadores privados,
públicos e militares - os dois últimos regimes, com população muito menor de
beneficiários, são altamente deficitários.
Leitor atento, o ministro da Fazenda
recomendou um roteiro importante, ainda que parcial, de mudanças que poderiam
ser feitas. Nessas questões, os principais obstáculos são políticos, e um dos
maiores é a aversão do Partido dos Trabalhadores e do presidente a medidas que
mexam na Previdência e em benesses do funcionalismo público. Não se sabe
exatamente o que Haddad achou relevante no artigo, mas o cardápio é
interessante.
Poderes se unem em socorro aos gaúchos
Correio Braziliense
Representantes do Executivo, dos Legislativo
e do Judiciário uniram-se, em um esforço conjunto, em busca de soluções para
sanar os danos causados pelos temporais que estão assolando o estado gaúcho
Até ontem, as chuvas torrenciais que atingem
o Rio Grande do Sul, desde o último dia 29, afetaram quase 800 mil pessoas, e
resultaram em 89 mortos e 111 desaparecidos. Em menos de um ano, essa é a
segunda vez que o estado amarga perdas irreparáveis (vidas) sob os efeitos do
aquecimento global, responsável por eventos climáticos extremos. Ontem,
representantes do Executivo, dos Legislativo e do Judiciário uniram-se, em um
esforço conjunto, em busca de soluções para sanar os danos causados pelos
temporais que estão assolando o estado gaúcho.
No ano passado, um ciclone derrubou moradias,
levou à morte dezenas de pessoas e causou graves danos materiais no estado.
Segundo especialistas, desta vez, o El Niño, fenômeno natural, o terceiro mais
forte registrado, entre 2023 e este ano, tem potencializado a elevação da
temperatura, provocando os temporais Rio Grande do Sul e secas inéditas na
Amazônia e no Pantanal Mato-grossense.
O climatologista Carlos Nobre, em entrevista
a diversos veículos de comunicação, explica que o ciclone extratropical lança
água mais quente dos oceanos dentro do continente, o que provoca temporais,
como os que atingiram o Rio Grande do Sul em setembro do ano passado.
"Agora é um pouco diferente. O fenômeno meteorológico é o bloqueio com
baixa pressão e, no Centro-Oeste e Sudeste, a alta pressão com muito calor, que
não forma nuvem nenhuma. O El Niño está ficando cada vez mais forte",
afirmou Nobre.
Apesar da intensidade dos temporais, cada vez
mais danosa, provocando perdas de vidas em escalas elevadas, ainda há quem não
reconheça que o fenômeno decorre do aquecimento global. Há um negacionismo
inexplicável ante uma realidade concreta e dramática. O planeta vem advertindo
as nações que as atividade humanas, industriais e empresariais, à medida que
rejeitam o uso de energias limpas, insistem nos combustíveis fósseis que
interferem na temperatura da Terra, por meio das alterações climáticas, expansão
das áreas de deserto, secas intensas por períodos mais longos, derretimento de
geleiras.
Emissões de gases de efeito estufa, incêndios
nas florestas, desmatamento e outras intervenções perturbadoras do equilíbrio
dos ecossistemas e biomas, contribuem para o agravamento desses fenômenos do
clima. Todos esses fatores derivam de atividades humanas. Apesar de todos os
danos, governos, empresários e cidadãos comuns resistem às orientações dos
especialistas — climatologistas, ambientalistas, físicos, biólogos, entre
outros —, dedicados a encontrar meios de preservação da vida no planeta.
No cenário global, o Brasil tem relevante
papel, pela sua diversidade de biomas, que guardam patrimônio ambiental
invejável, diante de boa parte das nações. Mas há uma grande resistência dentro
dos poderes executivos e legislativos federal, estadual e municipal em relação
à necessidade de preservação dessa riqueza. As ações antrópicas nos biomas
nacionais têm sido desastrosas, na Amazônia, no Centro-Oeste, no Sudeste,
Nordeste e no Sul;
O Rio Grande do Sul, há alguns anos,
flexibilizou o Código Ambiental, que alargou as brechas para intervenções
comprometedoras do equilíbrio dos ecossistemas. Os danos desses desajustes são
causas ou agravam os impactos dos fenômenos climáticos, na avaliação dos
especialistas. A mesma advertência da natureza ocorre em outras regiões, por
meio de episódios tão dolorosos à sociedade como vem ocorrendo com os gaúchos.
A enorme tragédia que ora se revela uma das maiores da história do Sul impõe uma revisão da relação entre a sociedade e o meio ambiente. É preciso que os poderes da República, bem como a sociedade, passem por reeducação e imponham limites rigorosos, para que haja uma reciprocidade entre a sociedade e o patrimônio natural. À medida que os brasileiros protegem suas riquezas ambientais, com base nas orientações dos especialistas, serão por elas protegidos.
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