Valor Econômico
Mesmo depois de 2018 e 2022, o PT ainda não
fez o dever de casa sobre as redes, mas há “esperança”
No fim de semana, dois eventos de grandes magnitudes movimentaram o noticiário, um pelo viés da catástrofe, outro pela euforia. Nas redes sociais, o cruzamento de ambos gerou turbulência política, obrigando o governo federal a travar duas batalhas: desmentir “fake news” no universo digital, e envidar esforços no mundo real para socorrer vítimas dos alagamentos no Sul.
De um lado, o agravamento das enchentes no Rio Grande do Sul comoveu o país. O Lago Guaíba subiu mais de 5 metros, provocando uma inundação sem precedentes em Porto Alegre - a cheia histórica do rio havia marcado 4,77 metros em 1941. Até ontem, havia 85 mortos, 134 desaparecidos, 364 dos 496 municípios gaúchos afetados, 873 mil pessoas atingidas.
Em contraponto, o som e a fúria da cantora
Madonna atraíram mais de 1,6 milhão de pessoas para a Praia de Copacabana no
sábado (4) à noite, incluindo o evento no rol dos cinco maiores shows do mundo
em termos de público.
Entremeio o governo federal, com alta
reprovação entre os gaúchos, mobilizou esforços e recursos para socorrer as
vítimas da tragédia. Em 2022, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva
perdeu para Jair Bolsonaro no Rio Grande do Sul por margem ampla: o
ex-presidente obteve 56,3% dos votos contra 43,6% do petista.
Lula visitou o Estado na quinta-feira (2) com
um grupo de ministros, que começaram a trabalhar em parceria com o governador
Eduardo Leite (PSDB), adversário político do PT. Depois, no domingo (5), Lula
voltou a Porto Alegre, desta vez, com as cúpulas dos Poderes: os presidentes do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL),
o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, o presidente
do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, e 13 ministros.
Todos reunidos para definir ações e
diretrizes para resgatar as vítimas, garantir acolhimento, e acelerar
diligências para reconstruir o Estado. Mas em outra frente, o governo começou a
apanhar no mundo digital.
No sábado de manhã, a notícia de que a
primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, havia desembarcado no Rio de Janeiro
para assistir ao show de Madonna deflagrou uma onda de ataques a ela e ao
governo nas redes sociais, principalmente a partir de perfis ligados ao
bolsonarismo. Nem o desmentido tardio nem a efetiva ausência de Janja no show
barraram a disseminação da mentira.
Para além desse episódio, perfis
bolsonaristas também impulsionaram outras inverdades, como a de que recursos
federais, da Lei Rouanet, teriam financiado o show - que foi custeado por
empresas privadas, pelo governo estadual e Prefeitura do Rio. Lula também foi
acusado de “cruzar os braços” para a tragédia gaúcha.
Um levantamento da Consultoria Bites,
especializada na análise de dados da internet, compartilhado com a coluna,
mostrou que o show da Madonna e a tragédia gaúcha movimentaram as redes sociais
no fim de semana: foram 7,56 milhões de postagens, com 116 milhões de
interações, levando-se em conta plataformas, sites, blogs e perfis de
influenciadores.
O volume de menções ao show teve mais
interesse entre sábado e domingo, quando também houve o pico de citações à
tragédia. No auge, houve mais de 20 milhões de interações com os dois temas. O
episódio envolvendo Janja rendeu 107 mil menções, com 1,2 milhão de
engajamento.
No sábado, a repercussão era negativa, mas
ela conseguiu reverter essa curva no dia seguinte, ao desembarcar com Lula em
Porto Alegre. Além disso, ela cumpriu agenda solo em Canoas (RS), onde visitou
famílias desabrigadas, e também um abrigo de animais resgatados, onde adotou a
cadela que batizou de “Esperança”, gerando uma onda positiva sobre sua imagem.
“Depois dos ataques [da véspera], ela conseguiu um volume maior [positivo] ao
se envolver na adoção da cachorra”, analisou André Eler, diretor-adjunto da Bites.
Mas ele observou que as ações dela foram impulsionadas por perfis de esquerda e
até de fofoca, simpáticos ao governo.
Sobre as “fake news” relativas ao
financiamento do show, foram 133 mil menções, com 1,59 milhão de interações.
Mas Eler ressaltou que nesses números, incluem-se as informações verdadeiras de
que não houve dinheiro federal no evento. Nas 100 mensagens com maior
repercussão, só uma associou ao governo federal gastar R$ 50 milhões com
Madonna, e “nada” com o Rio Grande do Sul: saiu do perfil bolsonarista “Pavão
Misterioso”, e teve 106 mil visualizações e 7,82 mil interações.
Segundo Eler, a tentativa da direita de
pautar o debate de costumes contra o show da Madonna não teve tanto êxito pela
reação de perfis de esquerda e de artistas, engajados na agenda LGBTQI+. “A
direita falou mais com sua bolha”, observou.
Mas ele alertou que o governo “dificilmente”
vence debates nas redes contra a direita sozinho, sem o auxílio dos perfis de
esquerda, e de outros influenciadores simpáticos à gestão petista. Ele
ressaltou que os perfis do governo nem sempre estão coordenados para respostas
ágeis nas redes, e tendem a perder da direita nas pautas de política. “Se a
pauta [Madonna] não fosse de costumes, cara à comunidade LGBT, por exemplo,
seria difícil organizar essa resposta”, concluiu. Mesmo depois de 2018 e 2022,
o PT ainda não fez o dever de casa sobre as redes. Mas há “esperança”.
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