Valor Econômico
Declarações em reuniões fechadas, comunicado só com pontos consensuais são alguns dos problemas
A pior notícia que o Banco Central teve nos
últimos meses foi a alta das expectativas de inflação de 2026, de 3,5% para
3,58%, depois de 46 semanas de estabilidade. Este é um horizonte de tempo muito
distante para ser afetado pelas decisões que estão sendo tomadas agora sobre a
taxa Selic, e até lá se presume que todos os choques que pressionam a inflação
podem se dissipar sozinhos ou com a ajuda da política monetária. Trata-se,
portanto, de um questionamento frontal dos especialistas de mercado financeiro à
credibilidade da política monetária.
A maior parte da responsabilidade se deve ao voto dissidente de todos os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) indicados pelo presidente Lula em favor de uma baixa mais forte de juros. Mas falhas na comunicação de política monetária do colegiado também pioraram as coisas. Algumas delas não são, exatamente, novas. Será preciso debatê-las para corrigi-las.
Em 17 de abril, o presidente do Banco
Central, Roberto Campos Neto, mudou a comunicação do Copom, em um evento da XP
Investimento dentro da agenda do encontro de primavera do Fundo Monetário
Internacional (FMI). A mudança tinha justificativas: a inflação nos Estados
Unidos se mostrava mais resistente, e o mercado passou a precificar o adiamento
do corte de juros; no Brasil, o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) adotou uma trajetória de consolidação fiscal mais frouxa.
Até então, o Copom havia sinalizado um corte
de 0,5 ponto percentual para a sua reunião de maio, e essa era a aposta
predominante nas opções negociadas na B3. Depois da fala de Campos Neto, a
aposta em corte de 0,25 ponto passou a ser preponderante.
Quando Campos Neto falou, a interpretação
mais comum dos especialistas do mercado foi que ele transmitia uma visão única
do colegiado. O presidente do BC tinha ao seu lado o diretor de Assuntos
Internacionais, Paulo Picchetti, um respeitado acadêmico indicado pelo governo
Lula.
Mais tarde, tomou-se conhecimento de que não
era bem assim. Integrantes do mercado financeiro capturaram os primeiros sinais
da falta de articulação do BC em torno da nova comunicação, em reuniões
fechadas com dirigentes da instituição. Aqui já há um problema: palestras como
essa, que podem modificar a precificação de mercado, deveriam ser sempre
públicas. O BC fez um grande esforço para dar transparência aos pronunciamentos
de seus membros, que costumam ser abertos à imprensa, mas essas reuniões dos encontros
do FMI seguem como um clube fechado. Costumam dar problemas: em outubro de
2023, em Marrakech, uma fala de Campos Neto foi interpretada de forma
equivocada e causou ruídos.
Em 15 de maio, Galípolo foi questionado num
evento público, o Summit Valor Econômico Brazil-USA, se havia sido consultado -
e confirmou que não. Ele procurou contemporizar: disse que Campos Neto tinha
direito a emitir opiniões e que ele mesmo não consultava o presidente do BC nas
suas falas.
Difícil concordar com isso. O voto de Campos
Neto vale como os demais dentro do Copom, mas ele é o porta-voz do colegiado. A
regra do silêncio do Copom, por exemplo, diz que é o presidente do BC quem deve
falar em público, representando o colegiado, quando há fato novo que exige
mudanças na sinalização de política monetária.
Hoje, aos olhos do mercado, há dois
presidentes do BC. Um deles é Campos Neto, que fica no cargo até 31 de dezembro
deste ano. Outro é Galípolo, que é tido como o mais forte candidato a suceder
Campos Neto. Galípolo pode até não vir a chefiar o BC, mas não importa: para
efeitos práticos, o mercado reage a seus votos e pronunciamentos como se de
fato ele fosse sentar na cadeira.
Os integrantes do Copom deveriam deixar bem
claro, a cada pronunciamento, se estão emitindo a própria opinião ou se estão
expressando uma visão do colegiado como um todo. Nos períodos mais delicados,
quando há mudanças na comunicação, a prática deveria ser ler um texto
previamente preparado pelo comitê.
Outra parte importante dos ruídos de
comunicação foi causada pelo hiato que existe entre a divulgação do comunicado
do Copom, na noite de uma quarta-feira, e a da ata da reunião, na manhã da
terça-feira seguinte. O comunicado é mais curto, e não cabem todas as
explicações. O mercado passa três pregões no escuro sobre o que realmente o
comitê decidiu na reunião.
Os principais bancos centrais procuram
eliminar, de cara, essa incerteza. Nos Estados Unidos e na zona do euro, os
presidentes dos BCs concedem uma entrevista coletiva pouco depois de o
comunicado sair.
Um dos problemas é uma prática, adotada na
gestão Campos Neto, de colocar no comunicado apenas os pontos consensuais. Isso
significa que ninguém sabe ao certo por que os membros dissidentes do Copom
votaram como votaram. Em maio, a ala minoritária discordou apenas de rasgar a
sinalização de corte de 0,5 ponto, segundo eles explicaram mais tarde. Havia
uma concordância sobre o diagnóstico do cenário inflacionário, que piorou, e
sobre o remédio, mais juros. Em agosto do ano passado, ocorreu algo muito semelhante.
Essas duas reuniões mostraram que o placar
das votações do Copom pode ter efeitos tão importantes no mercado quanto a
decisão em si. O Copom poderia dedicar uma ou duas linhas de seus comunicados
para os dissidentes explicarem as suas razões. Não vai aliviar nada se o
mercado achar que as razões não foram boas, mas pelo menos se elimina uma fonte
de incerteza.
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