Mayara Paixão / Folha de S. Paulo
Analista vê possibilidade de 'governo
descafeinado' após seis anos de López Obrador; atraso na divulgação da contagem
rápida gera críticas a órgão eleitoral, cansaço e suspeitas
CIDADE DO MÉXICO - Claudia
Sheinbaum vai suceder a Andrés Manuel López Obrador, seu padrinho
político, e será a primeira mulher na história a governar o México, indica
projeção oficial dos resultados.
Às 3h de Brasília (0h local), o Instituto
Nacional Eleitoral (INE), órgão autônomo, estimou que a governista teria de
58,3% a 60,7% dos votos. Na sequência, a opositora Xóchitl Gálvez marcaria
entre 26,6% e 28,6%.
É a chamada contagem rápida do INE, um
procedimento previsto no regramento eleitoral mexicano no qual uma equipe
técnica projeta o resultado com base em uma amostra da contagem obtida nas
"casillas", como são chamados os centros de votação. A confiança é de
95%.
Se confirmados esses números, Sheinbaum seria
a presidente eleita com mais votos na história do país.
Os opositores —Xóchitl e Jorge Álvarez Máynez, azarão do Movimento Cidadão que teria obtido em torno de 10%— reconheceram a derrota.
A noite no país foi marcada por tensão e
cansaço dos mexicanos. O órgão eleitoral remarcou por três vezes o prazo
estimado para divulgar sua contagem rápida, a baliza para os resultados até que
daqui a alguns dias se divulguem as cifras oficiais desta votação.
Sem dar qualquer justificativa, o silêncio
alimentou especulações das mais diversas e despertou críticas. O INE
é um dos órgãos atacados por López Obrador, que diz que o instituto opera
para a oposição.
O pleito consolidado neste domingo (2) foi
marcado por alta violência em várias regiões do país e ao menos 37 aspirantes a
cargos políticos assassinados desde o início do ano, segundo levantamento
atualizado da organização independente Laboratório Eleitoral.
Sheinbaum aparecia com larga vantagem na
maior parte das pesquisas de intenção de voto. Ela herdou o capital político de
AMLO, maneira como o presidente é conhecido, ainda que seu carisma pessoal
esteja muito distante do que goza o líder populista.
Se confirmados os resultados da contagem
rápida, haverá frustração geral com os índices de participação, estimados entre
60% e 61,5%. Esperava-se que estas eleições tivessem recorde de comparecimento.
Em 2018, nas últimas presidenciais, a cifra superou 63%.
No final da noite no horário local, já
madrugada em Brasília, acusações de fraude na capital começaram a surgir após
relatos de que o sistema do Instituto Eleitoral da Cidade do México havia saído
do ar por curto período de tempo por um ciberataque. A reportagem falou com
equipe da presidente do órgão, que disse que a informação era falsa.
Ainda assim, era extremamente lenta a
contagem de votos na capital mexicana. Após mais de cinco horas do início da
divulgação dos resultados parciais, haviam sido computadas somente 10,5% das
atas.
A provável próxima ocupante do Palácio
Nacional terá desafios em diversas frentes. Na economia, vê-se diante de um
momento-chave do nearshoring, a estratégia de aproximar a cadeia de
produção do consumidor final, no caso os Estados Unidos, em um movimento
impulsionado pela Guerra Fria 2.0 de Washington com a China.
AMLO não
desenvolveu um plano industrial, e uma interpretação comum é a de que houve
"sorte conjuntural" para o
México se tornar o principal exportador para os EUA. Agora, para analistas,
é preciso uma política concreta para o setor se manter no patamar atual.
Neste sentido, ela deu acenos importantes em
seu discurso de vitória ao mercado privado, desanimado com o protecionismo de
AMLO, e às energias renováveis —Sheinbaum tem doutorado em engenharia
ambiental. "Vamos garantir o investimento privado nacional e estrangeiro,
garantindo sempre o respeito ao meio ambiente."
No campo da segurança pública, Sheinbaum
herda o sexênio com mais homicídios da história mexicana, ainda que as cifras
tenham caído ligeiramente no último ano. López
Obrador apostou na militarização como saída. Mais do que isso, inflou o
poder e a verba dos militares, dando a eles o controle de aeroportos e de obras
de infraestrutura. Até aqui, Sheinbaum indicou continuidade nesse sentido.
A própria campanha foi um demonstrativo do
poder dos cartéis do narcotráfico. O nível de violência política foi recorde, e
mais de 200 centros de votação não puderam funcionar por temor de ataques.
A imigração, tema sempre presente na relação
com os EUA, ganhou mais peso diante do aumento do fluxo de quem tenta cruzar a
fronteira e da maior repressão a esse movimento. Nunca antes o México prendeu
tantos imigrantes —foram 481 mil de janeiro a abril deste ano, alta de 230% em
relação ao mesmo período de 2023.
A eleita representa uma tríade de partidos da
situação: o Morena, uma das siglas mais jovens, fundada em 2011 por Obrador; o
PT (Partido do Trabalho) e o PVEM (Partido Verde Ecologista). A reeleição não é
permitida no México, o que força a saída de AMLO do poder.
Obrador foi um dos primeiros a se pronunciar
sobre a vitória de sua candidata. Em um vídeo, disse estar orgulhoso do México.
Sheinbaum derrota a ex-senadora Xóchitl
Gálvez, indígena que se tornou uma empresária de sucesso e representava uma
histórica coalizão de oposição formada pela tríade de partidos mais antigos do
México: PRI (Partido Revolucionário Institucional), de 1929 e que governou
ininterruptamente até 2000; PAN (Partido Ação Nacional), de 1939; e PRD
(Partido da Revolução Democrática), de 1989.
Ainda que em sua plataforma de "Quarta
Transformação", como
foi apelidado o plano de governo, Sheinbaum prometa uma gestão de total
continuidade —"levaremos ao segundo nível os avanços consagrados por
AMLO", disse no ato de encerramento de campanha—, a analista Sofía Fuentes
diz que a eleita deve operar um "governo descafeinado".
É uma referência à postura arredia de AMLO em
alguns setores. Ele conduzia ataques reiterados à imprensa e a organizações
sociais e operou um plano protecionista, notadamente na área energética, que
tentou concentrar nas mãos de estatais.
Para Fuentes, da consultoria Prospectiva,
Sheinbaum demonstra maior possibilidade de abertura privada, menos ataques a
opositores e maior investimento em infraestrutura para catapultar o
nearshoring.
A própria eleita afirmou isso. No discurso de
vitória, disse que, por convicção, sua plataforma "nunca faria um governo
autoritário ou repressor".
A grande dúvida sobre a nova gestão é sobre
qual influência López Obrador terá no novo governo e se haverá um
distanciamento entre padrinho e apadrinhada.
"A narrativa de Sheinbaum pode seguir
semelhante à de AMLO, mas nos parece que o operacional tende a desviar um
pouco", afirma.
Nem Sheinbaum nem Xóchitl empolgaram os
movimentos organizados de mulheres, para os quais seus planos de governo eram
demasiado comedidos na agenda de gênero. O México
tem altas taxas de violência contra a mulher.
Entre outras coisas, a candidata de López
Obrador defende que o combate à violência doméstica seja feito com a retirada
do agressor da casa da família e que haja um apoio financeiro mensal para
mulheres de 60 a 64 anos, idade anterior à aposentadoria.
Durante o domingo, a votação ocorreu sob
relativa tranquilidade em algumas regiões, como a capital, mas com casos de
violência armada em outros. Longas filas eram observadas nas
"casillas", os locais onde estavam instaladas as urnas e que, em média,
tinham 750 eleitores registrados cada.
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