Folha de S. Paulo
Turbulências devem obrigar equipe econômica
de Lula a antecipar discussão sobre gastos públicos
A vida da equipe econômica de Lula está
mais difícil. As derrotas no Congresso, os juros nos Estados Unidos e a
turbulência no mercado financeiro devem obrigar a equipe econômica a antecipar,
ao menos em parte, a discussão sobre gastos públicos que só pretendia fazer em
2025.
As medidas mais controversas, que ainda não
sabemos se serão mesmo apresentadas, seriam a desvinculação do piso da
previdência do salário-mínimo e a revisão dos mínimos constitucionais de gasto
com saúde e educação.
O economista Bráulio Borges, que já teve suas propostas elogiadas por Haddad, defende que o piso da previdência seja reajustado pelo índice de inflação da terceira idade (IPC3-i) calculado pela Fundação Getúlio Vargas, e que os mínimos para saúde e educação sejam substituídos por pisos de gasto per capita que poderiam subir com o tempo.
O timing político das propostas pode parecer
estranho.
O ajuste real do salário-mínimo no governo
Bolsonaro foi zero. Se Lula desvinculasse o piso da previdência no começo do
governo, quando começou a aumentar o mínimo, ainda estaria dando mais aumento
do que Bolsonaro para todo mundo.
No teto de gastos de Temer, a vinculação de
gastos com saúde e educação havia sido extinta. Se Lula inserisse uma
vinculação mais modesta no arcabouço fiscal, ainda estaria aumentando a
obrigatoriedade do gasto com saúde e educação, em comparação com os dois
últimos governos.
Fazendo o ajuste no meio do governo, a
impressão será que Lula 3 desacelerará os aumentos dos aposentados (que ainda
serão maiores do que antes de Lula 3) e diminuirá a obrigação de gastar com
saúde e educação (que ainda vai ser maior do que antes de Lula 3).
Como bem notou Samuel Pessôa nesta Folha,
esses mecanismos poderiam ter sido implementados junto com o novo arcabouço
fiscal, já em 2023. O economista Bruno Carazza, em artigo recente no Valor Econômico, propôs a questão nos
seguintes termos: por que Lula não seguiu o clássico conselho de Maquiavel, de
fazer o mal de uma vez e o bem aos poucos? Isto é, porque Lula não propôs os
ajustes no começo do governo, para colher os benefícios de crescimento (e recuperar
sua popularidade) nos anos seguintes?
Na verdade, Lula 3 teve um início de governo
muito atípico. O preço da impopularidade no começo de Lula 3 era muito maior do
que em qualquer governo da Nova República, pois houve uma tentativa de golpe. O
líder do golpe, aliás, ainda está solto e acaba de indicar o
candidato a vice na chapa de Ricardo Nunes.
E havia uma questão de princípio, com a qual
concordo: como bem disse Marcelo
Medeiros em entrevista à Folha, qualquer proposta de ajuste
pode ser discutida, mas o gasto com pobre deve ser cortado por último. Quem
critica o ajuste pelo foco na arrecadação deveria lembrar do seguinte: a
maioria das desonerações combatidas por Haddad —inclusive as criadas no
governo Dilma—
deveria ser extinta mesmo se não houvesse problema fiscal. São completamente
injustificáveis e regressivas.
Resta torcer para que o ajuste de meio de
governo se dê em condições mais favoráveis, tanto no ambiente externo quanto no
equilíbrio político. Ajudaria se a extrema direita perdesse nas eleições
municipais, nas eleições para presidência de Câmara e Senado, e na eleição
americana.
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