Produtividade baixa é raiz da pobreza brasileira
O Globo
Crescimento de apenas 0,3% ao ano desde 2010
é insuficiente para aumentar renda da população
Há cinco anos o Brasil está entre as dez
piores posições no ranking de competitividade do International Institute for
Management Development (IMD), da Suíça. Na última edição, ocupa a 62ª posição
num total de 67 países, à frente apenas de economias desajustadas como Nigéria
ou Venezuela. Um olhar sobre o histórico recente da produtividade mostra onde
estão as deficiências. Em 1980, eram necessários dois brasileiros para produzir
tanta riqueza quanto um americano. Hoje é preciso quatro.
Quando se discute a pobreza persistente no Brasil, muito se fala na necessidade de ampliar e aprimorar programas sociais. Eles são necessários no presente, mas insuficientes para o futuro. Pouco se discute o principal indicador que traduz o atraso da nossa economia: a produtividade. Desde 2010, ela cresceu 0,3% ao ano, acima apenas da década perdida nos anos 1980. Nos últimos 13 anos, o investimento na produção aumentou pouco, e a alocação de recursos perdeu eficiência.
O único ponto positivo foi a melhora na
escolaridade da mão de obra. Mas, enquanto não se forma força de trabalho para
uma economia moderna, ainda proliferam ocupações mal remuneradas que não geram
riqueza e já desapareceram em economias avançadas: porteiros de prédios,
cobradores de ônibus, ascensoristas, flanelinhas etc.
Outra causa da produtividade baixa é a
insegurança jurídica. Os litígios tributários no Brasil não encontram paralelo
no mundo. No ano passado, por iniciativa do governo, o Congresso aprovou a
reforma tributária. Em vez de acelerar a regulamentação, os parlamentares andam
em marcha lenta. O resultado é incerto, uma vez que grupos de interesse
trabalham noite e dia para entrar em listas de exceções e conquistar
benefícios. Reservas de mercado e regimes especiais diminuem a competição e
premiam empresas menos produtivas. As que obtêm regalias alcançam êxito
financeiro porque pagam menos imposto, não porque investiram para produzir
melhor.
Um dos principais problemas da economia
brasileira é a permanência no mercado de empresas pouco produtivas, diz
Fernando Veloso, coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonelli.
Como elas absorvem capital e mão de obra, atrapalham o desempenho das mais
eficientes. Isso é um freio para a competitividade. O governo insiste em
privilegiar áreas em que o Brasil jamais atingirá patamar alto de
produtividade, como as indústrias naval ou de semicondutores. Enquanto isso,
nosso setor mais vibrante e produtivo — fruto de investimentos em pesquisa e
tecnologia — é o agronegócio.
A ideia de que a salvação está em crédito
barato à custa do contribuinte já se revelou equivocada. Outro engano é
priorizar a indústria, quando o setor de serviços concentra 70% da mão de obra,
dois terços do PIB e
tem problemas de produtividade. Sem avaliar o resultado de políticas públicas
que deram errado, jamais daremos um salto necessário de competitividade.
A baixa produtividade é raiz da pobreza
brasileira. Está nela a explicação para a renda per capita ter crescido mero
0,2% ao ano entre 2010 e 2023. Mantido esse ritmo, o brasileiro só dobrará de
padrão de vida no distante ano de 2368. Para acelerar, é necessário criar um
ambiente de negócios com mais competição, previsibilidade jurídica e educação
de qualidade. Acima de tudo, é essencial ter senso de urgência. Não dá para
esperar até 2368.
Apagão de dados continua a ser a regra nos
municípios brasileiros
O Globo
Das 26 capitais, 21 estão no pior nível de
transparência. Nenhuma atingiu metade da nota máxima
São perturbadoras as conclusões de um estudo
mostrando que a grande maioria das capitais brasileiras não dá transparência
aos dados sobre suas políticas públicas. Nada menos
que 21 das 26 capitais estaduais foram classificadas no pior nível do
levantamento da Open Knowledge Brasil. A realidade é um apagão
de informações em áreas críticas como educação, saúde, finanças, meio ambiente,
infraestrutura ou administração. Lamentavelmente, a transparência de dados, que
deveria ser regra, virou exceção.
As capitais receberam uma pontuação de 0% a
100%, o Índice de Dados Abertos (ODI) para Cidades 2023. Com base em 111
conjuntos de informações sobre 14 áreas da administração e sobre a governança
dos dados, foram classificadas em cinco níveis de abertura: opaco, baixo,
médio, bom e alto. Escaparam do pior nível apenas São Paulo, Belo Horizonte
(ambas no médio), Recife, Curitiba e Fortaleza (baixo).
Nenhuma cidade atingiu 50% na pontuação. São
Paulo, líder no ranking, alcança melhor avaliação nos dados sobre finanças
públicas (78%) e educação (75%). Belo Horizonte, a segunda, tem bom desempenho
nas informações sobre infraestrutura (84%) e assistência e desenvolvimento
social (76%). A educação, que costuma ocupar os primeiros lugares na lista de
preocupações dos brasileiros, concentrou o maior grau de opacidade. “É um
contexto preocupante, que nos faz questionar: se a situação nas maiores cidades
do país é essa, como será o cenário nas outras?”, diz a coordenadora de
Advocacy e Pesquisa da Open Knowledge Brasil, Danielle Bello.
Não é razoável que cidades não divulguem
dados sobre suas políticas públicas. Neste ano haverá eleições municipais, e os
eleitores têm direito de saber o que se passa em seus municípios. Os dados são
importantes não só para os candidatos trabalharem com cenários reais, mas
também para as autoridades de controle e fiscalização acompanharem como é
aplicado o dinheiro do contribuinte. Seria péssimo se informações fossem
sonegadas para não abastecer adversários políticos. É um equívoco imaginar que
os dados pertencem a governos. Eles são dos cidadãos.
Informação é matéria essencial na gestão
pública. As respostas do poder público às chuvas que afetaram quase todos os
municípios do Rio Grande do Sul ensejaram diversos questionamentos sobre a
atuação dos gestores. Está claro que não houve prioridade às medidas para
mitigar os efeitos das mudanças climáticas, preservar vidas e reduzir danos.
Para citar apenas um exemplo, o sistema antienchentes de Porto Alegre não
recebeu a manutenção adequada e entrou em colapso, impondo sofrimento à
população e causando prejuízos.
Esse é apenas um exemplo da importância de a
sociedade acompanhar de perto o que acontece em suas cidades. Para isso,
informações são essenciais. O apagão de dados deixa a sociedade sem rumo.
Quando se percebe o erro, nada há a fazer senão lamentar.
Sociedade impõe limites a excessos na
política
Folha de S. Paulo
Reação dificulta guinadas como a do aborto e
indica que o melhor para Congresso e Executivo é concentrar-se na economia
Ao que tudo indica, caminha para o fracasso a
tentativa de uma minoria estrepitosa de deputados federais de fazer retroceder
a já antiquada legislação sobre aborto no
Brasil. A forte reação da sociedade à proposta de criminalizar a prática em
gravidezes decorrentes de estupro impôs
limites à insanidade.
Como apontou o Datafolha, 66% dos
brasileiros se opõem ao PL Antiaborto por Estupro. A rejeição ao
diploma entre os evangélicos, em nome dos quais alguns parlamentares
oportunistas alardeiam patrocinar o projeto, também se mostra solidamente
majoritária (58%).
O resultado não deveria causar espanto em
quem acompanha a opinião pública brasileira nas últimas décadas. As maiorias em
regra desconfiam de guinadas em normas concernentes a costumes propostas por
lideranças radicais.
O mesmo Datafolha identificou essa tendência
sob Jair
Bolsonaro (PL). O conjunto de proposições extremistas encarnado
pelo então presidente não era compartilhado pelo brasileiro médio, o que se
refletiu no Congresso e em outras instâncias que dificultaram, quando não
impediram, os retrocessos.
Na esteira do desgaste com a audácia de
buscar votar a toque de caixa o texto sobre aborto, parece ter-se firmado na
chefia da Câmara a saudável orientação de deixar em segundo plano tramitações
de temas de valores ou controvertidos, como a proposta que
na prática enterra as delações premiadas.
O encaminhamento indicado para esse quadro é
priorizar pautas que possam livrar o país da maldição da baixa produtividade e
do crescimento irrisório da renda. Decerto haverá possibilidades de se formarem
consensos bem mais interessantes para a população se o esforço de Executivo e
Legislativo se concentrar na área da economia.
Corre na Câmara a fase crítica da reforma dos
tributos, a das leis inferiores à Carta que vão especificar a operação do novo
regime. A voracidade dos lobbies ao redor dos deputados é tamanha que só a
vigilância da sociedade poderá salvaguardar o princípio republicano de que
todos pagam o mesmo e as alíquotas são as menores possíveis.
Além disso, há decisões importantes a tomar
já sobre o futuro das contas públicas brasileiras. A recuperação das receitas
federais não pode mais ser a única estratégia para que a União volte a caminhar
para o equilíbrio orçamentário e equacione o endividamento.
É preciso tomar medidas, como desvinculações
de receitas em saúde,
Previdência e educação,
para domar a elevação insustentável das despesas. O preço da tergiversação já
se vê na disparada na
cotação do dólar e nos juros da praça.
Perder tempo com disputas imaginárias e
radicais sobre costumes atrasa e empobrece o país.
Militares custosos
Folha de S. Paulo
Disparidade entre Previdência das Forças
Armadas e dos civis exige reforma ampla
O déficit das
contas federais e a dificuldade do governo petista em lidar com
o problema provocam debate urgente sobre gastos, até agora praticamente
intocados. A reforma da Previdência das Forças
Armadas é um exemplo dessa pauta.
O gasto com militares da ativa equivale a só
57% daquele com militares na reserva, reformados e pensionistas. No caso dos
civis, a proporção é de 156% —no último ano até abril, desconsideradas
sentenças judiciais e precatórios.
A despesa com inativos das Forças está em
0,53% do PIB por
ano (R$ 58,9 bilhões); com os civis, em 0,84% do produto (R$ 92,9 bilhões). Mas
os beneficiários militares somam 313 mil, ante 796 mil civis.
Segundo dados do Tribunal de Contas da União,
publicados pela Folha, o déficit por beneficiário no INSS ronda
os R$ 9.400. Entre civis,
são R$ 69 mil; já entre os militares, a conta vai a R$ 159 mil.
Servidores das Forças se aposentam mais cedo
e mantêm seus vencimentos quando inativos. Sobrevivem regimes especiais de
proteção para pensionistas. Sua Previdência não sofreu reforma ampla neste
século, como a dos civis.
Os militares argumentam que trata-se de
compensação para especificidades da carreira —não têm hora extra, adicional
noturno nem sindicatos e são obrigados a mudanças constantes de cidade.
No entanto cerca de metade dos trabalhadores
brasileiros não possui os direitos de contratados formais nos setores privado e
público. Ademais, não é na Previdência que se deve corrigir desigualdade do
mercado de trabalho. Ainda que a condição militar deva ser levada em conta, a
disparidade na aposentadoria é exagerada.
Em comparação internacional, o gasto nas
Forças do Brasil é alto. É fato que a despesa com servidores federais (ativos,
inativos e pensionistas) tem diminuído, de 4,26% do PIB em 2008 para 3,17% do
PIB atualmente, redução considerável, em particular entre os civis.
Ainda assim, é urgente uma reforma administrativa, também de organização e métodos, a fim de modernizar o trabalho e dirigi-lo aonde é mais necessário. O serviço público militar não pode ficar fora dessa revisão geral.
Lula, candidato a redentor
O Estado de S. Paulo
Presidente antecipa a eleição de 2026
apresentando-se como o único capaz de impedir que os ‘trogloditas’ voltem ao
poder. Mas o Brasil não precisa de um salvador, e sim de um estadista
Tem sido cada vez mais difícil para Lula da
Silva encontrar um espaço em sua concorrida agenda de candidato – à reeleição,
ao Nobel da Paz e ao Olimpo – para exercer a função de presidente da República,
para a qual foi eleito por estreitíssima margem em 2022. Sabe-se que Lula não
tem nem vontade nem traquejo para governar, pois seu hábitat é o palanque, e
não o gabinete presidencial. Mas mesmo para os padrões do demiurgo, declarar-se
candidato faltando ainda longos 30 meses para o fim de seu errático e preguiçoso
terceiro mandato, como fez Lula há poucos dias, parece um pouco demais.
Lula, no entanto, claramente entendeu que
precisa desde já tratar todos os crescentes problemas de seu governo e do País
como resultado não de sua incompetência atávica e de sua visão antediluviana de
economia, mas da sabotagem política dos “trogloditas” – nome que ele deu aos
bolsonaristas – que almejam voltar ao poder.
Nesse terreno, em que tudo se resume à luta
política, Lula joga em casa. Os seguidos ataques desferidos ao presidente do
Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, são parte da manjada estratégia de
arranjar um inimigo que incorpore todo o “mal” que Lula e o PT se julgam
destinados a combater. As mais recentes declarações de Lula a respeito de
Campos Neto não deixam margem a dúvidas: para o petista, o presidente do BC
“tem lado político” e “trabalha muito mais para prejudicar do que para ajudar o
País”. O “lado político”, claro, é o campo bolsonarista, do qual Campos Neto,
lamentavelmente, nunca se afastou.
É fato que o presidente do BC deveria ter
sido mais prudente e evitado que sua imagem se identificasse com este ou aquele
grupo político, mas mesmo que Campos Neto fosse um dos Eremitas da
Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, ainda assim seria denunciado por
Lula como o enviado do Cramulhão para sabotar o projeto petista de fazer do
Brasil o Paraíso na Terra. E isso se dá porque Campos Neto foi nomeado para o
BC pelo Cramulhão em pessoa.
Desse modo, sendo ele a chaga bolsonarista
remanescente no coração do governo lulopetista, Campos Neto é desde sempre o
candidato preferencial a bode expiatório para carregar todos os pecados do
mundo. Lula foi claro: “Só temos uma coisa desajustada neste país: é o
comportamento do Banco Central”. Em outras palavras, não fossem Campos Neto e
os “trogloditas” aos quais o presidente do BC supostamente se alinha, o País de
Lula estaria voando.
Como o nome de Campos Neto até mesmo começou
a ser aventado para ser ministro num hipotético governo do bolsonarista
Tarcísio de Freitas, Lula trata a prudência do BC em relação aos juros como se
fosse politicamente motivada, destinada a prejudicar seu governo e preparar a
volta dos tais “trogloditas” à Presidência.
Incapaz de enfrentar os problemas que se
avolumam e que demandam desprendimento e espírito público, Lula reage do único
jeito que sabe: antecipa a campanha eleitoral e se apresenta como salvador do
Brasil.
De novo, quer que acreditemos que a
democracia brasileira depende dele. “Se for necessário ser candidato para
evitar que os trogloditas que governaram esse país voltem a governar, pode
ficar certo que meus 80 anos virarão 40 e eu poderei ser candidato”, disse Lula
à Rádio CBN. E disse mais: “Não vou permitir que este país volte a ser
governado por um fascista. Não vou permitir que esse Brasil volte a ser
governado por um negacionista como nós já tivemos”.
Ou seja, Lula se autoatribuiu a missão de
impedir que o bolsonarismo ganhe a próxima eleição presidencial, como se disso
dependesse o futuro do Brasil, quiçá do mundo. Nesses termos, é uma tarefa
sobre-humana, que mais ninguém além dele, nem no PT, seria capaz de cumprir.
“Como Deus existe, eu estou aqui”, disse Lula em evento na Petrobrás. Resta
saber se ele quis dizer que sua existência é a prova da existência de Deus, ou
– o que é mais provável – que ele e Deus são uma coisa só. De um jeito ou de
outro, Lula mais uma vez se apresenta aos eleitores como aquele que se
sacrifica para redimi-los. Mas o Brasil não precisa de um redentor. Precisa é
de um estadista – e isso, definitivamente, Lula não é.
O risco das redes sociais para crianças
O Estado de S. Paulo
Autoridade de saúde dos EUA quer que redes
tenham advertência sobre risco à saúde mental de crianças, um importante alerta
em meio à escalada de ansiedade e depressão entre jovens
Em artigo no New York Times, o chefe da
saúde pública (surgeon general) dos EUA, Vivek H. Murthy, alertou que “a crise
mental entre jovens é uma emergência – e as mídias sociais surgiram como um
fator importante”. Murthy advoga que o Congresso determine que as redes sejam
rotuladas com uma advertência, similar à implementada para o tabaco, que
rememore pais e adolescentes de que elas não se provaram seguras.
A crise é mensurável. Nos últimos 10 anos
houve uma escalada de casos de solidão, ansiedade, depressão, comportamentos
autodestrutivos e suicídios entre adolescentes, especialmente meninas.
Historicamente, o senso comum é de que os jovens experimentam níveis maiores de
felicidade, que declina ao longo da idade adulta e se recupera na velhice.
Revisando dados de 82 países, o economista David Blanchflower constatou que
essa trajetória em U foi subvertida. Hoje, os jovens são os mais infelizes.
O Relatório Mundial da Felicidade identificou o mesmo padrão. É
precisamente a geração que passou a fazer uso diário e intenso das redes
através de smartphones.
Os céticos até admitem uma correlação, mas
não causalidade. No entanto, há vários indícios de que as redes são uma causa
relevante da crise. Antes de tudo, por exclusão: não há fator alternativo que
explique a escalada súbita. Pesquisas mostram que usuários frequentes têm mais
chances de sofrer de transtornos de humor e que aqueles que se abstiveram por
pelo menos uma semana experimentaram benefícios mentais.
Há as evidências anedóticas. Como disse a
pesquisadora de tecnologias digitais Kara Frederick, “crianças e adolescentes
em nossas cidades caminham por aí como zumbis, são conduzidos boquiabertos nos
bancos de trás, e sentam-se acorcundados em mesas de jantar colados aos seus
telefones e às conexões artificiais que eles vendem”. Pais e professores
testemunham em primeira mão: as redes perturbam o sono, a vida familiar e a
atenção. Os riscos variam da vergonha pública e cyberbullyings anônimos até
assédio e extorsão sexual.
Há evidência das próprias redes. “Os
adolescentes culpam o Instagram pelo aumento nas taxas de ansiedade e
depressão. (...) Essa reação foi espontânea e consistente através de todos os
grupos”, diz um estudo vazado do Facebook.
“Uma das piores coisas para um pai ou uma mãe
é saber que seus filhos estão em perigo e ainda assim não serem capazes de
fazer nada a respeito”, testemunhou Vivek Murthy. “É o que os pais me dizem que
sentem quando se trata de mídias sociais – desamparados e sós ante seu conteúdo
tóxico e riscos ocultos”.
Alguns estão tomando a iniciativa. Como
relatou a colunista do Estadão Renata Cafardo, um grupo de mães de
uma escola particular de São Paulo lançou a proposta: “E se a gente combinar de
não dar celular para os filhos até os 14 anos e só permitir redes sociais
depois dos 16?”. O que era um combinado de uma sala tornou-se o movimento
Desconecta, que em dois meses chegou a 18 Estados e mais de 300 escolas do
País.
Encontrar uma regulação que compatibilize
liberdade de expressão e segurança nas redes não é trivial. Mas, como já
defendemos neste espaço, em se tratando de crianças e adolescentes há alguns
focos regulatórios relativamente incontroversos. Pode-se, por exemplo, obrigar
as empresas a conceder aos pais maior controle sobre o que seus filhos podem
ver nas redes e responsabilizá-las em caso de danos provocados por ou a menores
que utilizem perfis não autorizados por um adulto responsável. Ademais, é
possível criar ambientes adequados às crianças, caso não se consiga mantê-las
afastadas, e é essencial impedir que os dados dessas crianças sejam explorados
para monetização, como acontece com os adultos.
É lícito que os céticos demandem e que os
acadêmicos busquem o experimento ideal que demonstre, além da correlação, a
causalidade entre as redes e o colapso mental dos jovens. Mas, “em uma
emergência, você não tem o luxo de esperar pela informação perfeita”, advertiu
Murthy. Ademais, não parece haver dúvida de que retardar a entrada das crianças
nas redes sociais ou reduzir o tempo de uso fará menos mal do que continuar a
deixá-las totalmente à mercê dos algoritmos.
Uma chance para o diálogo
O Estado de S. Paulo
Projeto ‘O Brasil Fala’, do qual o ‘Estadão’
é parceiro, tenta reduzir a surdez cívica
A interdição do debate público pela
polarização política não é uma sentença definitiva imposta à sociedade
brasileira. Assim pode parecer dada a “calcificação”, na expressão de Felipe
Nunes e Thomas Traumann no livro Biografia do Abismo, de posições
aparentemente irreconciliáveis entre lulistas e bolsonaristas. Mas há meios de
promover o reencontro entre concidadãos que têm opiniões políticas distintas –
e não necessariamente para fazê-los mudar de ideia, mas para ao menos
estimulá-los a ouvir seu interlocutor.
O Estadão, em parceria com a
revista Carta Capital, o jornal Gazeta do Povo e o portal
jurídico Jota, aderiu, como parceiro de mídia, a uma dessas iniciativas – o
projeto “O Brasil Fala”. Conduzido no País pelo Instituto Sivis, “O Brasil
Fala” tem o objetivo de conectar indivíduos politicamente antagônicos e, assim,
furar as chamadas bolhas digitais. Como se sabe, estas funcionam como câmaras
de eco, reverberando entre os usuários das redes sociais apenas as mensagens
que reforçam as suas opiniões e visões de mundo, não raro contrárias à verdade
dos fatos.
Isso acontece porque a lógica dos algoritmos
das redes sociais é sabidamente comercial, não democrática nem tampouco fiel à
realidade factual. De modo que o objetivo primordial das empresas de tecnologia
é promover conteúdos que mantenham os usuários conectados pelo maior tempo
possível, particularmente envolvidos em discussões que reforcem as diferenças
que há entre eles, não as convergências. Em outras palavras: no ambiente
digital, a discórdia dá muito dinheiro.
“O Brasil Fala” é uma chance para o diálogo,
húmus do desenvolvimento de qualquer sociedade. “Nosso objetivo é trazer
esperança às pessoas, mostrando que é possível dialogar com o outro lado, em
vez de apenas acusá-lo”, disse ao Estadão Jamil Assis, diretor de
Relações Institucionais do Instituto Sivis.
Do ponto de vista prático, “O Brasil Fala”
promoverá o diálogo entre pessoas em lados opostos do espectro ideológico por
meio de chamadas de vídeo em uma plataforma digital. Os resultados do mesmo
projeto na Alemanha, nos Estados Unidos e na Tailândia mostraram que essa ponte
virtual entre indivíduos politicamente adversários foi capaz de lhes mostrar
que compartilham muito mais interesses do que suas preconcepções faziam
parecer.
No Brasil, a Fundação Fernando Henrique
Cardoso promoveu iniciativa semelhante, o “Fura Bolha”, entre 2018 e 2022.
Durante quatro anos, a entidade reuniu personalidades conhecidas por enxergarem
o País e o mundo de forma diferente. Restou claro nesses diálogos que a
eventual convergência é sempre bem-vinda, mas não necessariamente mandatória.
Mais importante foi a abertura ao diálogo, sem o qual, não é demais reforçar,
não se pode chegar à concertação civilizada entre interesses divergentes e,
consequentemente, interdita-se a política.
É hora de curar essa espécie de surdez cívica, este, sim, um grande problema para qualquer grupo social, em qualquer país do mundo, e não a discordância entre as pessoas.
A força das festas juninas
Correio Braziliense
As festas juninas mostram algumas das
melhores qualidades do Brasil — a irreverência, a alegria, a cultura popular, a
reunião de raças e credos
O Brasil se tornou um grande arraial.
Pelo menos até o fim do mês, o país celebra as festividades juninas, tradição
que remonta aos tempos coloniais, herança das festividades religiosas em
agradecimento pela colheita no verão do Hemisfério Norte. Como ocorreu com
diversas manifestações culturais no solo brasileiro, o ritual europeu ganhou
novas cores e agregou outras influências decorrentes do convívio entre brancos,
negros e indígenas.
Em 2024, as festas juninas se consolidam como
propulsoras da cultura nacional, resgatando costumes centenários no país. O
encanto junino está na culinária, na dança, na música, na oração, nas
brincadeiras, no folclore. Talvez somente o carnaval possa se equiparar à
temporada junina em termos de abrangência e diversidade — e eis aí mais uma
maravilhosa dualidade brasileira, a convivência entre uma celebração de origem
pagã e outra que remonta à história do cristianismo.
Para além da genealogia popular brasileira, o
período junino se destaca pelo seu valor econômico. Segundo estimativas do
governo federal, em 2023, a temporada dos arraiais movimentou R$ 6 bilhões, um
aumento de 70% em relação ao ano anterior. As comemorações em homenagem aos
três santos populares — Antônio, Pedro e João — atraíram mais de 25 milhões de
pessoas, entre turistas nacionais e estrangeiros. A expectativa do Ministério
do Turismo é superar essas marcas este ano.
E o ritmo está intenso. Este ano, cidades
como Recife, Fortaleza, São Luís, Salvador, Mossoró, Petrolina e as
famosíssimas Caruaru e Campina Grande já comemoram uma alta procura de
passagens aéreas e de ocupação da rede hoteleira. É notável, ainda, a geração
de emprego nessas diferentes praças, possibilitando uma renda extra para
trabalhadores da região Nordeste, historicamente mais castigada pela
desigualdade no desenvolvimento econômico nacional.
O calendário junino contribui
significativamente para fortalecer o turismo, atividade econômica que vem
acumulando números positivos nos últimos meses. Segundo dados divulgados pela
Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), o primeiro
trimestre do ano registrou a entrada de 2,5 milhões de turistas estrangeiros no
país — a segunda melhor marca medida até aqui e alta de 9,8% em relação ao ano
passado.
A animação não para por aí. Em uma prova da
riqueza cultural verde-amarela, milhares de brasileiros se preparam para o
Festival Folclórico de Parintins, a ser realizado no último fim de semana de
junho. Trata-se de outra manifestação cultural de peso, considerada Patrimônio
Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan).
Em um país marcado por tantas carências, a riqueza cultural expressa pelas festas populares comprova a força, a criatividade e a diversidade da nossa identidade nacional. As festas juninas mostram algumas das melhores qualidades do Brasil — a irreverência, a alegria, a cultura popular, a reunião de raças e credos — em uma celebração que encanta cada vez mais pessoas e representa um ganho econômico e social. Anarriê!
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