domingo, 23 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Produtividade baixa é raiz da pobreza brasileira

O Globo

Crescimento de apenas 0,3% ao ano desde 2010 é insuficiente para aumentar renda da população

Há cinco anos o Brasil está entre as dez piores posições no ranking de competitividade do International Institute for Management Development (IMD), da Suíça. Na última edição, ocupa a 62ª posição num total de 67 países, à frente apenas de economias desajustadas como Nigéria ou Venezuela. Um olhar sobre o histórico recente da produtividade mostra onde estão as deficiências. Em 1980, eram necessários dois brasileiros para produzir tanta riqueza quanto um americano. Hoje é preciso quatro.

Quando se discute a pobreza persistente no Brasil, muito se fala na necessidade de ampliar e aprimorar programas sociais. Eles são necessários no presente, mas insuficientes para o futuro. Pouco se discute o principal indicador que traduz o atraso da nossa economia: a produtividade. Desde 2010, ela cresceu 0,3% ao ano, acima apenas da década perdida nos anos 1980. Nos últimos 13 anos, o investimento na produção aumentou pouco, e a alocação de recursos perdeu eficiência.

O único ponto positivo foi a melhora na escolaridade da mão de obra. Mas, enquanto não se forma força de trabalho para uma economia moderna, ainda proliferam ocupações mal remuneradas que não geram riqueza e já desapareceram em economias avançadas: porteiros de prédios, cobradores de ônibus, ascensoristas, flanelinhas etc.

Outra causa da produtividade baixa é a insegurança jurídica. Os litígios tributários no Brasil não encontram paralelo no mundo. No ano passado, por iniciativa do governo, o Congresso aprovou a reforma tributária. Em vez de acelerar a regulamentação, os parlamentares andam em marcha lenta. O resultado é incerto, uma vez que grupos de interesse trabalham noite e dia para entrar em listas de exceções e conquistar benefícios. Reservas de mercado e regimes especiais diminuem a competição e premiam empresas menos produtivas. As que obtêm regalias alcançam êxito financeiro porque pagam menos imposto, não porque investiram para produzir melhor.

Um dos principais problemas da economia brasileira é a permanência no mercado de empresas pouco produtivas, diz Fernando Veloso, coordenador do Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Como elas absorvem capital e mão de obra, atrapalham o desempenho das mais eficientes. Isso é um freio para a competitividade. O governo insiste em privilegiar áreas em que o Brasil jamais atingirá patamar alto de produtividade, como as indústrias naval ou de semicondutores. Enquanto isso, nosso setor mais vibrante e produtivo — fruto de investimentos em pesquisa e tecnologia — é o agronegócio.

A ideia de que a salvação está em crédito barato à custa do contribuinte já se revelou equivocada. Outro engano é priorizar a indústria, quando o setor de serviços concentra 70% da mão de obra, dois terços do PIB e tem problemas de produtividade. Sem avaliar o resultado de políticas públicas que deram errado, jamais daremos um salto necessário de competitividade.

A baixa produtividade é raiz da pobreza brasileira. Está nela a explicação para a renda per capita ter crescido mero 0,2% ao ano entre 2010 e 2023. Mantido esse ritmo, o brasileiro só dobrará de padrão de vida no distante ano de 2368. Para acelerar, é necessário criar um ambiente de negócios com mais competição, previsibilidade jurídica e educação de qualidade. Acima de tudo, é essencial ter senso de urgência. Não dá para esperar até 2368.

Apagão de dados continua a ser a regra nos municípios brasileiros

O Globo

Das 26 capitais, 21 estão no pior nível de transparência. Nenhuma atingiu metade da nota máxima

São perturbadoras as conclusões de um estudo mostrando que a grande maioria das capitais brasileiras não dá transparência aos dados sobre suas políticas públicas. Nada menos que 21 das 26 capitais estaduais foram classificadas no pior nível do levantamento da Open Knowledge Brasil. A realidade é um apagão de informações em áreas críticas como educação, saúde, finanças, meio ambiente, infraestrutura ou administração. Lamentavelmente, a transparência de dados, que deveria ser regra, virou exceção.

As capitais receberam uma pontuação de 0% a 100%, o Índice de Dados Abertos (ODI) para Cidades 2023. Com base em 111 conjuntos de informações sobre 14 áreas da administração e sobre a governança dos dados, foram classificadas em cinco níveis de abertura: opaco, baixo, médio, bom e alto. Escaparam do pior nível apenas São Paulo, Belo Horizonte (ambas no médio), Recife, Curitiba e Fortaleza (baixo).

Nenhuma cidade atingiu 50% na pontuação. São Paulo, líder no ranking, alcança melhor avaliação nos dados sobre finanças públicas (78%) e educação (75%). Belo Horizonte, a segunda, tem bom desempenho nas informações sobre infraestrutura (84%) e assistência e desenvolvimento social (76%). A educação, que costuma ocupar os primeiros lugares na lista de preocupações dos brasileiros, concentrou o maior grau de opacidade. “É um contexto preocupante, que nos faz questionar: se a situação nas maiores cidades do país é essa, como será o cenário nas outras?”, diz a coordenadora de Advocacy e Pesquisa da Open Knowledge Brasil, Danielle Bello.

Não é razoável que cidades não divulguem dados sobre suas políticas públicas. Neste ano haverá eleições municipais, e os eleitores têm direito de saber o que se passa em seus municípios. Os dados são importantes não só para os candidatos trabalharem com cenários reais, mas também para as autoridades de controle e fiscalização acompanharem como é aplicado o dinheiro do contribuinte. Seria péssimo se informações fossem sonegadas para não abastecer adversários políticos. É um equívoco imaginar que os dados pertencem a governos. Eles são dos cidadãos.

Informação é matéria essencial na gestão pública. As respostas do poder público às chuvas que afetaram quase todos os municípios do Rio Grande do Sul ensejaram diversos questionamentos sobre a atuação dos gestores. Está claro que não houve prioridade às medidas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, preservar vidas e reduzir danos. Para citar apenas um exemplo, o sistema antienchentes de Porto Alegre não recebeu a manutenção adequada e entrou em colapso, impondo sofrimento à população e causando prejuízos.

Esse é apenas um exemplo da importância de a sociedade acompanhar de perto o que acontece em suas cidades. Para isso, informações são essenciais. O apagão de dados deixa a sociedade sem rumo. Quando se percebe o erro, nada há a fazer senão lamentar.

Sociedade impõe limites a excessos na política

Folha de S. Paulo

Reação dificulta guinadas como a do aborto e indica que o melhor para Congresso e Executivo é concentrar-se na economia

Ao que tudo indica, caminha para o fracasso a tentativa de uma minoria estrepitosa de deputados federais de fazer retroceder a já antiquada legislação sobre aborto no Brasil. A forte reação da sociedade à proposta de criminalizar a prática em gravidezes decorrentes de estupro impôs limites à insanidade.

Como apontou o Datafolha66% dos brasileiros se opõem ao PL Antiaborto por Estupro. A rejeição ao diploma entre os evangélicos, em nome dos quais alguns parlamentares oportunistas alardeiam patrocinar o projeto, também se mostra solidamente majoritária (58%).

O resultado não deveria causar espanto em quem acompanha a opinião pública brasileira nas últimas décadas. As maiorias em regra desconfiam de guinadas em normas concernentes a costumes propostas por lideranças radicais.

O mesmo Datafolha identificou essa tendência sob Jair Bolsonaro (PL). O conjunto de proposições extremistas encarnado pelo então presidente não era compartilhado pelo brasileiro médio, o que se refletiu no Congresso e em outras instâncias que dificultaram, quando não impediram, os retrocessos.

Na esteira do desgaste com a audácia de buscar votar a toque de caixa o texto sobre aborto, parece ter-se firmado na chefia da Câmara a saudável orientação de deixar em segundo plano tramitações de temas de valores ou controvertidos, como a proposta que na prática enterra as delações premiadas.

O encaminhamento indicado para esse quadro é priorizar pautas que possam livrar o país da maldição da baixa produtividade e do crescimento irrisório da renda. Decerto haverá possibilidades de se formarem consensos bem mais interessantes para a população se o esforço de Executivo e Legislativo se concentrar na área da economia.

Corre na Câmara a fase crítica da reforma dos tributos, a das leis inferiores à Carta que vão especificar a operação do novo regime. A voracidade dos lobbies ao redor dos deputados é tamanha que só a vigilância da sociedade poderá salvaguardar o princípio republicano de que todos pagam o mesmo e as alíquotas são as menores possíveis.

Além disso, há decisões importantes a tomar já sobre o futuro das contas públicas brasileiras. A recuperação das receitas federais não pode mais ser a única estratégia para que a União volte a caminhar para o equilíbrio orçamentário e equacione o endividamento.

É preciso tomar medidas, como desvinculações de receitas em saúde, Previdência e educação, para domar a elevação insustentável das despesas. O preço da tergiversação já se vê na disparada na cotação do dólar e nos juros da praça.

Perder tempo com disputas imaginárias e radicais sobre costumes atrasa e empobrece o país.

Militares custosos

Folha de S. Paulo

Disparidade entre Previdência das Forças Armadas e dos civis exige reforma ampla

O déficit das contas federais e a dificuldade do governo petista em lidar com o problema provocam debate urgente sobre gastos, até agora praticamente intocados. A reforma da Previdência das Forças Armadas é um exemplo dessa pauta.

O gasto com militares da ativa equivale a só 57% daquele com militares na reserva, reformados e pensionistas. No caso dos civis, a proporção é de 156% —no último ano até abril, desconsideradas sentenças judiciais e precatórios.

A despesa com inativos das Forças está em 0,53% do PIB por ano (R$ 58,9 bilhões); com os civis, em 0,84% do produto (R$ 92,9 bilhões). Mas os beneficiários militares somam 313 mil, ante 796 mil civis.

Segundo dados do Tribunal de Contas da União, publicados pela Folha, o déficit por beneficiário no INSS ronda os R$ 9.400. Entre civis, são R$ 69 mil; já entre os militares, a conta vai a R$ 159 mil.

Servidores das Forças se aposentam mais cedo e mantêm seus vencimentos quando inativos. Sobrevivem regimes especiais de proteção para pensionistas. Sua Previdência não sofreu reforma ampla neste século, como a dos civis.

Os militares argumentam que trata-se de compensação para especificidades da carreira —não têm hora extra, adicional noturno nem sindicatos e são obrigados a mudanças constantes de cidade.

No entanto cerca de metade dos trabalhadores brasileiros não possui os direitos de contratados formais nos setores privado e público. Ademais, não é na Previdência que se deve corrigir desigualdade do mercado de trabalho. Ainda que a condição militar deva ser levada em conta, a disparidade na aposentadoria é exagerada.

Em comparação internacional, o gasto nas Forças do Brasil é alto. É fato que a despesa com servidores federais (ativos, inativos e pensionistas) tem diminuído, de 4,26% do PIB em 2008 para 3,17% do PIB atualmente, redução considerável, em particular entre os civis.

Ainda assim, é urgente uma reforma administrativa, também de organização e métodos, a fim de modernizar o trabalho e dirigi-lo aonde é mais necessário. O serviço público militar não pode ficar fora dessa revisão geral.

Lula, candidato a redentor

O Estado de S. Paulo

Presidente antecipa a eleição de 2026 apresentando-se como o único capaz de impedir que os ‘trogloditas’ voltem ao poder. Mas o Brasil não precisa de um salvador, e sim de um estadista

Tem sido cada vez mais difícil para Lula da Silva encontrar um espaço em sua concorrida agenda de candidato – à reeleição, ao Nobel da Paz e ao Olimpo – para exercer a função de presidente da República, para a qual foi eleito por estreitíssima margem em 2022. Sabe-se que Lula não tem nem vontade nem traquejo para governar, pois seu hábitat é o palanque, e não o gabinete presidencial. Mas mesmo para os padrões do demiurgo, declarar-se candidato faltando ainda longos 30 meses para o fim de seu errático e preguiçoso terceiro mandato, como fez Lula há poucos dias, parece um pouco demais.

Lula, no entanto, claramente entendeu que precisa desde já tratar todos os crescentes problemas de seu governo e do País como resultado não de sua incompetência atávica e de sua visão antediluviana de economia, mas da sabotagem política dos “trogloditas” – nome que ele deu aos bolsonaristas – que almejam voltar ao poder.

Nesse terreno, em que tudo se resume à luta política, Lula joga em casa. Os seguidos ataques desferidos ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, são parte da manjada estratégia de arranjar um inimigo que incorpore todo o “mal” que Lula e o PT se julgam destinados a combater. As mais recentes declarações de Lula a respeito de Campos Neto não deixam margem a dúvidas: para o petista, o presidente do BC “tem lado político” e “trabalha muito mais para prejudicar do que para ajudar o País”. O “lado político”, claro, é o campo bolsonarista, do qual Campos Neto, lamentavelmente, nunca se afastou.

É fato que o presidente do BC deveria ter sido mais prudente e evitado que sua imagem se identificasse com este ou aquele grupo político, mas mesmo que Campos Neto fosse um dos Eremitas da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, ainda assim seria denunciado por Lula como o enviado do Cramulhão para sabotar o projeto petista de fazer do Brasil o Paraíso na Terra. E isso se dá porque Campos Neto foi nomeado para o BC pelo Cramulhão em pessoa.

Desse modo, sendo ele a chaga bolsonarista remanescente no coração do governo lulopetista, Campos Neto é desde sempre o candidato preferencial a bode expiatório para carregar todos os pecados do mundo. Lula foi claro: “Só temos uma coisa desajustada neste país: é o comportamento do Banco Central”. Em outras palavras, não fossem Campos Neto e os “trogloditas” aos quais o presidente do BC supostamente se alinha, o País de Lula estaria voando.

Como o nome de Campos Neto até mesmo começou a ser aventado para ser ministro num hipotético governo do bolsonarista Tarcísio de Freitas, Lula trata a prudência do BC em relação aos juros como se fosse politicamente motivada, destinada a prejudicar seu governo e preparar a volta dos tais “trogloditas” à Presidência.

Incapaz de enfrentar os problemas que se avolumam e que demandam desprendimento e espírito público, Lula reage do único jeito que sabe: antecipa a campanha eleitoral e se apresenta como salvador do Brasil.

De novo, quer que acreditemos que a democracia brasileira depende dele. “Se for necessário ser candidato para evitar que os trogloditas que governaram esse país voltem a governar, pode ficar certo que meus 80 anos virarão 40 e eu poderei ser candidato”, disse Lula à Rádio CBN. E disse mais: “Não vou permitir que este país volte a ser governado por um fascista. Não vou permitir que esse Brasil volte a ser governado por um negacionista como nós já tivemos”.

Ou seja, Lula se autoatribuiu a missão de impedir que o bolsonarismo ganhe a próxima eleição presidencial, como se disso dependesse o futuro do Brasil, quiçá do mundo. Nesses termos, é uma tarefa sobre-humana, que mais ninguém além dele, nem no PT, seria capaz de cumprir. “Como Deus existe, eu estou aqui”, disse Lula em evento na Petrobrás. Resta saber se ele quis dizer que sua existência é a prova da existência de Deus, ou – o que é mais provável – que ele e Deus são uma coisa só. De um jeito ou de outro, Lula mais uma vez se apresenta aos eleitores como aquele que se sacrifica para redimi-los. Mas o Brasil não precisa de um redentor. Precisa é de um estadista – e isso, definitivamente, Lula não é.

O risco das redes sociais para crianças

O Estado de S. Paulo

Autoridade de saúde dos EUA quer que redes tenham advertência sobre risco à saúde mental de crianças, um importante alerta em meio à escalada de ansiedade e depressão entre jovens

Em artigo no New York Times, o chefe da saúde pública (surgeon general) dos EUA, Vivek H. Murthy, alertou que “a crise mental entre jovens é uma emergência – e as mídias sociais surgiram como um fator importante”. Murthy advoga que o Congresso determine que as redes sejam rotuladas com uma advertência, similar à implementada para o tabaco, que rememore pais e adolescentes de que elas não se provaram seguras.

A crise é mensurável. Nos últimos 10 anos houve uma escalada de casos de solidão, ansiedade, depressão, comportamentos autodestrutivos e suicídios entre adolescentes, especialmente meninas. Historicamente, o senso comum é de que os jovens experimentam níveis maiores de felicidade, que declina ao longo da idade adulta e se recupera na velhice. Revisando dados de 82 países, o economista David Blanchflower constatou que essa trajetória em U foi subvertida. Hoje, os jovens são os mais infelizes. O Relatório Mundial da Felicidade identificou o mesmo padrão. É precisamente a geração que passou a fazer uso diário e intenso das redes através de smartphones.

Os céticos até admitem uma correlação, mas não causalidade. No entanto, há vários indícios de que as redes são uma causa relevante da crise. Antes de tudo, por exclusão: não há fator alternativo que explique a escalada súbita. Pesquisas mostram que usuários frequentes têm mais chances de sofrer de transtornos de humor e que aqueles que se abstiveram por pelo menos uma semana experimentaram benefícios mentais.

Há as evidências anedóticas. Como disse a pesquisadora de tecnologias digitais Kara Frederick, “crianças e adolescentes em nossas cidades caminham por aí como zumbis, são conduzidos boquiabertos nos bancos de trás, e sentam-se acorcundados em mesas de jantar colados aos seus telefones e às conexões artificiais que eles vendem”. Pais e professores testemunham em primeira mão: as redes perturbam o sono, a vida familiar e a atenção. Os riscos variam da vergonha pública e cyberbullyings anônimos até assédio e extorsão sexual.

Há evidência das próprias redes. “Os adolescentes culpam o Instagram pelo aumento nas taxas de ansiedade e depressão. (...) Essa reação foi espontânea e consistente através de todos os grupos”, diz um estudo vazado do Facebook.

“Uma das piores coisas para um pai ou uma mãe é saber que seus filhos estão em perigo e ainda assim não serem capazes de fazer nada a respeito”, testemunhou Vivek Murthy. “É o que os pais me dizem que sentem quando se trata de mídias sociais – desamparados e sós ante seu conteúdo tóxico e riscos ocultos”.

Alguns estão tomando a iniciativa. Como relatou a colunista do Estadão Renata Cafardo, um grupo de mães de uma escola particular de São Paulo lançou a proposta: “E se a gente combinar de não dar celular para os filhos até os 14 anos e só permitir redes sociais depois dos 16?”. O que era um combinado de uma sala tornou-se o movimento Desconecta, que em dois meses chegou a 18 Estados e mais de 300 escolas do País.

Encontrar uma regulação que compatibilize liberdade de expressão e segurança nas redes não é trivial. Mas, como já defendemos neste espaço, em se tratando de crianças e adolescentes há alguns focos regulatórios relativamente incontroversos. Pode-se, por exemplo, obrigar as empresas a conceder aos pais maior controle sobre o que seus filhos podem ver nas redes e responsabilizá-las em caso de danos provocados por ou a menores que utilizem perfis não autorizados por um adulto responsável. Ademais, é possível criar ambientes adequados às crianças, caso não se consiga mantê-las afastadas, e é essencial impedir que os dados dessas crianças sejam explorados para monetização, como acontece com os adultos.

É lícito que os céticos demandem e que os acadêmicos busquem o experimento ideal que demonstre, além da correlação, a causalidade entre as redes e o colapso mental dos jovens. Mas, “em uma emergência, você não tem o luxo de esperar pela informação perfeita”, advertiu Murthy. Ademais, não parece haver dúvida de que retardar a entrada das crianças nas redes sociais ou reduzir o tempo de uso fará menos mal do que continuar a deixá-las totalmente à mercê dos algoritmos.

Uma chance para o diálogo

O Estado de S. Paulo

Projeto ‘O Brasil Fala’, do qual o ‘Estadão’ é parceiro, tenta reduzir a surdez cívica

A interdição do debate público pela polarização política não é uma sentença definitiva imposta à sociedade brasileira. Assim pode parecer dada a “calcificação”, na expressão de Felipe Nunes e Thomas Traumann no livro Biografia do Abismo, de posições aparentemente irreconciliáveis entre lulistas e bolsonaristas. Mas há meios de promover o reencontro entre concidadãos que têm opiniões políticas distintas – e não necessariamente para fazê-los mudar de ideia, mas para ao menos estimulá-los a ouvir seu interlocutor.

O Estadão, em parceria com a revista Carta Capital, o jornal Gazeta do Povo e o portal jurídico Jota, aderiu, como parceiro de mídia, a uma dessas iniciativas – o projeto “O Brasil Fala”. Conduzido no País pelo Instituto Sivis, “O Brasil Fala” tem o objetivo de conectar indivíduos politicamente antagônicos e, assim, furar as chamadas bolhas digitais. Como se sabe, estas funcionam como câmaras de eco, reverberando entre os usuários das redes sociais apenas as mensagens que reforçam as suas opiniões e visões de mundo, não raro contrárias à verdade dos fatos.

Isso acontece porque a lógica dos algoritmos das redes sociais é sabidamente comercial, não democrática nem tampouco fiel à realidade factual. De modo que o objetivo primordial das empresas de tecnologia é promover conteúdos que mantenham os usuários conectados pelo maior tempo possível, particularmente envolvidos em discussões que reforcem as diferenças que há entre eles, não as convergências. Em outras palavras: no ambiente digital, a discórdia dá muito dinheiro.

“O Brasil Fala” é uma chance para o diálogo, húmus do desenvolvimento de qualquer sociedade. “Nosso objetivo é trazer esperança às pessoas, mostrando que é possível dialogar com o outro lado, em vez de apenas acusá-lo”, disse ao Estadão Jamil Assis, diretor de Relações Institucionais do Instituto Sivis.

Do ponto de vista prático, “O Brasil Fala” promoverá o diálogo entre pessoas em lados opostos do espectro ideológico por meio de chamadas de vídeo em uma plataforma digital. Os resultados do mesmo projeto na Alemanha, nos Estados Unidos e na Tailândia mostraram que essa ponte virtual entre indivíduos politicamente adversários foi capaz de lhes mostrar que compartilham muito mais interesses do que suas preconcepções faziam parecer.

No Brasil, a Fundação Fernando Henrique Cardoso promoveu iniciativa semelhante, o “Fura Bolha”, entre 2018 e 2022. Durante quatro anos, a entidade reuniu personalidades conhecidas por enxergarem o País e o mundo de forma diferente. Restou claro nesses diálogos que a eventual convergência é sempre bem-vinda, mas não necessariamente mandatória. Mais importante foi a abertura ao diálogo, sem o qual, não é demais reforçar, não se pode chegar à concertação civilizada entre interesses divergentes e, consequentemente, interdita-se a política.

É hora de curar essa espécie de surdez cívica, este, sim, um grande problema para qualquer grupo social, em qualquer país do mundo, e não a discordância entre as pessoas.

A força das festas juninas

Correio Braziliense

As festas juninas mostram algumas das melhores qualidades do Brasil — a irreverência, a alegria, a cultura popular, a reunião de raças e credos

 O Brasil se tornou um grande arraial. Pelo menos até o fim do mês, o país celebra as festividades juninas, tradição que remonta aos tempos coloniais, herança das festividades religiosas em agradecimento pela colheita no verão do Hemisfério Norte. Como ocorreu com diversas manifestações culturais no solo brasileiro, o ritual europeu ganhou novas cores e agregou outras influências decorrentes do convívio entre brancos, negros e indígenas.

Em 2024, as festas juninas se consolidam como propulsoras da cultura nacional, resgatando costumes centenários no país. O encanto junino está na culinária, na dança, na música, na oração, nas brincadeiras, no folclore. Talvez somente o carnaval possa se equiparar à temporada junina em termos de abrangência e diversidade — e eis aí mais uma maravilhosa dualidade brasileira, a convivência entre uma celebração de origem pagã e outra que remonta à história do cristianismo. 

Para além da genealogia popular brasileira, o período junino se destaca pelo seu valor econômico. Segundo estimativas do governo federal, em 2023, a temporada dos arraiais movimentou R$ 6 bilhões, um aumento de 70% em relação ao ano anterior. As comemorações em homenagem aos três santos populares — Antônio, Pedro e João — atraíram mais de 25 milhões de pessoas, entre turistas nacionais e estrangeiros. A expectativa do Ministério do Turismo é superar essas marcas este ano.

E o ritmo está intenso. Este ano, cidades como Recife, Fortaleza, São Luís, Salvador, Mossoró, Petrolina e as famosíssimas Caruaru e Campina Grande já comemoram uma alta procura de passagens aéreas e de ocupação da rede hoteleira. É notável, ainda, a geração de emprego nessas diferentes praças, possibilitando uma renda extra para trabalhadores da região Nordeste, historicamente mais castigada pela desigualdade no desenvolvimento econômico nacional.

O calendário junino contribui significativamente para fortalecer o turismo, atividade econômica que vem acumulando números positivos nos últimos meses. Segundo dados divulgados pela Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), o primeiro trimestre do ano registrou a entrada de 2,5 milhões de turistas estrangeiros no país — a segunda melhor marca medida até aqui e alta de 9,8% em relação ao ano passado.

A animação não para por aí. Em uma prova da riqueza cultural verde-amarela, milhares de brasileiros se preparam para o Festival Folclórico de Parintins, a ser realizado no último fim de semana de junho. Trata-se de outra manifestação cultural de peso, considerada Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Em um país marcado por tantas carências, a riqueza cultural expressa pelas festas populares comprova a força, a criatividade e  a diversidade da nossa identidade nacional. As festas juninas mostram algumas das melhores qualidades do Brasil — a irreverência, a alegria, a cultura popular, a reunião de raças e credos — em uma celebração que encanta cada vez mais pessoas e representa um ganho econômico e social. Anarriê! 

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