O Globo
Por que o governo de Israel não permitiu o
acesso à zona de guerra de um único jornalista ou equipe profissional
independente?
Em Gaza, convém não
pensar no amanhã. A ONU estima
em 37 milhões de toneladas os escombros gerados nestes oito meses de
bombardeios israelenses. Debaixo dessas montanhas de concreto, cimento, poeira
e silêncio lunar, encontram-se os restos mortais de 10 mil palestinos
soterrados. Somente o trabalho de remoção desse entulho encravado de corpos
humanos deverá exigir até três anos de labuta.
— Há mais escombros aqui do que na Ucrânia —
testemunhou Charles Birch, que chefia o trabalho de desativação de bombas não
explodidas em Gaza, sob o guarda-chuva do Serviço de Ação contra Minas das
Nações Unidas (UNMAS).
A empreitada de sua equipe será pesada, visto que até 10% de foguetes, bombas e mísseis disparados em conflitos modernos simplesmente não funcionam. Para a população civil de Gaza, que percorre escombros calçando chinelos de dedo e escava prédios desossados com as mãos, um perigo a mais no amanhã. Hoje, o enclave desamparado está repleto de crianças e adultos sem um, dois ou três membros.
Eram 2h da madrugada desta quarta-feira, dia
5, quando os cerca de 6 mil refugiados nas dependências da escola Al-Sardi, em
Nuseirat, sul de Gaza, desceram a novo patamar de pavor: bombas despejadas por
caças israelenses haviam acertado a escola em cheio. Foi um despertar para o
inconcebível. Segundo a agência Reuters, 14 crianças e nove mulheres estavam
entre as dezenas de mortos espraiados. Em resposta à rotineira grita mundial,
um comunicado glacial do Exército de Israel. O bombardeio
fora “um ataque preciso”, baseado em informações confiáveis dos serviços de
inteligência — de 20 a 30 terroristas palestinos usavam o local como base
operacional. O porta-voz acrescentou não estar ciente de quaisquer vítimas
civis e disse que ele “seria muito, muito cauteloso ao aceitar qualquer coisa
que o Hamas divulgue”.
Duas perguntas elementares: se os serviços de
inteligência israelense são tão confiáveis assim, como desconheciam o
abarrotamento de milhares de famílias palestinas na escola? Ou conheciam e
desconsideraram o fato? Consta de qualquer manual de Direito Humanitário que
“atacar ou usar edifícios da ONU para fins militares” é crime. Isso vale tanto
para o Hamas, que se escuda em civis e faz uso militar de edifícios da ONU,
como para o governo de Benjamin Netanyahu, que ataca, bombardeia com civis
dentro e ainda se arroga razão.
A escola bombardeada é uma das 300 outras de
Gaza administradas pela UNRWA, a agência da ONU de assistência humanitária aos
refugiados da Palestina.
Fechadas desde o início da guerra de retaliação israelense ao ataque sofrido em
7 de outubro, elas viraram abrigos para as massas de civis errantes, enxotados,
desenraizados e sem chão. Como essas escolas são providas de painéis solares e
usinas de dessalinização, tornaram-se um oásis para quem está à deriva. Sam
Rose, diretor de planejamento da UNRWA, fez um relato contundente das cinco
semanas que passou em Gaza.
— Normalizamos o horror — resumiu em
entrevista ao jornal britânico The Guardian.
A própria população civil de Gaza procura
compartimentalizar o dia a dia, para se proteger da realidade.
Do ponto de vista político e militar, é
compreensível que o governo de Israel descarte como desprovido de credibilidade
qualquer dado fornecido pela administração do Hamas — mesmo quando sabe que o
dado é próximo do real. Israel também procura desacreditar como fantasioso o
“jornalismo na veia”, muitas vezes em tempo real, praticado por incansáveis
repórteres palestinos de Gaza. E considera as organizações humanitárias ligadas
à ONU como comprometidas com o inimigo. Cabe então explicar o motivo por que,
até hoje, o governo de Benjamin Netanyahu não permitiu o acesso à zona de
guerra de um único jornalista ou equipe profissional independente. Meses atrás,
um ou outro repórter de CNN, BBC e outras
mídias pôde realizar uma breve “visita ao front” estritamente controlada. Desde
então, nem isso, o que resulta numa situação de censura à informação sem
precedentes nos tempos modernos.
Para desalento de entidades como Repórteres
Sem Fronteiras, a situação é alarmante. Mais de 92 jornalistas palestinos já
morreram em Gaza desde o início da guerra (22 deles durante coberturas);
trabalham com recursos mínimos, estão exaustos e pedem a colegas das grandes
mídias ocidentais que venham atestar o horror.
É inevitável que um dia os portões de Gaza
serão arrombados e as entranhas da História expostas. Talvez só então nos
perguntaremos por que não impedimos tamanha desumanidade.
6 comentários:
Texto brilhante e humanitário. Gaza é um campo de concentração a céu aberto, onde do céu caem foguetes e bombas sobre as residências e as escolas já em escombros. Israel promove um massacre de palestinos, usando todo o armamento fornecido por seu cúmplice desde o primeiro dia, os EUA.
Daniel é petralha e ela não vale nada. Agora leio.
MAM
Meu pai!
“por que não impedimos tamanha desumanidade”>
talvez por ser um comportamento inerente a nossa espécie
Durante a 2a. GG os aliados poderiam despejar bombas nos campos de extermínio e assim impedir a matança.
Por que não fizeram?
Texto ordinário, desinformador. Mas ela se trai ao perguntar por que CNN e BBC Israel não deixa entrar! Quem os lê sabe por quê! The Telegraph denunciou:
"BBC defends interviewing retired general who called Oct 7 attacks ‘month of victory’
Samir Ragheb has been interviewed by BBC News Arabic nine times since war in Gaza began"
Cabe perguntar: ideologia ou money? MAM
Anônimo dizendo tamanha bobagem justifica esconder o nome...
MAM
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