Uso da IA por extremistas desafia governos
O Globo
Vídeos fraudulentos que mobilizaram protestos
no Reino Unido soam alarme para riscos da nova tecnologia
A Justiça Eleitoral fez bem ao estabelecer regras para o uso de ferramentas de inteligência artificial (IA) na campanha eleitoral deste ano. Proibiu o uso de vídeos em que as imagens são manipuladas para simular algo que os candidatos não disseram na realidade, conhecidos como deepfakes, e passou a exigir a identificação de qualquer propaganda que faça uso de recursos de IA. Mas a atenção das autoridades deveria, na verdade, ser mais ampla. É preciso que o poder público trace planos de ação para enfrentar a aplicação da nova tecnologia digital pelo crime e por grupos extremistas, neonazistas, supremacistas brancos ou radicais de esquerda.
As manifestações da extrema direita contra os
imigrantes nas últimas semanas no Reino Unido foram apoiadas nas redes sociais
por conteúdos produzidos por IA. No mesmo dia em que três crianças foram mortas
em Southport, no fim de julho, uma conta no X postou para mais de 400 mil
seguidores uma imagem, produzida por IA, de homens com vestes muçulmanas e
punhais nas mãos correndo atrás de um bebê, tendo ao fundo o Parlamento
Britânico, com a seguinte mensagem: “Precisamos proteger nossas crianças”. Não
demorou para o vídeo fraudulento atrair 920 mil visualizações.
Esse é apenas um exemplo — facilmente
desmascarado, é certo — do que a IA é capaz de gerar em mãos mal-intencionadas.
A preocupação não se restringe a golpes como telefonemas para obter senhas de
cartões de crédito simulando à perfeição a voz do gerente ou de um parente.
Cresce o temor com o uso da tecnologia por extremistas, solitários ou em
organizações. Um grupo de pesquisadores americanos do Middle East Media
Research Institute (Memri) produziu um relatório de 200 páginas exibindo casos
concretos dos riscos trazidos pela IA. “Os extremistas, desde os primórdios da
internet, costumam ser usuários precoces de novas tecnologias. Rapidamente
migram para essas plataformas, que oferecem novas maneiras de alcançar um
público mais amplo”, afirma Simon Purdue, diretor do Memri.
Grupos neonazistas disseminam pelas redes
mensagens estereotipadas e conspiratórias, tradução de discursos de líderes
fascistas, vídeos manipulados, enfim, toda uma produção de material nocivo e
fraudulento. Outro grupo que mapeia as redes sociais, o Tech Against Terrorism
(Tecnologia contra o Terrorismo), localizou 5 mil arquivos gerados por IA
generativa — capaz de produzir conteúdos novos —, compartilhados por
supremacistas brancos e integrantes de organizações terroristas como Estado
Islâmico e al-Qaeda. Esses grupos sempre se preocuparam com a propaganda de
suas ideias. Com a IA, passaram a ter poderosos instrumentos de falsificação da
realidade.
Não é de hoje que o acesso à internet exige
filtros e dispositivos de segurança dos usuários. Agora os cuidados têm de ser
redobrados por causa das possibilidades de fraudes permitidas pelas novas
ferramentas digitais desenvolvidas por meio da IA. É hora de organizações da
sociedade civil e poder público adotarem programas permanentes de
esclarecimento sobre as vantagens e riscos que acompanham as novas tecnologias.
Crédito mais fácil deverá manter Brasil na
liderança do mercado de fintechs
O Globo
Por decisão do Conselho Monetário Nacional,
financiamento para empresas inovadoras foi facilitado
O Brasil lidera na América Latina o mercado
de fintechs, empresas que atuam no mercado financeiro por meio de plataformas
digitais. Uma em quatro dessas empresas inovadoras no continente opera no país.
Em 2017, não passavam de 230, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID). Ao final do ano passado, eram 722. Por decisão do Conselho Monetário
Nacional (CMN), as regras de financiamento às fintechs de crédito no Brasil
foram alteradas no começo de agosto para facilitar a captação de recursos. Ainda
é cedo para avaliar os efeitos da medida, mas, se ela cumprir o objetivo de
reduzir os custos de financiamento e aumentar o dinamismo no mercado de
crédito, especialmente aquele voltado para pequenas e médias empresas, o país
deverá se manter na dianteira.
A melhoria no ambiente de negócios para as
fintechs tem o potencial de reverberar pelos mais diferentes setores. Para
competir com as instituições financeiras tradicionais, elas costumam apostar em
agilidade e menos burocracia. Custos baixos e uma experiência melhor para os
clientes são outras características associadas às fintechs. Com o uso intensivo
de recursos tecnológicos, elas tentam explorar nichos negligenciados pela
concorrência, expandindo a oferta de produtos e serviços. A expectativa do Banco
Central é que, com o tempo, ajudem a ampliar ainda mais a concorrência e a
aumentar a eficiência do sistema financeiro.
A decisão do CMN chegou no momento em que o
setor dá sinais de amadurecimento. As fintechs em fase de expansão ou
consolidação aumentaram de 31% do total em 2022 para 44% no ano passado,
segundo a Fintech Deep Dive 2023, quinta edição da pesquisa da Associação
Brasileira de Fintechs. Quatro em dez declararam ter parado de registrar
prejuízo, nível mais alto em cinco anos. A análise do faturamento também traz
boas notícias. Há menos fintechs com receita inferior a R$ 350 mil e mais com
faturamento superior. Em 2022, 60% tinham menos de 20 funcionários. Em 2023,
51%.
Além de ser o maior, o mercado brasileiro
destoa do latino-americano. Na região, o segmento de meios de pagamento ocupa o
primeiro lugar, com 21% das empresas. No Brasil, predomina o crédito. Em 2023,
esse segmento tinha participação de 17%, ante 16% para meios de pagamento, 14%
para gestão financeira, 13% para bancos digitais e 10% para criptoativos.
Se ampliarem a captação de recursos a custos
menores, as fintechs estarão mais preparadas para reforçar o foco nas pequenas
e médias empresas (PMEs). Mais da metade diz que seus clientes são PMEs. Um ano
antes, em 2022, eram 38%. Independentemente do setor em que atuem, os
empreendedores à frente de startups sempre buscam mapear as dificuldades dos
clientes e, a partir da eliminação de barreiras, buscam oportunidades de
negócios. Agora, com condições mais favoráveis para se financiar, as fintechs
de crédito estão mais fortes para encarar o desafio de inovar. Quanto mais
aumentarem a competição, maiores serão as vantagens para o mercado todo.
Aquecimento global exige dos países uma união
ainda distante
Valor Econômico
Problemas imediatos, como guerras, crises políticas eleições, rivalidades globais, estão desviando o foco a crise climática
Os últimos 13 meses foram notáveis em termos
de mudanças climáticas. Houve seguidos recordes de calor e uma série de eventos
climáticos extremos, que estão se tornando cada vez mais frequentes. Além
disso, pela primeira vez a média de temperatura global ficou 1,5°C acima do
período pré-industrial, que é o limite de aquecimento fixado pelo Acordo de
Paris para o fim deste século. Alguns cientistas temem que esteja ocorrendo uma
aceleração no processo de aquecimento global. E justamente num momento em que a
disposição de colaboração entre os governos pelo mundo se encontra num nível
excepcionalmente baixo.
Em 21 de julho o planeta teve sua maior média
diária, até então, de temperatura do ar na superfície, desde que esses
registros começaram. Os dados são do Serviço Copernicus de Mudança Climática
(C3S, na sigla em inglês), da União Europeia. O pico anterior havia sido em 6
de julho de 2023. O novo recorde, porém, durou apenas 24 horas, e 22 de julho é
agora oficialmente o dia mais quente já registrado. Como um todo, a temperatura
média global em julho ficou 0,04°C abaixo do recorde de julho de 2023, relatou
o C3S. Isso encerrou um período excepcional de 13 meses seguidos com
temperaturas recordes. Mas agosto ameaça retomar essa série. Este ano caminha
para bater recorde de calor, superando 2023. Nas últimas semanas, a Antártida
vem experimentando uma onda de calor inédita, em pleno inverno austral, com
temperaturas até 28°C acima do normal para esta época do ano.
Formalmente, o Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), a principal autoridade
das Nações Unidas sobre o tema, considera, para efeito de comparação, a média
dos últimos 20 anos, que está abaixo de 1,5°C. Isso porque o dado anual pode
ser distorcido por causas temporárias, por exemplo um fenômeno El Niño
particularmente forte, como vem sendo o caso desde 2023. Ainda assim, não era
esperado que a temperatura atingisse esse média anual tão cedo.
“O que é realmente impressionante é quão
grande é a diferença entre a temperatura dos últimos 13 meses e os recordes
anteriores de temperatura. Estamos agora em território desconhecido”, afirma o
diretor do C3S, Carlo Buontempo. Isso ficou evidente para a população de muitas
regiões do Brasil, que praticamente não sentiram o inverno neste ano.
E não é apenas o ar que está esquentando.
Ainda segundo o C3S, a temperatura média da superfície dos oceanos foi recorde
em fevereiro, superando agosto de 2023. Esse novo valor recorde foi repetido em
março. Neste mês, o Mar Mediterrâneo igualou o recorde de temperatura na
superfície d’água, registrado também em 2023.
Esses aumentos sem precedentes das
temperaturas no planeta vêm gerando um intenso debate no meio científico. Para
uma parte dos especialistas, o aumento é compatível com as projeções climáticas
feitas nas últimas décadas e não há indícios claros de uma aceleração maior do
processo de aquecimento global. Mas há também aqueles que temem que as
elevações recentes de temperatura estejam superando as projeções.
Seja como for, esse aquecimento possivelmente
está relacionado a uma série de eventos climáticos extremos registrada nos
últimos meses, como as piores enchentes da história do Rio Grande do Sul, a
inundação na desértica Dubai, as ondas de calor na Índia e no Mediterrâneo, o
início precoce da temporada de furações no Atlântico Norte e incidentes graves
de turbulência em aviões.
Esse aparente agravamento do processo de
mudanças climáticas ocorre num momento em que a relação deteriorada entre as
principais potências globais dificulta a cooperação e a adoção de políticas
eficazes e coordenadas pela comunidade internacional.Esse cenário pode se
tornar ainda mais complexo se o republicano Donald Trump vencer as eleições
presidenciais de novembro nos EUA. Ele é um cético do aquecimento global. Uma
das pouquíssimas propostas de governo feitas por Trump no seu discurso na
convenção do Partido Republicano, em julho, foi justamente anular medidas
climáticas adotadas pelo governo de Joe Biden. No discurso, ele voltou a chamar
a crise climática de “fraude verde”.
Talvez por ter perdido espaço na agenda
política global nos últimos anos, a questão do combate às mudanças climáticas
vem recebendo uma atenção insuficiente no debate público. Problemas imediatos,
como guerras, crises políticas, eleições, rivalidades globais, estão desviando
o foco do aquecimento, que é um tema aparentemente de longo prazo. Mas essa
percepção é equivocada.
Como já foi provado cientificamente, o aquecimento global é causado pela humanidade. E terá de ser contido pela humanidade. O modo mais adequado de enfrentar esse problema ainda é um debate em aberto. Haverá custos, que devem ser distribuídos o mais justamente possível. Mas o custo da inação será maior, como mostra a tragédia deste ano do Rio Grande do Sul. E o forte aumento recente das temperaturas é um sinal de alerta de que a questão não pode ser jogada para baixo do tapete. Evitar o assunto não fará o termômetro parar de subir.
Atividade em alta é boa
notícia, mas há riscos
Folha de S. Paulo
Com escalada do gasto
público, emprego e da renda alimentam inflação; é preciso sinal de austeridade
para conter juros
Como tem ocorrido desde
2021, a economia brasileira desafia prognósticos de desaceleração. A julgar
pelos dados mais recentes, a expansão do PIB pode
novamente superar 2,5% neste ano, mesmo diante de incertezas, internas e
externas, e dos juros altos
vigentes.
O IBC-Br, índice do Banco Central que
mede a atividade econômica, apontou
aumento de 1,4% de maio para junho —além das expectativas, que
rondavam 0,5%.
No trimestre, ante o período
correspondente de 2023, o avanço chegou a 2,8%, liderado pelo setor de
serviços. Nem mesmo as enchentes no Rio Grande do Sul tiveram impacto material
na dinâmica, ao contrário do que se temia.
Impulso decisivo vem
da renda do
trabalho, que subiu 5,8% acima da inflação no
trimestre encerrado em junho, na comparação anual. O emprego formal e informal
também mostra vigor, e a taxa de desocupação de 6,9% no período é a menor desde
2014.
Outro vetor é o gasto
público em expansão acelerada. Nos últimos 12 meses a despesa federal cresceu
15% acima da inflação, notadamente nas rubricas de Previdência e benefícios
sociais, que ampliam a renda disponível.
Em adição a tais influências
conjunturais, há elementos estruturais de difícil mensuração. O grande acúmulo
de projetos de infraestrutura observado desde a modernização regulatória a
partir de 2016 —inclusive com o novo marco do saneamento—
indica que há vultosos investimentos contratados para os próximos anos.
É também plausível que a
reforma da legislação trabalhista, com redução do contencioso judicial e maior
flexibilidade de contratos, já tenha impactado a geração de emprego. Não é
simples, porém, comprovar essa conjectura.
O crescimento econômico vem
se mostrando sólido e persistente, portanto, mas há fatores de risco que
precisam ser levados em conta pelo governo. Um deles é a inflação renitente,
que já leva
o Banco Central a considerar elevação da taxa Selic mesmo quando a
maior parte do mundo parece indicar o movimento oposto.
Salta à vista a
descoordenação das políticas monetária e fiscal. Diante da exuberância da
demanda interna, o melhor agora seria reduzir despesas e abrir espaço para
cortes de juros —combinação ideal jamais aceita pelo PT e pela ala
política do Executivo.
Nas próximas semanas, o
governo Luiz Inácio Lula da Silva
terá a chance de desfazer dúvidas quanto a seu compromisso com as metas
fiscais, quando apresentar a proposta de Orçamento para 2025. Um documento
crível ajudaria a evitar uma alta dos juros e com isso perenizar o bom momento
de ampliação do emprego e da renda.
Desmonetizar o PCC
Folha de S. Paulo
Ao minar financiamento,
inteligência é recurso mais eficaz para combater facções
Há várias formas de
enfrentar o crime organizado. Uma delas, menos eficaz, é a mais comum no
Brasil: grandes operações policiais que visam intimidar facções. No geral,
contudo, tais ações só elevam o risco de mortes pelas forças de segurança sem
interferir muito na estrutura da atividade ilícita.
Outro modo é o uso de
inteligência policial para desvendar movimentações financeiras e quebrar a teia
de contatos que sustentam o grupo criminoso. Recentemente, articulações entre o
Judiciário e as polícias no estado de São Paulo têm
seguido nessa linha.
Em abril deste ano, o Ministério
Público revelou indícios de ligação
entre empresas de ônibus e a facção Primeiro Comando da Capital (PCC), por meio da
lavagem de dinheiro proveniente de roubos e do tráfico de drogas.
Outra operação deflagrada
pelo Ministério Público no início deste mês procurou desmantelar o crime
organizado atuante no centro da cidade de São Paulo.
Uma das marcas de atuação do
PCC na capital paulista é a ocupação de instalações no entorno da cracolândia —hotéis,
pensões, estacionamentos e ferros-velhos— que servem como base para a
movimentação criminosa. Em vez de de apenas invadir esse locais e prender
usuários, a proposta mais sensata foi a de atacar
o ecossistema econômico que sustenta a facção.
Há também a penetração do
crime organizado no Estado com o financiamento de campanhas eleitorais. Segundo
o chefe de inteligência da Polícia
Militar paulista, coronel Pedro Luís de Souza Lopes, investigações
indicam que o PCC injeta dinheiro em candidaturas políticas em
diversos municípios.
A influência insidiosa da
facção vai além. Em abril, o Ministério Público apontou suposto esquema de
fraude de licitações por agentes acusados de integrar o PCC.
Esses casos evidenciam a
necessidade de ações sofisticadas para desmantelar o poderio do crime
organizado. Só a inteligência das forças de segurança é capaz de desfazer os
elos do PCC com empresas e o Estado. A força bruta, que contribui para a
inaceitável letalidade policial no Brasil, até agora não obteve êxito nessa
seara.
Indecência aprovada
O Estado de S. Paulo
Aprovação de PEC da Anistia pelo Senado
mostra que partidos, quando querem, conseguem trabalhar em harmonia – neste
caso, para avançar uma pauta que deixa o País indignado
Às vésperas das eleições municipais, o Senado
aprovou de forma relâmpago a indecorosa PEC da Anistia. A emenda cria uma
espécie de “Refis”, o famoso Programa de Recuperação Fiscal, para que partidos
que violaram regras eleitorais não paguem juros sobre dívidas, que poderão ser
quitadas em prazos que variam de 5 anos, para quitação de obrigações
previdenciárias, a 15, para multas pelo descumprimento de cotas raciais e de
gênero.
Apesar de o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), ter dito anteriormente que a questão não seria tratada com
“açodamento”, a proposta foi aprovada em apenas um dia, entre as votações na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e as realizadas em dois turnos no
Plenário da Casa, numa demonstração do caráter de urgência e da união
partidária em torno de pautas obscenas.
Diante da forte indignação popular contra
mais este desserviço da classe política, até se tentou, por pouquíssimo tempo,
dar à PEC um trâmite menos acelerado. Prevaleceu, contudo, a oportunidade de se
valer de condições extremamente favoráveis para o relaxamento de regras e a
regularização de débitos já neste ano eleitoral. Entre a aprovação na Câmara
dos Deputados, em julho, e a confirmação pelo Senado agora, tudo correu com uma
pressa poucas vezes vista.
A PEC, que precisava do apoio de 49 senadores
para ser promulgada, recebeu 51 votos no primeiro turno de votação e 54 no
segundo, unindo praticamente todos os partidos, incluindo os inimigos figadais
PL e PT, embora não seja a primeira vez que os rivais demonstrem harmonia em
torno de pautas indefensáveis. São sócios da PEC da Anistia os senadores Flavio
Bolsonaro (PL-RJ), Jaques Wagner (PT-BA) e Sergio Moro (União-PR).
Ressalte-se ainda que o Partido dos
Trabalhadores deve ser um dos maiores beneficiados pelo projeto, já que, como
revelou o Estadão, as dívidas da sigla com a União somavam R$ 22,2 milhões
até março, de acordo com lista da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; deste
total quase R$ 18,2 milhões eram em dívidas com a Previdência, um atestado da
hipocrisia do PT com a classe trabalhadora.
Além de premiar a inadimplência e, segundo
especialistas, permitir o pagamento de dívidas com recursos de “origem não
identificada”, a PEC reduz ainda cotas para candidaturas de pretos e pardos, as
mesmas que, por serem flagrantemente descumpridas pelos partidos, geraram as
multas que agora serão pagas em prazos dilatados e sem juros.
O novo texto estabelece um piso de 30% para o
envio de recursos partidários a candidatos pretos e pardos, abrindo brecha para
que as legendas transfiram recursos a um único candidato, sepultando o critério
de proporcionalidade. Os diretórios dos partidos poderão, também, escolher uma
região para destinar tais recursos, contrariando decisão do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) de que a divisão seja proporcional ao total de candidatos
pretos e pardos apresentados. Aprovada a toque de caixa, a PEC pode oferecer um
verniz de regularidade ao descumprimento das cotas já nas disputas municipais
deste ano.
Não que as determinações fossem cumpridas
anteriormente – a cota racial, por exemplo, era de 50% –, mas, ao promover uma
autoanistia, acompanhada de relaxamento das regras, a classe política dá o
sinal de que seguirá rasgando a Constituição e promovendo alterações que a
favoreçam.
Os partidos políticos, mais uma vez também,
renovam as possibilidades de enfrentamento com o Judiciário. Não será surpresa
para ninguém se as entidades que justamente criticaram tamanha excrescência
entrarem com ações contestando a PEC da Anistia. A organização Transparência
Partidária estima que o impacto financeiro do projeto será de R$ 23 bilhões.
Além do fato de que deputados e senadores
acabam de fornecer um bom argumento àqueles que desprezam a política partidária
no País, confirma-se que, quando interessa, os políticos deixam as brigas de
lado e se entendem às mil maravilhas.
O risco do PCC para a democracia
O Estado de S. Paulo
Facção criminosa financia campanhas, ameaça
políticos, firma contratos públicos e agora pretende ter candidaturas próprias.
O risco iminente à democracia deve ser contido desde já
Decerto insatisfeito com o imenso poderio
financeiro alcançado após décadas de bandidagem, o Primeiro Comando da Capital
(PCC), ao que tudo indica, agora está disposto a contaminar a política, em um
incipiente projeto de subversão da democracia. Investigações que revelaram as
entranhas dessa organização, pelas quais criminosos empreendem negócios de
fachada para lavar dinheiro do tráfico de drogas, têm apontado também a busca
pelo poder em instituições de Estado.
Essa estratégia, segundo reportagem publicada
pelo Estadão, tem ganhado tração desde as eleições passadas. A atuação da
facção passa pelo financiamento de campanhas de aliados, contaminação da
máquina pública, captura de contratos públicos, ameaças a políticos e até mesmo
a tentativa de lançar representantes próprios para disputar pleitos.
O primeiro alerta dessas investidas surgiu
após um líder do PCC ter tido, em 2016, a ideia de irrigar com dinheiro sujo do
crime uma candidatura a prefeito de Arujá, na Grande São Paulo. A negociação se
deu com o candidato a vice e, depois de eleita a chapa, a facção se apoderou da
coleta de lixo da cidade e da Secretaria Municipal da Saúde, transformada em
cabide de emprego de apaniguados dos delinquentes.
De lá para cá, esse tipo de negócio entrou na
mira de investigadores também na capital paulista. Há um tempo, duas empresas
do setor de transporte estão sob suspeita de que seus capitais sociais teriam
dinheiro do PCC. Mesmo assim, a UPBus e a Transwolff, que hoje estão sob
intervenção, receberam recursos milionários da Prefeitura de São Paulo. Neste
ano, a Operação Fim de Linha expôs essa complexa rede de cooptação, prendeu um
empresário ligado à facção e já virou, de modo rasteiro, um tema de pré-campanha.
Além da capacidade de comprar candidatos, de
aparelhar a máquina pública com seus prepostos e de assinar contratos públicos
com laranjas, o PCC há muito tempo restringe a liberdade de voto dos cidadãos
em algumas regiões do Estado por meio da intimidação.
Há quatro anos, integrantes da facção
disseminaram seu costumeiro terror nas eleições municipais de Campinas, Santos
e Praia Grande. Pela força das armas, candidatos do PSDB foram simplesmente
impedidos de fazer campanha em comunidades dominadas pelo crime organizado e
tiveram de recorrer a escolta para apresentar seus planos aos eleitores.
Neste ano, o PCC pretendia dar um passo além.
A organização queria chegar às urnas. Como mostrou a Operação Decurio, da
Polícia Civil de São Paulo, a facção preparava a apresentação de candidaturas a
vereador em Mogi das Cruzes e em Santo André.
Em Mogi, a mulher de um dos maiores
responsáveis por lavar dinheiro do PCC participaria da disputa pelo União
Brasil. Já no município do ABC paulista, o dono de uma empresa que também
lavava dinheiro para a facção buscaria uma vaga na Câmara pelo PSD. Ambas as
candidaturas foram barradas graças à operação da polícia, que, além disso,
bloqueou R$ 8,1 bilhões por suspeita de esquema de lavagem de dinheiro.
Vale lembrar, ainda, que a recente Operação
Salus et Dignitas (saúde e dignidade, em latim), na Cracolândia, resultou na
prisão de uma ex-candidata a vereador pelo PT. Ela era responsável por
monitorar ilegalmente por rádio a comunicação da polícia na região da Favela do
Moinho, apontada como o QG do PCC na Cracolândia. Já o PRTB, partido que lançou
Pablo Marçal à Prefeitura, chegou a ser comandado por um indiciado por suposta
associação criminosa para o tráfico e de ter ligações com a facção.
Isso tudo indica que o poder financeiro
parece dar impulso ao bando para se aventurar na política, corromper agentes
públicos, drenar dinheiro do contribuinte por meio de contratos viciados e
infiltrar-se em agremiações políticas. Aliás, os partidos precisam aprimorar
seus mecanismos de controle para identificar e afastar bandidos ou agregados do
crime organizado que degeneram suas fileiras.
Numa democracia, não há espaço para o medo
nem se tolera a interdição do debate de ideias. É ousada a marcha do PCC rumo
ao poder político, e esse fenômeno deve ser contido desde já, antes que cresça
e se alastre. O perigo não pode ser ignorado.
Das prioridades municipais
O Estado de S. Paulo
Média de acesso a creches no País é de parcos
40%, e metade das capitais está abaixo disso
Para contribuir com um lastro propositivo às
campanhas municipais e tentar evitar que se baseiem apenas em ataques e
acusações entre os candidatos – espetáculo que, infelizmente, o eleitor se
habituou a acompanhar em períodos eleitorais –, a organização Todos Pela
Educação traçou um panorama sobre o acesso escolar, da creche ao último ano do
ensino básico, em todas as cidades brasileiras.
O levantamento mostra que nos 5.562
municípios brasileiros, a média de acesso à creche para crianças até 3 anos é
de 40%, e em metade das capitais está abaixo desse patamar. Em apenas cinco a
oferta atende a mais da metade das crianças: Rio de Janeiro (51%), Curitiba
(53%), Florianópolis (57%), Vitória (64%) e São Paulo (66%). Na pré-escola,
para crianças de 4 a 5 anos, a média está em nível bem melhor, 94%, mas somente
duas capitais atendem integralmente à demanda: Vitória e Florianópolis.
Os municípios são os grandes agentes da
educação básica no Brasil, com 62% da oferta de matrículas. Esse peso e a
necessidade de o País aperfeiçoar sua base de ensino fazem da Educação uma
política pública prioritária em qualquer programa de governo. Cabe às
administrações municipais garantir o direito constitucional de acesso à
aprendizagem a todas as crianças, seja em creches, pré-escolas e no Ensino
Fundamental.
De acordo com os dados da pesquisa, a
proporção de jovens de 16 anos que concluíram o fundamental é de 84%, e apenas
em uma capital, Goiânia, o porcentual alcança 100%. Em 17 de 26 capitais, o
total de jovens nesta idade com o fundamental completo não bate 90%, embora a
universalização do ensino nessa fase seja obrigação dos governantes. Os dados
incluem também o atendimento aos critérios do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb) na adequação da aprendizagem.
Além de trazer dados relativos à abrangência
do ensino em todos os municípios, a plataforma Educação Já
Municípios, do Todos pela Educação, apresenta diagnósticos e
sugestões tanto para melhorar a qualidade das creches e escolas da primeira
infância (até 6 anos) quanto para garantir a frequência, permanência e
qualidade no ensino fundamental e, com isso, ajudar a reduzir fatores que
possam interferir no desempenho do estudante.
É o tipo de discussão que qualquer eleitor
gostaria de acompanhar nos embates entre candidatos a prefeito de cada cidade e
não a avalanche de farpas, indiretas, acusações (sem compromisso sequer com a
apresentação de provas), ataques pessoais e bate-boca que tendem a ocupar a
maior parte do tempo desses debates.
O avanço na Educação ocorre muito lentamente.
O mais recente Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), cuja escala
vai de zero a 10, deu apenas 6 para os anos iniciais do ensino fundamental. O
aumento foi de apenas 0,2 ponto porcentual em relação a 2021 e o resultado
ficou exatamente na meta traçada pelo Ministério da Educação (MEC), mas ainda é
pouco. O Brasil precisa de mais do que isso para crescer, e o esforço começa
nos municípios.
Saúde sem privilégios
Correio Braziliense
A garantia de saúde deve ser a mesma para
todas as nações, num entendimento dos governos de que nenhuma fronteira pode
barrar a circulação das doenças
A covid-19 provocou um impacto sem
precedentes no mundo, com repercussões em vários segmentos e em aspectos
sociais, econômicos, políticos e culturais. A situação de pandemia foi
considerada encerrada em maio de 2023, mas seus efeitos permanecem. Na saúde
global, amplamente afetada, as lições são profundas — porém algumas delas
parecem que não foram totalmente aprendidas.
O coronavírus afetou direta e indiretamente o
bem-estar das pessoas. Diversos costumes das populações sofreram adaptações,
mudanças ou, até mesmo, foram abandonados. A necessidade de conscientização
sobre a saúde individual e coletiva se impôs de forma definitiva. No entanto,
algumas convicções e práticas inadequadas causam apreensão.
Apesar da prova que a covid-19 deu ao planeta
sobre a importância das vacinas, essa prevenção ainda é negligenciada por
grupos diversos. Em 2023, mais de 60% dos municípios brasileiros não atingiram
as metas entre 90% e 95% de imunização em relação ao calendário infantil,
segundo o Ministério da Saúde.
Já a cobertura mundial de vacinação nessa
faixa etária estagnou no ano passado, deixando 2,7 milhões de crianças sem
imunização ou com doses insuficientes, em comparação aos níveis pré-pandêmicos
em 2019, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Uma vez que as altas coberturas são
essenciais para diminuir a circulação de vírus e outros micro-organismos
nocivos, essa questão desperta para a importância de um esforço conjunto
visando à proteção das populações. Surtos de sarampo e a elevada incidência de
doenças que já não preocupavam agora são uma realidade mundial.
Na última quarta-feira, a OMS anunciou que a
mpox é, novamente, uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional
(ESPII). Segundo a entidade, o aumento expressivo de casos na África oferece um
risco potencial de nova pandemia. A globalização sanitária, a exemplo do que
aconteceu com o coronavírus, exige ações complexas e com ampla participação dos
cidadãos.
A diferença entre países ricos e pobres não
pode existir. Ao contrário. A garantia de saúde deve ser a mesma para todas as
nações, num entendimento dos governos de que nenhuma fronteira pode barrar a
circulação das doenças.
Outros registros significativos, como a
crescente incidência de problemas crônicos não transmissíveis, se apresentam.
Diabetes, câncer e moléstias cardiovasculares são algumas das enfermidades que
têm registrado aumento pelo mundo.
Diante disso, a democratização da saúde, de maneira que permita o alcance a tratamentos e a oportunidade de cuidados, não pode ser apenas um conceito. Remédio, vacina, tecnologia e conhecimento médico precisam ser considerados bens e direitos da humanidade. A desigualdade de acessos potencializa o perigo coletivo de adoecimento e não faz sentido em um mundo que busca a dignidade para todos. Pensar a saúde sem privilégios é o caminho para superar os desafios globais que se impõem nesse campo.
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