Valor Econômico
Interrupção da queda da Selic e a perspectiva de retomada de alta da taxa tendem a levar a alguma desaceleração nos próximos trimestres, o que torna essencial a redução das incertezas sobre as contas públicas
A atividade econômica segue forte, como mostram os números do segundo trimestre. Com o mercado de trabalho robusto, um expressivo estímulo fiscal, especialmente via transferência de renda, e a melhora do crédito, o PIB deste ano pode crescer 2,5% ou mais, com alguns analistas projetando um resultado semelhante aos 2,9% de 2023. A interrupção do ciclo de queda da Selic e a perspectiva de retomada de alta da taxa, porém, tendem a levar a alguma desaceleração nos próximos trimestres, o que torna ainda mais essencial a redução das incertezas sobre as contas públicas. Isso aliviaria mais a pressão sobre o câmbio, que diminuiu nas últimas semanas, e limitaria o eventual aumento dos juros, resultando numa perda de fôlego mais modesta da atividade à frente.
Os indicadores econômicos do segundo
trimestre evidenciam um desempenho firme da economia brasileira. Em junho, a
indústria avançou 4,1% em relação a maio, feito o ajuste sazonal, enquanto os
serviços subiram 1,7% e o varejo ampliado (que inclui automóveis, autopeças e
material de construção) teve aumento de 0,4%. Nesse quadro, o Índice de
Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) aumentou 1,4% na comparação com
maio. A taxa de desemprego no segundo trimestre, por sua vez, ficou em 6,9%, a
menor para o período desde 2014, ao passo que a massa de rendimentos cresceu
9,2% em relação ao segundo trimestre de 2023, descontada a inflação.
“De fato, todos os indicadores divulgados
recentemente reforçam que a atividade segue bastante resiliente, impulsionada
pela ocupação e massa real de rendimentos em alta, expansão do crédito e
estímulos fiscais”, resume a LCA Consultores. “Os impactos das chuvas e
enchentes no Rio Grande do Sul em maio se mostraram menos intensos do que o
esperado e a recuperação também tem sido mais célere”, diz a consultoria, em
relatório.
O economista Rodrigo Nishida, da LCA, lembra
ainda que houve uma liberação excepcional de precatórios na virada do ano,
acrescentando que a queda da agricultura em 2024 não deve ser tão intensa
quanto se projetava, enquanto a pecuária tem ido muito bem. Para ele, a
economia pode ter crescido no segundo trimestre algo em torno de 1% em relação
ao trimestre anterior, o que seria uma aceleração em relação ao já bom
resultado de 0,8% do período de janeiro a março. Para o crescimento de 2024,
Nishida deve revisar o número para cerca de 2,5% - a projeção da LCA é de 2%.
Já o diretor de pesquisa para a América
Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, elevou a estimativa para o crescimento
do Brasil em 2024 de 2,3% para 2,5%, aumentando a previsão para a expansão do
segundo trimestre de 0,6% para 0,8%. Olhando para frente, Ramos aponta, em
relatório, que a atividade vai continuar a se beneficiar de um estímulo fiscal
significativo, mencionando transferências do governo para pessoas de baixa
renda, do aumento do salário mínimo acima da inflação, da virada do ciclo de
crédito e do crescimento sólido do rendimento disponível das famílias. Na
direção contrária, há condições monetárias ainda apertadas, níveis ainda altos
de endividamento da pessoa física, a pouca ociosidade na economia e incertezas
ainda elevadas, diz Ramos. Com os resultados dos indicadores de junho, o J.P.
Morgan aumentou a sua estimativa de 2,5% para 2,9%.
Como se vê, o desempenho da economia tem sido
positivo. No quadro externo, há o temor de uma desaceleração mais forte da
economia americana, um risco para o ambiente global. Ao mesmo tempo, isso
deverá levar o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) a promover um
corte dos juros já no mês que vem, um fator favorável a mercados emergentes.
Nesse cenário, o governo deveria contribuir
para evitar ruídos e reduzir incertezas no quadro político e econômico. Por
várias semanas a partir de meados de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva se empenhou com afinco em aumentá-las, ao criticar o Banco Central (BC) e
o nível da Selic e a levantar dúvidas sobre a necessidade de enfrentar o ajuste
fiscal pelo lado dos gastos. Combinado a um momento de aumento da aversão
global ao risco, isso levou o dólar a encostar em R$ 5,80.
Nas últimas semanas, porém, a moeda americana
recuou. O BC endureceu o discurso, com o diretor de Política Monetária, Gabriel
Galípolo, assumindo um papel de destaque na comunicação, indicando que a
instituição poderá elevar a Selic para trazer a inflação à meta. Galípolo é
visto como o sucessor de Roberto Campos Neto no comando da instituição a partir
de 2025. Na sexta-feira, o próprio Lula disse que “quando tem aumentar os
juros, tem que aumentar”. Além disso, o cenário externo se desanuviou um pouco.
No front fiscal, o governo bloqueou R$ 15
bilhões do Orçamento deste ano e adotou uma medida para segurar as despesas em
agosto e setembro, com a contenção de mais cerca de R$ 33 bilhões em gastos.
Com isso, o governo deu sinais de empenho para cumprir a meta fiscal deste ano.
Falta, porém, um programa de ajuste que enfrente a expansão das despesas
obrigatórias, que avançam a um ritmo elevado, porque boa parte dos gastos está
vinculada ou ao salário mínimo, como benefícios previdenciários e assistenciais,
ou à receita, como o piso de dispêndios em saúde e educação. Para reduzir
significativamente as incertezas sobre as contas públicas, é necessário mais do
que medidas de controle de gastos no curto prazo.
Desde 2021, a economia brasileira tem
crescido mais do que o esperado pela maior parte dos analistas. É uma boa
notícia, mas, para manter ao longo do tempo um nível mais forte de expansão do
PIB, é fundamental que a política fiscal seja menos expansionista, abrindo
espaço para juros mais baixos de modo sustentado. Também é indispensável um
esforço concentrado para elevar a produtividade. A reforma tributária deve
levar o país a colher frutos nessa direção, ao aumentar a eficiência na
economia. No entanto, continua a faltar uma agenda mais completa, o que exige
iniciativas para aperfeiçoar o capital humano, melhorar o ambiente de negócios
e reduzira incerteza jurídica, dando mais conforto para o investimento do setor
privado, e promover a abertura comercial. Sem isso, haverá apenas surtos de
crescimento um pouco mais forte, ou nem isso.
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