Conversa entre Poderes é positiva para o país
O Globo
Não necessariamente acordo sobre emendas
parlamentares será o ideal. Mas é melhor que embate institucional
Embora tenso, foi positivo o encontro entre
os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF),
os presidentes da Câmara, Arthur Lira,
do Senado, Rodrigo
Pacheco, e representantes do governo para negociar um acordo capaz
de aplacar as divergências em torno das emendas parlamentares. Não há dúvida de
que se avançou depois do conflito desencadeado pela decisão do ministro Flávio
Dino — referendada por unanimidade no plenário do Supremo — de suspender o
pagamento de emendas até que Congresso e Planalto criem regras garantindo mais
transparência e rastreabilidade a esses repasses.
O acordo está longe de representar a solução ideal para a questão, até porque mantém inalterada a parcela do Orçamento sob controle dos parlamentares — em torno de R$ 50 bilhões, ou 20% dos gastos livres do governo (patamar sem paralelo no mundo). Mas pelo menos muda os procedimentos, em particular nas emendas individuais que os congressistas podem enviar diretamente a estados ou municípios sem exigência de projeto ou mecanismo de controle, apelidadas “emendas Pix”. Pelo que foi pactuado, eles terão de revelar como os valores serão usados. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) ficará responsável pela fiscalização.
Outro ponto controverso são as emendas de
comissão, novo foco da destinação de recursos sem transparência depois que o
STF declarou inconstitucionais as emendas do relator, que irrigavam o
“orçamento secreto”. O acordo estabelece que os recursos poderão ser destinados
apenas a projetos “de interesse nacional ou regional”, estabelecidos de comum
acordo com o Executivo. A definição das obras será objeto de regulação
posterior. Lamentavelmente, um dos principais problemas não foi tratado: a
identificação do autor da emenda. Por fim, as emendas de bancada ficarão
restritas a projetos considerados “estruturantes”, segundo critérios discutidos
entre Executivo e Legislativo.
Desde 2015, diversas mudanças na Constituição
ampliaram os recursos de emendas parlamentares e as tornaram progressivamente
mais impositivas, limitando o poder do Executivo sobre o Orçamento. A última
foi a PEC da Transição, aprovada em 2022, que aumentou os recursos de emendas
para 3% da receita líquida do ano anterior — um evidente exagero. Agora, apesar
de não haver redução imediata nessa fatia, o Congresso se comprometeu a
estabelecer uma nova fórmula para reajustar os valores anualmente, de modo que
ao menos não cresçam mais que as despesas discricionárias.
A suspensão do pagamento das emendas pelo STF
causou indisfarçável abalo na relação entre os Poderes. A reação do Legislativo
foi imediata, ressuscitando propostas que miram os magistrados. Uma delas
limita decisões monocráticas de ministros do STF. A outra permite ao Congresso
derrubar decisões do Supremo, ideia sem nenhum cabimento. O mal-estar ficou
claro no encontro de terça-feira.
Não necessariamente o acordo negociado entre
os Poderes será o ideal ou o mais justo para o Brasil. Mas, além de aumentar a
transparência e estabelecer critérios mais sensatos para as emendas
parlamentares, ele contribui para arrefecer a animosidade. A contenda não faz
bem ao país. É sempre melhor haver conversa que disputa institucional.
Ou Senado reage, ou Brasil terá maior imposto
sobre consumo do mundo
O Globo
Lista de exceções torna inviável
alíquota-padrão de 26,5% estipulada pelos próprios deputados
Se o Senado não reagir, o Brasil corre o
risco de se tornar o país com o maior imposto sobre consumo do mundo. O projeto
aprovado na Câmara pode — e precisa — ser corrigido. Na forma como está, ele
acarretará uma alíquota-padrão próxima de 28%, mais alta que a adotada em 150
países analisados pela consultoria PwC. Hoje a Hungria é a número 1 no ranking,
com 27%. Croácia, Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia vêm empatados em
segundo lugar, com 25%. Na terceira posição estão Grécia e Islândia, ambos com
24%. Nos países emergentes, o percentual tende a ser mais baixo. Na China, não
passa de 13%. No México, 16%, e no Chile, 19%.
O tema dos tributos é pródigo em
complexidades impenetráveis. Porém a explicação para o Brasil alcançar patamar
tão alto é simples. Enquanto a reforma
tributária esteve em análise na Câmara, houve romaria a
Brasília de grupos interessados em fazer pressão para que produtos ou serviços
entrassem em listas de exceção, com tributos zerados ou reduzidos. Quanto mais
beneficiados, maior precisa ser a alíquota-padrão cobrada dos demais para
manter o mesmo nível de arrecadação.
Os argumentos usados para tentar justificar
as listas de exceção não se sustentam. Um vasto conjunto de pesquisas
acadêmicas mostra que o sistema tributário não é o canal mais eficaz para
tratar de temas de equidade. A ideia de uma cesta básica isenta é enganadora.
Produtores beneficiados com impostos menores embolsam a vantagem sem repassá-la
aos consumidores. Mesmo quando repassam, a situação é injusta, pois beneficia
pobres e ricos. É muito mais eficaz, em vez de criar listas de exceções, usar a
receita dos impostos para cuidar dos mais vulneráveis. Ou devolver dinheiro aos
pobres por um sistema de cashback, como o previsto na própria reforma.
No texto aprovado em julho na Câmara, os
deputados estipularam um teto de 26,5% para a alíquota-padrão. Caso seja
respeitado, esse limite já colocaria o Brasil no segundo lugar do ranking dos
maiores impostos sobre consumo. Mas nem isso está garantido. Se, na revisão a
ser feita em sete anos, a alíquota estiver próxima de ultrapassar o teto, o
governo precisará apresentar um projeto para reduzir os benefícios fiscais. O
mais indicado seria o Senado já definir um gatilho automático na lei — e
trabalhar para reduzir a alíquota-padrão cortando exceções.
Em Brasília é comum o argumento “faremos o
possível, não o indicado”. É o tipo de atitude que favorece lobbies de toda
espécie, que costumam conseguir o que querem. Mas não é impossível derrubar os
argumentos frágeis com base em estudos empíricos. As longas listas de exceções,
com carnes, queijos, farinhas e toda sorte de produtos, são uma aberração. Os
brasileiros merecem uma reforma tributária melhor que a aprovada na Câmara,
simplesmente porque não suportam mais a pesadíssima carga tributária. É papel
dos senadores fazer as correções necessárias. O Brasil precisa ambicionar as
primeiras colocações nos rankings mundiais de educação, saúde e oportunidades.
Não nos de maiores impostos.
Governo precisa enfrentar o déficit
estrutural crescente
Valor Econômico
Mesmo com uma sequência provável de três anos de avanço do PIB perto dos 3%, o déficit estrutural continua piorando
Com a mudança dos regimes fiscais entre o
governo de Jair Bolsonaro e o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o
déficit público se acentuou. Entretanto, é preciso uma visão de longo prazo
para saber a direção em que caminham as contas públicas. Foi o que economistas
da MCM Consultores fizeram para chegar a uma conclusão preocupante: o déficit
fiscal estrutural está crescendo. Isso significa que quando se excluem tanto
receitas extraordinárias quanto despesas que não se repetirão, a condição normal
dos gastos do Estado hoje é a de superar a arrecadação. (Valor, 15 de agosto).
A indicação é que para colocar as finanças
públicas em ordem e permitir frear o endividamento - hoje em alta moderada, com
tendência de aceleração -, será preciso obter um superávit primário maior.
Pelas contas da MCM, o desequilíbrio ao longo do tempo tem subido. No segundo
semestre do ano passado, foi de 1,1% do PIB, avançou para 2,1% no primeiro
trimestre deste ano e alcançou 2,4% do PIB no segundo trimestre. Os números
mostram que há 6 meses seria necessário um esforço fiscal bem menor para
emprumar a contabilidade, cerca de R$ 120 bilhões. Hoje, seriam necessários R$
250 bilhões para atingir o mesmo resultado.
Os cálculos vão além das oscilações fiscais
típicas da sucessão de governos. O governo Lula resolveu fazer um ajuste fiscal
que preserva aumentos reais de gastos, a serem cobertos pelos aumentos de
receitas. A arrecadação está subindo, mas para efeitos estruturais não adianta
obter uma safra boa de dividendos do BNDES ou da Petrobras, se eles não
formarem um contínuo de recursos relativamente estável ao longo dos anos. Ainda
que se obtenha a zeragem do déficit primário este ano, o que ainda é uma enorme
dúvida, isso não resolverá o problema. Da mesma forma, despesas que não se
repetem ao longo do tempo, ou variações acima do padrão normal de gastos, que
podem enfeiar os resultados durante um ou outro exercício, não são tão
relevantes se não contribuírem para uma piora permanente da conta.
O país tem agora um desequilíbrio crescente,
mas já viveu uma situação oposta, a de superávits estruturais ao longo de
praticamente uma década - nos primeiros governos de Lula e no início do
primeiro mandato de Dilma Rousseff, de 2004 a 2015. A farra de gastos da nova
matriz econômica, que não prescindiu das pedaladas fiscais, inverteu o rumo das
contas públicas e levou o país a uma das maiores recessões da história. O teto
de gastos, que impedia as despesas de terem crescimento real, implantado no
governo Temer, conseguiu reverter a situação a partir de 2017, até se obter um
superávit primário, ainda que pequeno, de 0,5%, no primeiro trimestre de 2022.
A partir do início do governo Lula, marcado
pela PEC da Transição, houve um aumento grande das despesas, com o salvo
conduto para gastos de R$ 168 bilhões no exercício fiscal de 2023, e os ajustes
que conduziram a mais gastos, desta vez recorrentes, com a indexação das
maiores despesas do orçamento à inflação acrescidas do avanço do PIB de dois
anos anteriores. Isso foi feito sem que houvesse qualquer preocupação para
diminuir as renúncias fiscais e gastos tributários, que, ao contrário,
cresceram. E pelo visto continuarão assim, mesmo que se consiga um ou outro
melhor desempenho ao longo do tempo.
As fortes vinculações do orçamento pioram o
controle das contas públicas, por seu caráter pro-cíclico, um problema antigo e
renitente. Nos momentos em que a economia está desacelerando, a arrecadação cai
e o déficit cresce. Nos momento de crescimento, como agora, as receitas dos
governos aumentam e as despesas crescem. Assim, mesmo com uma sequência
provável de três anos de avanço do PIB perto dos 3%, o déficit estrutural
continua piorando.
O novo regime fiscal, para se manter, precisa
cumprir suas regras, que foram afrouxadas antes até do início de sua vigência.
Apesar de o governo julgar que o esforço para atingir a meta será menor em 2025
do que agora, não é esta a opinião dos economistas. A mediana do Prisma Fiscal,
que coleta as expectativas sobre o desempenho das contas públicas, recuou em
agosto em relação a junho, para um déficit de R$ 73,5 bilhões. No entanto, o
rombo esperado para 2025 é maior do que o do atual exercício - R$ 91,6 bilhões.
O governo terá de gerar um superávit primário
de R$ 36 bilhões de agosto a dezembro para cumprir o limite inferior, de
déficit de até R$ 28,8 bilhões este ano, calcula a Instituição Fiscal
Independente (IFI) do Senado. A receita líquida precisará crescer R$ 94,1
bilhões de agosto a dezembro, mas a IFI acredita que há “elevado grau de
incerteza” sobre isso e que será possível alcançar R$ 65,6 bilhões, com
carência de R$ 21,5 bilhões. A instituição mostra que a correção das principais
despesas (60% do total) pela inflação mais ganho real do PIB ameaça já a curto
prazo a subsistência das regras.
Para consertar de forma sustentável as contas
públicas, seria preciso uma desvinculação importante das despesas e corte dos
enormes subsídios fiscais, além do fim da correção real dos principais gastos.
O governo não está disposto a realizar as mudanças, mas poderá ser convencido
pela realidade dos fatos a fazê-las.
Taxação alta e corte de publicidade para bets
Folha de S. Paulo
Governo acerta ao autorizar apostas, mas
cumpre vetar propaganda e elevar impostos, como já ocorre com tabaco e álcool
O sucesso do mercado de apostas online, as
chamadas bets, é incontestável. Levantamento do banco Itaú estima
que, entre junho de 2023 e junho de 2024, jogadores desembolsaram
R$ 68,2 bilhões nesse tipo de competição e receberam de volta
R$ 44,3 bilhões. Ou seja, perderam R$ 23,9 bilhões.
O jogo, portanto, é péssimo negócio para o
apostador. Mas brincar com a sorte é atividade que fascina a humanidade pelo
menos desde o Paleolítico —arqueólogos encontraram dados e outras evidências de
jogos em sítios pré-históricos.
Nem o Estado nem tabus moralistas apagarão
esse traço da natureza humana. E nem deveriam tentar. Se um adulto em pleno
gozo de suas faculdades mentais quiser gastar seu dinheiro desafiando
probabilidades estatísticas, deve ter o direito de fazê-lo.
Daí não decorre, por óbvio, que o poder
público deva se omitir nessa seara. Assim como normatiza o comércio em geral, o
Estado deve garantir que as empresas que exploram a atividade não ludibriem os
apostadores. No Brasil, a lei 14.790/2023 autorizou as bets e, no mês passado, uma
série de portarias do Ministério da Fazenda instituiu a regulamentação.
Os documentos preveem que as poucas chances
de vitória e os riscos envolvidos devem ser anunciados com clareza —e que
manipulação de resultados e uso de equipamentos enviesados, entre outras
fraudes, serão coibidos.
O Estado também tem interesses legítimos na
saúde pública. Já que proibições não funcionam, como se verifica no uso
de drogas,
é preciso conter o aumento do número de jogadores dependentes.
Uma das medidas, no caso, seria vetar ou ao menos limitar severamente a
publicidade das bets. Mas, apesar de algumas condições pontuais, a propaganda é
livre no país.
A restrição à divulgação de produtos nocivos
à saúde está prevista no artigo 220 da Constituição e
é empregada em relação ao tabaco, ao álcool e até a medicamentos. O jogo de
aposta entra nessa categoria. É insensato
estimular comportamentos potencialmente autodestrutivos para os
quais o cérebro já não tem muitas defesas.
Outra questão em que a regulamentação deixou
a desejar é a dos impostos. As empresas foram tributadas em apenas 12%, valor
ridiculamente baixo, mesmo considerando que os vencedores também pagam tributos
sobre os prêmios.
Ademais, as discussões sobre a reforma
tributária estão, até agora, poupando setores do chamado imposto do pecado
—sobretaxa para produtos e serviços que causam danos à sociedade. Ora, quando
aborda esse tipo de tributo, a literatura econômica é quase unânime em usar
como exemplo a tríade tabaco, álcool e jogo.
É corte ou não é?
Folha de S. Paulo
Qualquer que seja o termo usado, pente-fino
no BPC é correto, mas insuficiente
Não é de hoje que o ministro Fernando
Haddad, da Fazenda, precisa se equilibrar entre os deveres do cargo,
como zelar pela credibilidade da política econômica, e a plataforma gastadora
abraçada por seus correligionários petistas —a começar pelo próprio presidente
da República.
O exemplo mais recente se deu na terça-feira
(20), quando Haddad defendeu a revisão de gastos a ser promovida com o
Benefício de Prestação Continuada (BPC), um programa destinado à população
carente que passa por uma expansão anômala de sua clientela.
Fazer pente-fino para identificar concessões
indevidas ou mesmo fraudes, argumentou o ministro em evento do banco BTG
Pactual, "não
pode ser chamado de corte".
É curioso que o mesmo Haddad tenha usado a
palavra, ou uma variação dela, ao
anunciar essa e outras medidas similares em 3 de julho, com uma
previsão da economia a
ser feita: "Identificamos, e o presidente autorizou levar à frente, R$
25,9 bilhões de despesas obrigatórias que vão ser cortadas", disse,
referindo-se ao Orçamento de 2025.
Explica-se: naquele dia, a preocupação da
Fazenda era dar uma mostra pública de compromisso com a responsabilidade
fiscal, de modo a estancar uma disparada do dólar alimentada por declarações
desatinadas de Luiz Inácio Lula da
Silva —daí o exagero retórico de chamar de corte o que ainda é só uma
reestimativa do gasto.
De lá para cá, o governo tem sofrido ataques
demagógicos por supostamente tirar dinheiro dos pobres, quando se trata apenas
de fazer cumprir as regras do programa, voltado para idosos e deficientes com
renda familiar per capita de até um quarto do salário mínimo.
A providência é obviamente correta —mas
insuficiente. Verificar a devida destinação de recursos é obrigação da gestão
pública, porém no caso brasileiro será inescapável rever também regras que
levam os gastos a uma elevação contínua e insustentável, como reajustes de
benefícios acima da inflação.
É essencial preservar o aparato de seguridade social, o que implica garantir que ele caiba no Orçamento e seja de fato direcionado aos que dele mais precisam.
A montanha pariu um rato
O Estado de S. Paulo
Acordo entre STF, Legislativo e governo
mantém problemas das emendas parlamentares e do desequilíbrio das relações
entre os Poderes sem restituir ao Executivo o controle do Orçamento
Terminou em um típico “acordão” a crise entre
governo e Congresso sobre as emendas parlamentares. Mediado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), o pacto promete dar transparência às indicações
orçamentárias feitas por deputados e senadores a seus redutos eleitorais, mas
não proporciona a efetiva retomada do controle do Orçamento pelo Executivo.
Para começar, foram mantidas as “emendas
Pix”, que configuram mera transferência de recursos da União para o caixa de
prefeituras e governos estaduais. O Congresso se comprometeu a fazer o mínimo e
indicar como o dinheiro enviado deverá ser utilizado pelos prefeitos e
governadores. Os recursos deverão priorizar obras inacabadas, o que não garante
sua melhor aplicação.
Nada disso sana o vício de origem das
transferências especiais. Embora existam desde 2019, as “emendas Pix” sempre
foram inconstitucionais, como descreveu a tardia Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Procuradoria-Geral da República
(PGR) há duas semanas. Elas ofendem o pacto federativo, a separação dos Poderes
e os direitos e garantias individuais. Perpetuá-las desmoraliza a atuação de
uma corte cuja função primordial é defender a Constituição.
O acordo não enfrentou o caráter impositivo
das emendas. As emendas individuais só deixarão de ser executadas se houver
algum impedimento de ordem técnica. Quanto às emendas de bancada, elas só
poderão ser destinadas a “projetos estruturantes” – seja lá o que isso
signifique.
Releitura das antigas emendas de relator, as
emendas de comissão – as únicas que não têm caráter obrigatório – também foram
preservadas. Deverão priorizar projetos de “interesse nacional ou regional”, a
serem definidos em conjunto entre o governo e o Congresso. Seu principal
problema, a falta de identificação do autor da indicação, não foi resolvido.
O pacto tampouco enfrentou o patamar que as
emendas assumiram no Orçamento, de cerca de R$ 50 bilhões. Com a Emenda
Constitucional da Transição, as individuais passaram a corresponder a 2% da
Receita Corrente Líquida; e as de bancada, a 1%. Agora, elas não poderão
crescer mais que os 2,5% reais impostos pelo arcabouço fiscal, mas não serão
reduzidas.
O pagamento das emendas permanecerá suspenso
pelo STF até que os termos do acordo sejam regulamentados, o que, à primeira
vista, parece reduzir a força que o Legislativo conquistou nos últimos anos.
Mas tudo dependerá da regulamentação dos termos desse pacto, que sairá nos
próximos dez dias e será controlada com mão de ferro pela cúpula do Congresso.
Para o governo, a situação melhorou um pouco.
Incapaz de convencer os parlamentares a utilizar as emendas para apadrinhar
obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) voluntariamente, talvez
agora o Executivo consiga arrancar um naco dos recursos para seus projetos
prioritários.
Convém não subestimar a capacidade do
Legislativo de defender seus interesses. O diabo mora nos detalhes, que podem
ser facilmente escamoteados nas vírgulas de emendas constitucionais, leis e
resoluções. Regras escritas, quando aplicadas, revelam a distância abissal
entre teoria e prática.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso,
disse que se chegou ao “consenso possível”, entendimento que consolida a
atuação política de uma corte que parece muito mais preocupada em mediar crises
do que em proteger a Constituição.
A mera existência do acordo expressa a
manutenção de uma disfuncionalidade. Afinal, para impedir retaliações contra si
e o Executivo, o Supremo atuou para apaziguar os ânimos, quando em tempos não
tão remotos caberia ao Congresso apenas cumprir uma decisão judicial
referendada por unanimidade pela Corte.
Nesse contexto, o incômodo demonstrado por
Arthur Lira (PP-AL) mais parece encenação, enquanto o STF celebra os desvios de
sua função e a perda de sua autoridade e o governo canta vitória antes da hora.
Como disse o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), a montanha pariu um rato, e a
tendência é de que tudo – as emendas parlamentares e a relação desequilibrada
entre os Poderes – continue como está.
O governo Dilma ainda dá prejuízo
O Estado de S. Paulo
Correios vão aportar R$ 7,6 bi para tapar
metade do rombo no fundo de pensão que aplicou recursos em fundos de
investimentos e projetos lulopetistas de estrita conveniência política
A direção dos Correios firmou contrato de
confissão de dívida com o Postalis, o fundo de pensão dos funcionários da
estatal, em que concordou em pagar R$ 7,6 bilhões, metade do rombo que o fundo
acumula desde o período em que foi amplamente utilizado em investimentos
podres, mas que eram do interesse do governo petista da época. Grande parte do
prejuízo total, estimado em R$ 15 bilhões, foi causada por operações feitas
entre 2011 e 2016, durante o governo Dilma Rousseff – que, como mostrou
reportagem do Estadão, corresponderam a R$ 9,1 bilhões.
Desnecessário frisar como é descomunal o
volume de recursos jogados no ralo da incúria, em negócios mal administrados e
em fraudes no Postalis. O rombo é superior ao patrimônio total de 225 dos 236
filiados à Abrapp, associação que reúne as entidades nacionais de previdência
complementar. Aposentados e pensionistas, sem culpa nos malfeitos, arcarão com
a outra metade do prejuízo, com descontos que chegam a ultrapassar um terço do
valor dos benefícios.
Não estarão sozinhos no infortúnio. Como se
sabe, aposentados e pensionistas da Petros (dos funcionários da Petrobras) e da
Funcef (da Caixa) também sofreram cortes de benefícios para sanar os prejuízos
de uma época em que o capital de suas caixas de previdência foi usado com o
propósito prioritário de atender aos interesses do lulopetismo e partidos
aliados. Os Correios, por exemplo, foram território fechado para o PTB e o
PMDB. Os desmandos no Postalis deixaram a situação tão crítica que foram
suspensas novas adesões de participantes.
Das grandes entidades patrocinadas por
estatais, somente a Previ, do Banco do Brasil, não entrou na roda da
decadência. Talvez por seu tamanho – é, de longe, a mais rica das fundações –
ou por ter sido beneficiada por um período em que a rentabilidade das
aplicações em ações multiplicou seu patrimônio, o fato é que não teve de onerar
seus contribuintes com extras e nem os assistidos com cortes. Mas participou,
como as demais, dos projetos lulopetistas.
Previ, Postalis, Funcef e Petros entraram,
por exemplo, como sócios da Sete Brasil, a excentricidade idealizada pelo
governo petista para intermediar as encomendas de equipamentos do pré-sal, mas
que nada entregou a não ser um prejuízo bilionário. Sob o governo Dilma
Rousseff, o Postalis vendeu títulos da dívida pública do Brasil e comprou
títulos da Venezuela e da Argentina em 2014, um negócio que qualquer iniciante
sabia ser um grande mico.
A inevitável intervenção no Postalis
aconteceu ao final de 2017, no governo Michel Temer, depois que órgãos
reguladores do Brasil e dos Estados Unidos concluíram ter havido má gestão e
fraude. A Comissão de Valores Mobiliários, que já aplicou inúmeras multas a
administradores do fundo, ainda hoje investiga irregularidades. Há dois meses,
retomou julgamento de suposta operação fraudulenta em fundos de investimentos
administrados pelo Postalis e multou os acusados em mais de R$ 21 milhões. A
intervenção durou até dezembro de 2019, sob Bolsonaro, com a substituição do
interventor da Previc, que fiscaliza os fundos de pensão, por um general. Sob
Lula, um sindicalista passou a ocupar o cargo. Como se vê, nenhum dos dois
estava genuinamente preocupado em corrigir os rumos.
Paulo Guedes, o “superministro” de Bolsonaro,
incluiu os Correios na lista de estatais privatizáveis. O projeto para
autorizar a operação chegou a ser encaminhado pelo Executivo ao Congresso, mas
abortar a privatização foi uma das primeiras providências de Lula da Silva ao
assumir o terceiro mandato.
A estatal é hoje deficitária – no primeiro
trimestre deste ano, o prejuízo chegou a R$ 800 milhões – e durante as gestões
anteriores do PT chegou a ter congeladas as tarifas postais, uma prática que
foi relativamente comum na gestão Dilma, que conteve preços de combustíveis e
de energia elétrica, acionando o gatilho de bombas inflacionárias de efeito
retardado cujos efeitos ainda não cessaram.
‘Troll’ na campanha eleitoral
O Estado de S. Paulo
Faltar a debate não é o melhor caminho para
lidar com quem só está ali para causar confusão
Os candidatos a prefeito de São Paulo Ricardo
Nunes (MDB), Guilherme Boulos (Psol) e José Luiz Datena (PSDB) recusaram-se a
participar de um debate promovido pela revista Veja e pela ESPM por
causa do evidente descontrole do candidato Pablo Marçal (PRTB). A recusa ao
debate escancara a dificuldade desses políticos de lidar com trolls –
como são chamados os agentes do caos cujo principal objetivo é o de causar
tumulto para gerar engajamento nas redes sociais –, mas nem de longe é o
caminho para lidar com um fenômeno que só tende a se expandir.
Ter de conviver na campanha com quem não tem
nenhum interesse em fatos e argumentos – e, mais importante, nas reais
necessidades dos eleitores – é certamente desafiador, mas não mais do que
administrar uma metrópole tão complexa como São Paulo. Um prefeito não lida só
com os assuntos sobre os quais se sente confortável ou preparado. Um verdadeiro
estadista é aquele que coloca os interesses da cidade acima de suas
sensibilidades pessoais.
Como os trolls não têm compromisso
algum com os eleitores, cair nas provocações ou delas se esquivar simplesmente
não comparecendo a debates gera o mesmo efeito: conteúdo para as redes sociais,
onde os adversários serão ridicularizados por caírem nas esparrelas ou tachados
de fujões. Para o provocador, é um perfeito ganha-ganha.
Provocações e golpes abaixo da cintura, no
Brasil e no exterior, são tão velhos quanto a política. A novidade é que
os trolls não atacam os adversários pensando exatamente em vencer a
disputa eleitoral. No específico caso brasileiro, eles são valiosíssimos para
legendas de aluguel, cuja existência não depende de propostas, muito menos de
soluções, mas de candidatos que puxem milhares de votos permitindo que partidos
parasitas sigam se locupletando do sistema, curiosamente o mesmo velho sistema
que os agentes do caos fingem combater.
Sempre ancorados nas redes sociais, os trolls estão
aí para esgarçar o tecido social e, no processo, consolidar a base de fiéis
seguidores que lhes engordam os bolsos ou lhes garantem apoio significativo que
pode ser negociado com quem tem ainda mais poder.
Acostumados a serem cultuados por seus
seguidores e altamente dependentes de likes, os trolls não raro
se enrolam no próprio vazio de ideias. Quando é chamado a detalhar propostas,
por exemplo, Marçal afirma que tratará delas depois, em suas redes,
demonstrando não apenas não ter nenhum respeito pelo eleitor, mas também que só
busca a zona de conforto de seus bajuladores. Ou seja, os trolls são
vulneráveis quando confrontados com a realidade dos fatos, por isso fogem dela
como o diabo da cruz. A melhor maneira de enfrentá-los, portanto, é expô-los
sem se deixar arrastar para o terreno do vandalismo nem da altercação. Como diz
o velho adágio, não é bom brigar com o porco na lama, porque os dois se sujam,
mas só o porco se sente em casa.
Nunes, Datena e Boulos perderam a oportunidade de, com sangue-frio e altivez, como exigem os problemas da cidade, desnudar a estratégia sedutora, porém limitada, do troll do momento. Outros surgirão. Fugir deles certamente não os derrotará.
Atenção aos sinais sanitários
Correio Braziliense
O Brasil precisa estar atento ao
comportamento de vírus com potencial para causar novas crises sanitárias e,
principalmente, pôr em prática medidas de enfrentamento eficazes
Sistemas sanitários pouco robustos costumam
padecer diante de vírus ameaçadores à saúde humana. Não à toa, durante a
pandemia da covid-19, o Brasil figurou em rankings dos países com maior número
de mortos. Dificuldades para o monitoramento do coronavírus e o rastreamento de
infectados, além da sobrecarga nas estruturas de atendimento aos doentes, foram
apontadas como fatores que levaram ao cenário letal. Mais de quatro anos depois
do surgimento do Sars-CoV-2, o país precisa estar atento ao comportamento de
outros vírus com potencial para causar novas crises sanitárias e,
principalmente, pôr em prática medidas de enfrentamento eficazes.
O mpox é um dos que merecem atenção. Nesta
semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) ressaltou que o atual surto da
doença é considerado uma emergência de saúde pública de importância
internacional, mas não "uma nova covid", porque as "autoridades
sabem claramente como controlar sua disseminação". Começa a se espalhar,
porém, uma cepa do vírus MPXV que, aparentemente, é mais transmissível e
perigosa, devido a danos no pulmão, intestino e fígado de infectados.
Cientistas da Austrália calculam que a chamada 1B seja até 10 vezes mais letal
que a clado 2, responsável pela emergência de saúde decretada pela agência da
ONU em 2022.
O Ministério da Saúde instalou um comitê de
emergência, na semana passada, para reforçar a vigilância epidemiológica em
nível nacional — são 709 casos confirmados ou prováveis da doença neste
ano e mais de 10 mil só em 2022 — e anunciou que negocia a compra de 25
mil doses de vacina. Ambas as medidas fazem parte da lista de recomendações da
OMS neste novo surto de mpox.
Espera-se postura semelhante no
enfrentamento a uma nova variante do HIV que, até o momento, pode ser apenas um
problema nacional. Na última sexta-feira, pesquisadores da Universidade
Federal da Bahia (Ufba) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgaram a
identificação do micro-organismo em amostras de sangue de pessoas soropositivas
do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia. Segundo os cientistas, trata-se
de uma mistura genética de dois tipos de HIV amplamente difundidos no Brasil
que pode ter surgido em um indivíduo e já está presente em, pelo menos, três
estados. Não há evidências de que o tratamento atual precisa ser adaptado, mas
o grupo enfatiza que é necessário manter os esforços para investigar a
variante.
Isso em meio a uma avalanche de doenças
respiratórias — os boletins epidemiológicos semanais da Fiocruz têm indicado
aumento de casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) por vírus
sincicial respiratório em crianças e adolescentes e por covid-19 em idosos — e
à proximidade de mais uma temporada de dengue. Vale lembrar que, neste primeiro
semestre, o país contabilizou mais de 6,1 milhões de casos prováveis da
doença e 4.250 mortes, batendo recordes sanitários.
Os impactos das mudanças climáticas, a circulação de subtipos de vírus da dengue em populações imunologicamente desprotegidas e o descompromisso de gestores e cidadãos com as medidas preventivas estão entre os fatores que levaram à situação inédita. Todos eles também são imprescindíveis quando se elabora políticas que contribuam de fato para o bem-estar da população. É indiscutível que não se deve alimentar o terrorismo sanitário que ganhou força com a pandemia. Mas foi a própria covid que nos ensinou, de forma dolorosa, que, em se tratando de saúde pública, custa muito caro remediar.
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