Intervenção no mercado de gás traz preocupação
O Globo
Há dúvida sobre a segurança jurídica dos
decretos e sobre a capacidade de execução da ANP
Sob o pretexto duvidoso de contribuir para a
“transição energética”, o governo anunciou nesta semana medidas destinadas a
reduzir o preço do gás. Prometeu que, até o ano que vem, estenderá o vale-gás
dos atuais 5,6 milhões de famílias para 20,8 milhões. Ao mesmo tempo, promoveu
uma intervenção explícita no mercado de gás natural, na tentativa de aumentar a
oferta. Apesar de bem recebida pela indústria consumidora, a última medida deve
ser vista com cautela.
Desperta preocupação a aliança entre um governo que acredita na intervenção estatal nos mercados e um setor da economia conhecido pelo poder de pressão política. Há três anos, a Medida Provisória que abriu caminho à privatização da Eletrobras encheu de benefícios as usinas a gás e encareceu a conta de luz de todos. No mandato de Dilma Rousseff, o governo também interveio no setor de energia com consequências desastrosas. O risco é, mais uma vez, a gestão petista repetir erros.
Um dos decretos amplia poderes da Agência
Nacional do Petróleo (ANP), de modo que ela possa reduzir o gás reinjetado nos
poços para facilitar a extração de petróleo. Internacionalmente, a reinjeção
varia de 20% a 35% da produção. No primeiro trimestre, 54% do gás produzido no
Brasil foi reinjetado. A redução para 30%, por determinação da ANP, aumentaria
a oferta e derrubaria o preço, segundo o governo.
À primeira vista, a mudança parece sensata.
Porém um exame mais minucioso levanta dúvidas. Se a ideia era aumentar a oferta
de gás, por que não fazer consulta pública, ouvir as partes interessadas,
depois anunciar nova regra para contratos futuros de exploração? Ao decidir
tudo numa canetada, o governo amplia a insegurança jurídica. Se os contratos
assinados estiverem sujeitos às mudanças, haverá corrida aos tribunais. Se não
estiverem, o efeito imediato no mercado de gás será nulo.
Não bastasse isso, as medidas ampliaram o
poder da ANP para arbitrar tarifas de escoamento e tratamento, antes negociadas
entre as empresas. Ao regular parâmetros como taxas de retorno e custos de
operação, a agência aplicará o conceito de “remuneração justa e adequada”. Essa
regulação forçada de preços tem tudo para dar errado. Além disso, há dúvida
sobre a capacidade de a ANP dar conta do trabalho com um quadro de
profissionais defasado.
O governo também permitiu que a estatal Pré-Sal Petróleo
(PPSA), criada para representar a União nos contratos do pré-sal, venda gás
natural depois de sair das unidades de processamento em solo, não apenas nas
plataformas. A PPSA pretende começar a ofertar o produto depois de assinar
contrato para usar instalações da Petrobras.
Não se sabe quanto gás terá à disposição. Se for muito, os interessados na
construção de gasodutos poderão se beneficiar.
É verdade que parece mais racional usar a
PPSA que a Petrobras. “Hoje o preço de mercado é definido só pela Petrobras”,
diz Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores de Energia
(Abrace). “É o embrião de um mercado com leilões de gás no longo prazo.” Com
isso, as medidas do governo poderiam reduzir em até 50% o preço do gás, hoje
400% acima das referências internacionais. Os consumidores de gás natural estão
certos ao protestar contra a conta de energia alta. Mas, como já demonstraram as
intervenções do governo Dilma, propostas apresentadas como solução muitas vezes
criam ainda mais problemas.
Câmara deve seguir Conselho de Ética e cassar
mandato de Brazão
O Globo
Parlamento não pode ter lugar para acusado de
encomendar assassinato de Marielle e de seu motorista
A aprovação no Conselho de Ética da Câmara,
por 15 votos a 1, do parecer que
recomenda a cassação do mandato do deputado federal Chiquinho Brazão,
acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle
Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes, dá esperança
de que não prevaleça o corporativismo quando o caso for a plenário.
Chiquinho foi preso em março com o irmão, o
conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Domingos
Brazão, e o delegado Rivaldo
Barbosa, ex-chefe de polícia do Rio. A Polícia Federal acusa os
irmãos de encomendar o assassinato e Barbosa de ter participado do planejamento
e atuado para atrapalhar as investigações. Já estavam presos os ex-PMs Élcio de
Queiroz e Ronnie Lessa, apontados como executores do crime. Em abril, a Câmara
manteve a prisão de Chiquinho em votação apertada.
Embora preso, Domingos permanece como
conselheiro do TCE-RJ. No dia 21, o Superior Tribunal de Justiça rejeitou por
unanimidade, em sessão da Corte Especial, um pedido de impeachment por crime de
responsabilidade apresentado pelo PSOL. Os magistrados entenderam que a
acusação de mandante do assassinato não se enquadra como crime de
responsabilidade. Pela lei, a perda do cargo por esse tipo de crime se
aplicaria apenas a irregularidades na função e, ainda assim, às do presidente
do Tribunal, não de conselheiros. Para ele deixar o posto agora, seria preciso
uma decisão administrativa do TCE ou que, na sentença do caso Marielle, o juiz
determinasse isso.
Quanto a Chiquinho, é provável que a votação
em plenário sobre a cassação fique para depois das eleições. A Câmara deveria
manter a decisão do Conselho de Ética. A relatora Jack Rocha (PT-ES) frisou em
seu parecer que a perda de mandato é necessária para impedir que ele atrapalhe
o trabalho da Justiça. Para ela, o acusado “tem um modo de vida inclinado para
a prática de condutas não condizentes com aquilo que se espera de um
representante do povo”.
É preciso que os parlamentares atentem para a
gravidade dos fatos. O caso Marielle expôs a temerosa promiscuidade de
políticos e policiais com o crime no Rio. Em depoimento no Supremo Tribunal
Federal, Ronnie Lessa, cujo acordo de delação premiada implicou os irmãos
Brazão, disse que as polícias fluminenses estão contaminadas e que é comum
pagar propina para engavetar inquéritos. “Casas de massagem, contravenção,
milícia, tráfico, tudo tem um preço na Polícia Civil”, afirmou. Trata-se de
criminoso confesso, mas isso não significa que suas denúncias não devam ser
investigadas.
Expulso do União Brasil logo depois da
prisão, Chiquinho não pode manter o mandato de deputado. Os parlamentares devem
ser os primeiros a rejeitar quem usa a política apenas como biombo para
negócios criminosos. O Brasil vive uma grave crise de segurança, e os
congressistas têm contribuição fundamental a dar à sociedade. Por isso mesmo,
devem ser criteriosos em suas decisões. A Câmara precisa de gente disposta a
combater a violência. Não de quem faz parte dela.
Real deve se valorizar aos poucos e ajudar
queda do IPCA
Valor Econômico
O início da queda dos juros nos Estados Unidos pode consolidar a valorização do real, mas mais importante que isso será o ritmo que o Fed imprimirá à redução
No dia seguinte ao pronunciamento do
presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, em Jackson Hole, quando deu
sinais claros de que os juros americanos começarão a cair em setembro, o dólar
teve sua menor cotação no ano em relação à cesta das principais moedas com que
os EUA comerciam. Depois de forte valorização no ano contra o real, a moeda
americana recuou de seu pico, de R$ 5,74 por dólar no câmbio comercial, em 5 de
agosto, para R$ 5,41 em 19 de agosto, e, em seguida, voltou a subir com força -
ontem chegou a R$ 5,62. A valorização do real é importante fator coadjuvante
para que o IPCA possa voltar à meta e a taxa Selic não suba no curto prazo.
Não há como o dólar voltar a ganhar força
quando os EUA derrubarem os juros. Mas sua depreciação em relação a outras
moedas depende essencialmente do ritmo de corte de juros, que, pelos dados
correntes, não deverá ser rápido. A economia americana cresceu 3% no segundo
trimestre, mais do que os 2,8% esperados, um número auspicioso porque confirma
que o pânico do mês passado foi insensato - os EUA estão longe da recessão -,
mas que, por outro lado, sugere menor urgência da distensão monetária.
A temporada eleitoral entrou em cheio na
balança dos fatores que determinam a potência do dólar, com os investidores
entrincheirando-se nas posições atuais dadas as incertezas dos resultados.
Ganhe Donald Trump ou Kamala Harris, o déficit americano, já alto, aumentará, o
que é um fator baixista do dólar. Por outro lado, a muralha protecionista que
Trump quer erigir contra o resto do mundo e, em primeiro lugar, contra a China,
pode reduzir o déficit comercial americano, um fator que pode frear a baixa do
dólar ou até provocar alguma alta.
O diferencial de crescimento entre a economia
americana e as demais desenvolvidas continua favorável aos EUA, e este é outro
fator de contenção de uma queda intensa do dólar. Já o diferencial de juros,
importante no caso do Brasil e dos outros emergentes, é favorável a valorização
das moedas desses países a médio prazo, ainda que no curtíssimo prazo as
oscilações possam ocorrer nas duas direções. Para depreciar o dólar, contribui
a ainda desmontagem de posições das aplicações em juros americanos, os maiores
em décadas, cujo destino serão países de maior risco, entre eles o Brasil. Os
fluxos de portfólio para países emergentes devem crescer, em especial para
ações consideradas subvalorizadas, como parece ser o caso do Brasil.
Os fatores domésticos, por si só, não
referendariam nova desvalorização forte do real, mas eventualmente alguma
depreciação momentânea. Há deterioração do saldo de câmbio contratado
comercial, relevante porque ele vinha servindo de contrapeso a saídas rápidas
de dólares pela conta financeira, normalmente mais nervosa e sensível a
movimentos na área política que possam ter repercussões econômicas. O saldo
cambial com exportações em agosto é o menor do ano até agora (último dado do
dia 23). Descontadas as importações, o saldo é também o menor do ano, de US$
494 milhões. Com um resultado negativo do câmbio financeiro, o resultado final
do câmbio contratado deslocou-se para um déficit de US$ 3,5 bilhões, que não é
elevado, mas que é também o maior do ano.
Na balança comercial, fluxo real de
mercadorias, o saldo vem também encolhendo. O resultado acumulado até agosto
(quarta semana) encolheu 11,3%, atingindo US$ 54 bilhões, ante US$ 62,4 bilhões
do mesmo período do ano passado. As vendas externas estão com ligeira queda
(-0,4%), enquanto o aquecimento do mercado interno fez com que as importações
crescessem em maior ritmo (5,5%). O balanço das posições em dólar dos bancos
indica que eles estão cada vez menos seguros em apostar que o real iria se
valorizar até julho. Eles mantêm US$ 2,3 bilhões em posições vendidas (que
acreditam na queda do dólar), a menor até agora no ano, mas a posição pode ter
se alterado em agosto.
Outros indicadores que influenciam as
cotações do câmbio são favoráveis ao Brasil. O risco de calote do país (credit
default swaps), que reflete indiretamente as mazelas fiscais, caiu 8,71% em
agosto, movimento que se acentuou em especial a partir de meados do mês. O real
se distanciou do pelotão das moedas que mais perderam valor diante do dólar. Em
agosto mostrou até agora valorização de 0,42%, deixando para trás o peso
mexicano (-6,11) e a lira turca (-2,63%), às quais fazia frequentemente
companhia. E, em um sinal potencialmente promissor, as demais moedas emergentes
avançam em relação à moeda americana, movimento do qual o real pode se
beneficiar mais à frente.
Por enquanto, o conjunto de indicadores indica baixa probabilidade de novos saltos relevantes do dólar em relação ao real. Da mesma forma, a tendência de apreciação da moeda brasileira, ao que tudo indica, não será rápida e está sujeita a avanços e recuos. O início da queda dos juros nos Estados Unidos pode consolidar a valorização do real, mas mais importante que isso será o ritmo que o Fed imprimirá à redução - que, visto de hoje, deverá ser comedida e cautelosa.
Galípolo será teste para a autonomia do BC
Folha de S. Paulo
Indicado terá de mostrar em atos que busca a
meta de inflação sem ceder a pressões de Lula, que perderá bode expiatório
Desde meados do ano, Gabriel
Galípolo procurava firmar de vez sua indicação ao comando
do Banco Central, afinal
confirmada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Tornaram-se mais frequentes seus
pronunciamentos e suas reuniões com representantes da finança e do mundo
empresarial. Tratava-se de enfrentar a crise de confiança na política econômica
do governo e dúvidas a respeito da conduta de um BC sob nova direção.
A partir de 2025, a cúpula do órgão terá sido
majoritariamente nomeada pelo atual presidente da República, que fez
insistentes ataques à
autonomia da autoridade monetária, à política de juros e
até às metas de inflação.
Galípolo mostrou
alinhamento nas decisões colegiadas sobre juros, após uma divisão em
maio; renovou o apoio ao programa fiscal do ministro Fernando
Haddad, da Fazenda; reiterou compromissos rigorosos com o
cumprimento das metas para o IPCA. Conseguiu, assim, afastar os temores mais
imediatos quanto a sua escolha.
Seu trabalho começa em ambiente de risco
elevado. Nos meses de transição, terá papel importante na condução da política
monetária em momento de incertezas.
As taxas de juros de mercado apontam para uma
alta da Selic,
e as expectativas de inflação estão além dos 3% desejados. Há dúvidas sobre o
ritmo de relaxamento do aperto financeiro nos EUA, e o real ainda não se
recuperou da desvalorização. Não se sabe se o mercado de
trabalho aquecido dificultará a política de juros.
Além de gerir expectativas agora, Galípolo
terá de mostrar propósitos responsáveis e coerentes ao assumir o BC após a
esperada aprovação pelo Senado. Convirá que possa influir na indicação de
outros três dirigentes até o final do ano —entre eles, seu substituto na
diretoria de Política Monetária.
Comunicações restritas e precisas, a
reafirmação do compromisso com as metas e uma equipe qualificada vão mais do
que reforçar a credibilidade de Galípolo. Devem permitir também um desafogo
mais precoce dos juros altos.
Tal esforço não depende apenas do BC. Um
reinício dos ataques do governo terá consequências graves, não importa a
atitude que a instituição venha a adotar —de independência ou de rendição a
desejos do presidente da República.
A tarefa é, pois, difícil, até por ser também
inédita —a primeira transição de comando sob autonomia legal. Quanto mais
rapidamente reforçar a credibilidade do Banco Central, maiores as chances de
Galípolo contribuir para a estabilização econômica do país.
Lula ajudará se entender que agora faz ainda
menos sentido usar o BC como bode expiatório para empecilhos impostos pela
realidade.
Mulheres nas Forças
Folha de S. Paulo
Regra para alistamento voluntário delas é
bem-vinda; homens deveriam poder optar
Com a consolidação das democracias liberais e
o avanço do movimento feminista, mulheres conseguiram superar obstáculos
econômicos e culturais, passando a atuar em setores que as discriminavam. No
Brasil, ao menos um deles ainda permanecia formalmente refratário à
participação ampla do sexo feminino: as Forças
Armadas.
Isso até quarta (28), quando o Ministério da
Defesa publicou decreto
que rege o serviço militar das mulheres —que será voluntário,
assim como deveria ser o masculino.
Trata-se de marco importante. A atuação do
sexo feminino foi oficializada por lei pela primeira vez na Marinha, em 1980,
seguida por Aeronáutica (1981) e Exército (1989).
No entanto a atividade estava restrita a
áreas administrativas, de saúde ou tecnológicas, a partir da formação em
escolas de oficiais, por exemplo. Só a Marinha permite que elas trabalhem em
combate.
O decreto permite que, assim como os homens,
elas se alistem e cumpram os 12 meses do serviço militar, passíveis de
prorrogação por até 96 meses —ingressam como soldado e podem chegar a 3º
sargento. Mas, diferentemente dos homens, as mulheres são livres para optar
pelo alistamento.
Tal aspecto voluntário deveria ser concedido
ao sexo masculino, ainda que gradualmente. A formação durante esses meses não
se constitui, ao final, numa profissão. Após cumprido o serviço, os jovens
passam a compor a reserva não remunerada das Forças.
Em países desenvolvidos como EUA, Reino Unido
e Alemanha, o serviço não é obrigatório e pode se transformar numa carreira.
É bem-vinda a expansão da participação das
mulheres, mas cumpre garantir sua segurança.
Como revelou a Folha, em um ano (de
junho de 2022 a junho de 2023), o Superior Tribunal Militar registrou 29 denúncias
de assédio e importunação sexual, o equivalente a 3 a cada 2 meses
—sem contar investigações em curso nas unidades militares ou casos mantidos em
segredo pelas vítimas.
As novas regras avançam na igualdade de gênero, com maior participação das mulheres. Esse é um processo que decerto dependerá de passos posteriores na caserna.
Galípolo, o equilibrista
O Estado de S. Paulo
Indicado de Lula para presidir o BC terá de
explicar ao petista que tolerar inflação elevada arruína não só a reputação da
autoridade monetária, mas a popularidade de qualquer governo
A indicação do economista Gabriel Galípolo
para a presidência do Banco Central (BC) inaugura uma nova fase nas relações
entre a autoridade monetária e o governo. O ex-secretário executivo do
Ministério da Fazenda, número dois do ministro Fernando Haddad, foi o primeiro
nome escolhido por Lula da Silva para uma diretoria do BC, o que, de certa
forma, já prenunciava seu futuro desde maio do ano passado.
Era natural que a indicação fosse antecipada,
em face da proximidade do encerramento do mandato de Roberto Campos Neto no fim
deste ano. Depois da guerra particular empreendida pelo petista contra uma
figura indicada por Jair Bolsonaro, tudo o que Lula da Silva queria era se
livrar de Campos Neto o mais rapidamente possível.
Campos Neto e Galípolo, por sua vez, parecem
ter combinado que fariam uma transição tranquila. Aos poucos, o presidente
cedeu protagonismo ao diretor de Política Monetária, e o mercado compreendeu o
recado – tanto que, no início do mês, Galípolo foi o primeiro diretor do BC a
falar que via mais fatores a pressionar a inflação para cima do que para baixo.
As declarações foram suficientes para que
parte dos investidores passasse a esperar um aumento da taxa básica de juros no
fim deste ano. O próprio diretor preferiu se corrigir e dizer que isso não
significava um rumo já definido para a próxima reunião do colegiado. Explicou
ainda que essa percepção não era apenas sua, mas que estava na ata do Comitê de
Política Monetária (Copom).
Não adiantou muito. Boa parte do mercado
continua apostando num aumento dos juros já na próxima reunião, nos dias 17 e
18 de setembro – não por uma questão de credibilidade, mas porque as
expectativas para a inflação estão acima da meta de 3% para este ano, 2025 e
2026.
A frase mais forte dita por Galípolo, na
semana passada, ainda ressoa entre os investidores: “Na minha interpretação,
posição difícil para o BC não é ter de subir juros. Posição difícil é inflação
fora da meta, que é uma situação desconfortável. Subir juros é uma situação
cotidiana para quem está no BC”.
Ainda segundo Galípolo, todos os diretores
estavam dispostos a fazer o necessário para trazer a inflação de volta à meta.
Em outros tempos, uma frase como essa seria tomada como óbvia, mas significa
muito quando se considera que o Comitê de Política Monetária terá sete de seus
nove membros indicados pelo presidente Lula da Silva no ano que vem.
O cenário econômico continua desafiador para
o Banco Central. De um lado, o dólar recuou das máximas registradas há algumas
semanas, mas não voltou aos níveis do início deste ano. De outro, o Federal
Reserve, o banco central norte-americano, deixou claro que iniciará um ciclo de
queda dos juros já na próxima reunião.
Internamente, dados mais recentes mostram uma
inflação mais benigna, sobretudo em serviços. Mas o mercado de trabalho segue
aquecido, o desemprego continua em níveis historicamente baixos e as projeções
para o crescimento da economia têm sido ajustadas para cima.
Lula da Silva, por sua vez, reluta em adotar
reformas estruturais e defende políticas controversas adotadas no passado. Já o
ministro Fernando Haddad tenta aumentar receitas e aposta em pentes-finos em
benefícios sociais para controlar o crescimento dos gastos.
Como disse o ex-diretor do BC Tony Volpon, a
proximidade pessoal e política entre Galípolo e o governo é seu maior trunfo e,
também, sua maior fragilidade. A julgar por suas declarações recentes, não há
motivo para preocupações, mas o histórico das administrações petistas tampouco
autoriza ingenuidade.
A próxima reunião do Copom será o primeiro
teste do futuro presidente do BC. Mas o mandato é longo, e o horizonte
relevante, que deve pautar as decisões da autoridade monetária, é o ano de
2026, o mesmo que guia as ações de Lula da Silva.
Caberá a Galípolo mostrar ao presidente que a
tolerância com uma inflação mais elevada arruína não apenas a reputação da
diretoria do BC, em especial a de seu presidente, mas também a popularidade do
governo, ativo crucial para quem pretende disputar a reeleição ou eleger um
sucessor.
Teste de estresse para a Justiça Eleitoral
O Estado de S. Paulo
Oportunistas como Marçal testam os limites da
Justiça Eleitoral. Por isso mesmo, são necessárias doses extras de cautela, mas
também de firmeza para garantir o estrito cumprimento da lei
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo
manteve a liminar que suspendeu os perfis das redes sociais do candidato à
Prefeitura da capital Pablo Marçal (PRTB). A ação do PSB, da também candidata
Tabata Amaral, alega abuso de poder econômico: os perfis estariam sendo
utilizados, ainda durante a pré-campanha, para remunerar usuários para produzir
“cortes” e divulgá-los nas redes.
A comoção foi imediata. Marçal e seus
apoiadores acusaram censura e perseguição. Mesmo entre seus opositores houve
controvérsia. Alguns celebraram a ação da Justiça como uma forma de barrar a
ascensão de um oportunista, delinquente e antidemocrata. Outros até concordam
que Marçal deve ser barrado, e pelos mesmos motivos, mas pelos eleitores, e não
por juízes, e criticam a decisão como contraproducente por reforçar o discurso
antissistema de Marçal e justificar sua retórica vitimista. De fato, Marçal, um
mestre da comunicação digital, ativou novos perfis e em poucas horas recuperou
uma parte do seu volume de seguidores. “Agradeço pela perseguição, foi ótimo”,
ironizou, “consegui criar outra conta com mais engajamento ainda.”
O caso é relevante, não só porque Marçal é um
candidato competitivo na maior metrópole do País, mas porque põe em questão os
princípios de atuação da Justiça Eleitoral. Além de acusações civis e penais,
Marçal responde a outras ações na Justiça Eleitoral, uma delas movida por
membros de seu próprio partido, que pedem a impugnação da candidatura por
supostas irregularidades na sua filiação e nomeação.
Por tudo isso, é preciso máxima cautela para
corrigir as distorções no debate e avaliar as decisões da Justiça segundo o
único critério que importa: o estrito cumprimento da lei.
Ações como as movidas contra Marçal tocam
direitos fundamentais numa democracia: a liberdade de expressão, o direito do
eleitorado de escolher seus governantes e o dos cidadãos a se candidatar. Mas
esses direitos, como quaisquer outros, não são absolutos, e justamente para
preservá-los a Justiça precisa garantir que sejam exercidos conforme as regras
do jogo. Os direitos dos eleitores e dos candidatos são violados quando a
competição não é disputada em condições de igualdade. Regras contra o abuso de
poder econômico se prestam justamente a garantir uma competição justa.
Pelo mesmo motivo, o juiz não deve olhar a
capa do processo e não pode julgar com olhos para as consequências políticas de
suas decisões. O eleitor tem direito de errar, e considerações sobre a
competência ou o caráter moral de um candidato, ou mesmo qualificações
genéricas, como “antidemocrata”, devem ser indiferentes para os seus
veredictos. A única coisa que importa é se os atos atribuídos ao candidato em
questão se enquadram na tipificação legal.
E esse enquadramento precisa ser rigoroso. Em
se tratando de direitos fundamentais, a interpretação de regras de suspensão de
perfis e, no limite, de cassação de candidaturas e inelegibilidade deve ser
restritiva, privilegiando maximamente o direito dos cidadãos de disputarem
eleições e elegerem seus candidatos.
No caso, é preciso ter claro que a decisão
foi liminar e não impediu Marçal de criar outros perfis, como de fato criou. A
sua legitimidade não está em questão, mas, para avaliar definitivamente se a
decisão foi justa e proporcional, será preciso aguardar a produção de provas, o
contraditório, os recursos aos quais o candidato tem direito. Não consta que
esse direito tenha sido tolhido e importa acompanhar se os ritos serão
observados e as decisões obedecerão aos princípios da isonomia e da
imparcialidade, conforme a lei e a jurisprudência.
As eleições, como culminação do processo
democrático, são, como devem ser, um momento de exacerbação das paixões. Por
isso mesmo, da Justiça que é guardiã deste processo se esperam doses extras de
prudência, mas também de firmeza, sem partidarismo e sem omissão. Uma Justiça
que não use seus poderes para interferir na disputa, mas que também não permita
que outros poderes (como o econômico) interfiram nela. A regra é clara, para os
juízes e para aqueles julgados por eles: o estrito cumprimento da lei.
Gambiarra orçamentária
O Estado de S. Paulo
Redução de gastos se concentra não em medidas
estruturantes, mas em paliativos
Mais da metade (53%) dos cortes anunciados
pela equipe econômica para o Orçamento de 2025 virá do pente-fino promovido no
Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da revisão cadastral do Instituto
Nacional do Seguro Social, como informou reportagem do Estadão. Juntando a
economia prevista com a realocação dos gastos com o Bolsa Família e a
reavaliação dos benefícios previdenciários por incapacidade, chega-se a 74% do
volume de R$ 25,9 bilhões do corte orçamentário anunciado pelo ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, em 3 de julho.
O fato de a redução dos gastos estar
fortemente concentrada em operações pontuais mostra que a equipe econômica
continua presa à estratégia de vender o almoço para pagar o jantar. A demora de
quase dois meses para tornar público o detalhamento dos cortes apenas comprova
a insistência do governo em ancorar a busca pelo equilíbrio fiscal no aumento
da arrecadação, e não na efetiva redução das despesas públicas. A adoção de
medidas de controle de efeito transitório, feita de forma isolada, apenas
posterga a comprovação da ineficácia dessa tática.
Medidas mais estruturantes, que permitam a
redução das despesas públicas por um período duradouro, foram cobradas dos
representantes dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento durante a descrição
pormenorizada dos cortes. As respostas vieram evasivas, com juras de
compromisso com o arcabouço fiscal, informações vagas de que medidas estão
permanentemente em estudos, mas nenhum sinal efetivo de mudança para reduzir a
profusão de gastos obrigatórios que acabam comprimindo os discricionários –
aqueles não obrigatórios, como investimentos.
É obrigação do Estado examinar com rigor
permanente a destinação de recursos previdenciários, os beneficiários de
programas sociais e os benefícios concedidos a públicos específicos, como os
idosos de baixa renda e pessoas com deficiência – caso do BPC. Esse tipo de
combate a fraudes ou mesmo simples aprimoramento na distribuição dos benefícios
com base em critérios preestabelecidos deve ser um procedimento contínuo, como
já foi defendido neste espaço.
Para mostrar de fato seu compromisso com a
responsabilidade fiscal, o governo precisa apresentar soluções definitivas, não
apenas paliativos. Algo que parece distante da gestão lulopetista. Não fosse
assim, a simples menção da ideia de alterar vinculações do BPC, abono salarial
e seguro-desemprego, feita pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, em
junho, não teria causado o rebu que se viu nas hostes lulopetistas. A indexação
desses benefícios à política de reajuste do salário mínimo custará, segundo a ministra,
R$ 1,3 trilhão à União em dez anos.
Espera-se do governo uma política corajosa de revisão de gastos orçamentários que não se traduza em meros remendos. Ao anunciar, há dois meses, o valor do corte para 2025, o ministro Haddad disse que a cifra foi levantada linha a linha do Orçamento, “daquilo que não se coaduna com os programas sociais criados para o ano que vem”. É hora de verificar, linha a linha, como enxugar definitivamente gastos obrigatórios.
Poucos médicos em um país imenso
Correio Braziliense
Atualmente, há pouco mais de 515 mil médicos
para atender uma população de mais de 203 milhões de brasileiros. Média é de
2,54 médicos por mil habitantes, abaixo do índice de 3,73, recomendado pela
OCDE
Levantamento da Associação dos Mantenedores
Independentes Educadores do Ensino Superior (Amies) mostra que é enorme a
desigualdade na distribuição de médicos atuantes pelo país. Atualmente, há
pouco mais de 515 mil profissionais para atender a uma população de mais de 203
milhões de brasileiros, o que dá uma média de 2,54 médicos por mil habitantes.
A recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), porém, é de 3,73.
As regiões Norte e Nordeste são, sem dúvidas,
as mais prejudicadas, com maior carência desses profissionais. Em ambas, há
menos de dois médicos a cada mil habitantes. Imagine duas filas com 500 pessoas
cada — no caso, pacientes —, e apenas dois médicos (menos de dois, na verdade)
para atender a todos eles. Em uma visão macro, são 71 milhões de brasileiros
vivendo nas duas regiões e apenas 130 mil médicos, o que demonstra a
precariedade da relação médico/paciente nesses locais.
No Nordeste, estados como o Maranhão, e no
Norte, o Pará, apresentam os menores índices de médicos por mil habitantes:
1,13 e 1,22, respectivamente. Outras unidades da Federação também enfrentam
realidade preocupante, como Ceará (1,95), Bahia (1,90), Acre (1,46) e Piauí
(1,40).
No Centro-Oeste, o índice é de 2,75. O
Distrito Federal, por ser a menor unidade federativa do país e não estar
associada a nenhuma das regiões no levantamento, atuando como estado e
município, dispõe de uma situação peculiar: 4,58 médicos por mil habitantes,
ultrapassando a recomendação da OCDE.
O Sul e o Sudeste apresentam as melhores
proporções entre médicos e pacientes, mas, ainda assim, com números muito
distantes do ideal. No Sudeste, são 2,97 médicos por mil habitantes, e no Sul,
2,98 — sendo esta a melhor média do país considerando as regiões. Os estados do
Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, embora sejam
alguns dos mais populosos da Federação, apresentam, respectivamente, 3,21;
3,10; 2,88 e 2,87, uma proporção também distante da ideal e motivo de
preocupação por parte das autoridades de saúde e do governo federal.
O estudo aponta, ainda, medidas para atenuar
esse cenário, como a abertura de vagas em faculdades que estão com processo em
tramitação no Ministério da Educação (MEC), a criação de cursos de medicina e o
aumento de vagas em cursos existentes. No Nordeste, por exemplo, são 50 pedidos
de criação de cursos e 32 de ampliação das vagas. No Norte, 24 e cinco,
respectivamente. Para além da oferta de mais oportunidades, há de se preocupar
com a qualidade do ensino oferecido, considerando se tratar de uma formação complexa,
além de cara.
Fato é que somente o investimento nas instituições de ensino superior não vai resolver a distância entre a realidade e o que é ideal em termos de atendimento à população. A oferta de melhores condições de trabalho para que esses profissionais possam atuar com dignidade é quase uma questão mandatória, o que passa por estratégias para despertar o interesse por atuação nas regiões mais remotas do país. Caso contrário, continuaremos sendo um país gigantesco com poucos médicos.
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