O Estado de S. Paulo
O uso caótico do dinheiro público é apenas
mais um sintoma de um processo autodestrutivo que precisa ser estancado
Discutir o Orçamento nacional, para muita
gente, é algo tão excitante como uma reunião de condomínio. No entanto, o País
está em chamas, e nos últimos meses perdemos mais de R$ 10 bilhões com o avanço
das mudanças climáticas, a ausência de políticas preventivas e algumas
atividades criminosas. Foram as cheias do Sul e seca e queimadas na Amazônia,
no Pantanal e em São Paulo, para mencionar apenas alguns casos.
O dinheiro que o governo arrecada precisa resolver uma série de importantes problemas que vão desde o combate à fome até a gestão do sistema de saúde, passando, entre outros, pelos gastos astronômicos da máquina administrativa. O que se vê no noticiário é uma grande disputa por verbas entre governo e Congresso, mas quase nenhuma discussão sobre a qualidade dos gastos no Brasil.
Nos últimos anos, deputados e senadores se
apossam de uma fatia cada vez maior bolo. Só em emendas individuais, investem
de forma independente R$ 27 bilhões. Há, ainda, emendas de bancadas e emendas
de comissões, que, juntas, somam mais de R$ 20 bilhões.
A tendência é supor que todo esse dinheiro é
bem empregado. Mas não há fiscalização adequada. É possível que exista
redundância: lugares com dinheiro de sobra, lugares com dinheiro de menos, tudo
ao sabor da correlação de forças no próprio Congresso que não expressa as
necessidades reais do País.
Quando houve as cheias no Rio Grande do Sul,
constatouse que apenas uma deputada numa bancada de 31 havia destinado emendas
para prevenção de enchentes.
Num país com uma estrutura partidária tão
fragmentada, presidentes eleitos dificilmente chegam ao poder com maioria
parlamentar. Isso já se tornou uma segunda natureza, os próprios deputados
lutarão desesperadamente pelas suas emendas. No entanto, é preciso ressaltar
que em países presidencialistas, como Estados Unidos e México, ou mesmo
semipresi-dencialistas como a França, os deputados têm um grande poder na
definição do orçamento, na aprovação dos programas de investimento do governo.
Mas não dispõem de uma parte do dinheiro para investir de forma independente.
Talvez um momento de colocar esta discussão
com mais capacidade de atrair a opinião pública seja no próprio processo
eleitoral de 2026.
Não adiantará o candidato a presidente
prometer que faz e acontece porque suas possibilidades são limitadas. Pelo
menos 20% dos investimentos públicos serão feitos pelos parlamentares,
fragmentária e desorganizadamente.
Por enquanto, o caminho é conseguir pelo
menos que as emendas sejam transparentes e rastreáveis. É um pouco
constrangedor que um princípio constitucional tenha mobilizado o Supremo
Tribunal Federal (STF) e o próprio governo para afirmar o óbvio, escrito numa
Constituição que todos juraram defender em sua posse, inclusive os próprios
deputados.
Mesmo antes de 2026 será possível questionar,
além da falta de transparência, as chamadas emendas de comissão e de bancada.
Os deputados já têm suas emendas individuais. As bancadas e comissões são
compostas de deputados que já foram contemplados.
O acordo conseguiu introduzir nas emendas de
bancada a necessidade de serem aplicadas em obras estruturantes. É uma
expressão vaga que facilmente poderá ser burlada. De repente, tudo vai se
tornar estruturante, mas, no fundo, o processo de dividir entre deputados, uma
modalidade de rachadinha, continuará vigorando na execução dessas emendas.
Não há por onde fugir. O poder presidencial
de realizar seus programas mais amplos foi reduzido nos últimos anos.
O momento mais significativo dessa mudança
foi a opção pelo orçamento secreto, adotado no governo Bolsonaro e parcialmente
derrubado pela decisão da ministra Rosa Weber. Parcialmente, porque sobreviveu
na prática através de subterfúgios que terminaram nas chamadas emendas Pix, tão
opacas como as verbas do orçamento secreto.
Nesta legislatura será difícil conseguir algo
mais que a transparência. Na melhor das hipóteses, poderá ser cumprida a
promessa do ministro Luís Roberto Barroso de que também o problema da eficácia
das emendas será discutido seriamente.
A esperança é de que a campanha de 2026
encontre o tom e consiga transformar esse debate em atraente para a opinião
pública.
Desse encontro das propostas com os eleitores
podem surgir compromissos e possibilidades de mudanças previamente divulgadas.
Dessa maneira, um governo presidencial poderia enfrentar com algum êxito a
ideia de ter um programa e os meios para executá-la.
Num país que destruiu 30% de sua vegetação,
que arde queimado por incêndios intencionais e acidentais, o uso caótico do
dinheiro público é apenas mais um sintoma de um processo autodestrutivo que
precisa ser estancado.
O desafio é transformar esses temas em algo
que realmente interesse e mobilize as pessoas.
Da maneira como estamos, costurando essas
deformações em almoços do círculo do poder, estaremos sempre expostos às
chantagens. Era preciso algo mais sólido, uma lei, algo pactuado em público,
pois assim se deve usar o dinheiro público.
2 comentários:
Pois, é...
Difícil.
Verdade.
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