O Globo
Seus seguidores criaram perfis próprios, em
nome do candidato, para distribuir seu conteúdo
Pablo Marçal nos deu uma aula, neste fim de
semana, pela qual deveríamos ser gratos. A Justiça Eleitoral de São Paulo
concedeu uma liminar pedindo a suspensão temporária de seus perfis no Instagram,
no X, no TikTok,
no YouTube,
no Discord, além de seu site oficial. O candidato à Prefeitura paulistana
entrou, imediatamente, em modo de ação. Criou novos perfis em todas as redes,
que já acumulavam milhões de seguidores no domingo. Esses novos perfis estão
livres para uso. Não bastasse isso, seus seguidores criaram perfis próprios, em
nome do candidato, para distribuir seu conteúdo.
Mas esse movimento de Marçal estava autorizado pelas decisões do tribunal. Ele foi denunciado por pagar para que acompanhem suas lives, as entrevistas que faz, os debates de que participa e para que produzam cortes, vídeos curtos, às vezes com truques de edição, outras não, que tenham a capacidade de viralizar. Esses vídeos não precisam ser publicados nos perfis de Marçal. Em geral, nem são. Mas é um concurso: alguns são selecionados para o perfil oficial, e os escolhidos são premiados com um pagamento. Os outros, não. Na avaliação do TRE houve, nessa ação, abuso de poder econômico, e isso a lei não permite.
A Justiça decidiu, portanto, que os perfis
oficiais não podem ser usados durante a campanha por terem acumulado seguidores
ao se beneficiar disso. A decisão parece partir do princípio de que o ganho do
candidato foi em seguidores e de que, ao impedi-lo de usar aqueles perfis, o
problema foi neutralizado. Mas ele não foi banido, tampouco proibido de se
manifestar pelas redes. Foi autorizado a criar novos perfis — e os criou.
Todos os que assistiram aos muitos vídeos que
Marçal divulgou ao longo do fim de semana tiveram, porém, outra impressão.
Acreditam que ele foi censurado. Perseguido pelo sistema. Não bastasse isso, a
premissa em que o tribunal se baseou é falha. O que faz um vídeo viralizar não
está necessariamente relacionado a ter origem num perfil com muitos seguidores.
Em algumas redes, como o TikTok, a relação é até bastante baixa. O ponto é o
seguinte: o TRE-SP identificou o que considerou abuso na prática de motivar seguidores
a participar de um concurso de cortes com promessa de pagamento. A sanção
imposta compensa o desvio?
Há muito estudo sobre o que os americanos
chamam de deplatforming: tirar a plataforma digital de atores políticos,
tirar os perfis de certas redes. Os perfis do ex-presidente Donald Trump no Facebook,
no Instagram e no então Twitter foram suspensos em janeiro de 2020, logo após a
invasão do Capitólio. Ele ainda estava na Casa Branca, e a decisão partiu das
próprias empresas. Trump ficou mais de três anos sem os perfis da Meta, o do X
foi devolvido pouco depois de Elon Musk comprar
a companhia. Não importa. Ele nem voltou ao X, embora possa voltar quando
quiser. Não importa porque todas as redes continuam com uma imensa quantidade
de conteúdo trumpista, e ele segue com altíssimas chances de chegar à Casa
Branca novamente. Não fez diferença. Será uma eleição difícil para ambos os
candidatos, mas não ter perfis oficiais parece ter tido efeito irrelevante na
capacidade de Trump se comunicar pelas mídias sociais.
Os estudos apontam para resultados que não
são óbvios. Sim, tirar das redes os responsáveis por desinformação diminui o
problema. Mas tirar políticos com o perfil de Marçal, Jair
Bolsonaro ou Trump das grandes redes tem efeitos mais ambíguos.
O resultado, em geral, é animar mais seus seguidores. Provocar migração para
outros perfis ou atiçar o crescimento de comunidades em ambientes digitais mais
difíceis de controlar, onde a desinformação é pior. Há indícios de que aumenta
a radicalização do movimento, aglutina mais o grupo. Consolida mais opiniões.
Essa é a história que a extrema direita conta
no mundo. Já tratamos disso aqui. É uma história de perseguição: “Nós
representamos o povo e combatemos uma máquina que impede o país de dar certo”.
Uma máquina que opera nas entranhas do Estado, representando interesses
obscuros, e bloqueia a ascensão do povo. Bolsonaro conta essa história, Nikolas
Ferreira, Trump. Todos. Quando a Justiça tira os perfis do ar,
confirma para os eleitores e para os que simpatizam com os candidatos do
autoritarismo que essa máquina existe e de fato os persegue.
Pode parecer contraintuitivo, mas a decisão
do TRE-SP poderá servir de propaganda para Marçal.
Um comentário:
O que é uma pena!
Postar um comentário