Valor Econômico
‘Smart cities’ são nova ilusão vendida por aspirantes a prefeito
Para quem, por gosto ou dever de ofício,
acompanha eleições municipais, é interessante observar como vão mudando os
modismos nas promessas dos candidatos a prefeito.
Por muito tempo imperou o “rodoviarismo”, com
anúncios de obras de ampliação de avenidas, construção de viadutos e abertura
de túneis para fazer fluir o trânsito que prendia boa parte da população em
engarrafamentos.
Mais recentemente, na farra dos grandes eventos da Copa do Mundo e das Olimpíadas, a onda eram os grandes sistemas de transporte público, como o BRT e o VLT. Muitos bilhões de dólares depois, alguns equipamentos foram entregues com atraso, enquanto outros permanecem como monumentos ao descaso com o dinheiro público, como atestam as milhares de pilastras do monotrilho da linha 17 do metrô de São Paulo ou o abandono dos trilhos do VLT de Cuiabá, recentemente removidos para começarem a construção de um BRT.
Assistindo entrevistas, debates e propagandas
eleitorais, é possível identificar que as soluções providas pela tecnologia,
embrulhadas pelo sedutor discurso das “smart cities” (cidades inteligentes),
são a nova moda seguida pelos candidatos a comandar as principais cidades, de
norte a sul do país.
Aspirantes a governar ou a continuar
administrando as capitais brasileiras apostam em aplicativos, “big data” e
inteligência artificial para melhorar o atendimento médico, combater a
criminalidade e até melhorar o trânsito em seus respectivos municípios.
Enquanto os políticos sinalizam com soluções
futuristas para a gestão local, a população continua atormentada pelos velhos
problemas do passado. A primeira rodada de pesquisas promovidas pela Quaest
entre agosto e o início de setembro em todas as capitais brasileiras revelou
que a dupla saúde e segurança permanece no topo das preocupações dos eleitores,
salvo raras exceções.
O medo de ser vítima da criminalidade é a
principal tormenta a afligir os moradores de grandes cidades do Sudeste (onde a
violência aparece como o maior problema para 60% dos cariocas, 47% dos
moradores de Vitória e 32% dos paulistanos) e do Norte-Nordeste (em que a
segurança é a maior preocupação para 30% dos manauaras e chega a 51% dos
soteropolitanos, tendo atingido altas menções também em Fortaleza e Recife).
Para o cidadão, não interessa saber que a
competência por zelar pela segurança pública cabe ao governo do Estado, tal
qual prescreve a Constituição. Ele está preocupado é com o pavor de ter seu
celular roubado sempre que vê duas pessoas numa moto se aproximando do ponto de
ônibus, a incerteza de saber se os filhos ficarão bem quando sai de casa para o
trabalho ou, no caso das mulheres, o risco de ser estuprada se caminhar por
locais ermos.
Quando cobrados a apresentarem soluções para
esses problemas, candidatos de todo o país, da direita ou à esquerda, têm quase
o mesmo receituário: ampliar o efetivo da guarda municipal, espalhar câmeras de
monitoramento por toda a cidade, de preferência com reconhecimento facial, e
criar centros integrados para processar os dados e traçar estratégias de ação.
Para a saúde, que figura como a preocupação
número 1 em dez capitais brasileiras, principalmente naquelas de médio porte no
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, é onde as soluções tecnológicas são apontadas
como as mais promissoras pelos políticos: aplicativos para marcação de
procedimentos, teleimagem e consultas online para acabar com as longas filas
por atendimento no SUS. A se pautar pelos discursos dos candidatos, nota-se que
mesmo aqueles de esquerda estão abandonando a aversão ao setor privado e apostam
em parcerias com hospitais e clínicas privadas para reduzir o tempo de espera
por cirurgias e tratamentos.
Belo Horizonte foi a única capital em que o
transporte público e a qualidade do trânsito figuraram como a maior
insatisfação do eleitor. Nessa área, também se nota uma movimentação de
candidatos a prefeito recorrendo a empresas de “big tech” que prometem utilizar
inteligência artificial para sincronizar o tempo de semáforos e, assim, fazer o
tráfego fluir melhor.
Embora não apareça entre as maiores
prioridades dos eleitores em nenhuma capital brasileira, ainda assim os
políticos vêm sendo questionados nos debates e nas entrevistas a apresentar
propostas sobre educação. Felizmente as notas do Ideb viraram instrumento de
cobrança da população, e a ampliação da oferta de vagas em creches e na
educação integral viraram objeto corrente dos planos de governo. A ver se serão
tirados do papel.
Por fim, a questão ambiental só assumiu
relevância em duas capitais. Em Belém, sede da COP-30, que acontecerá no ano
que vem, a limpeza urbana (que inclui também o saneamento) é a maior queixa da
população.
Já em Porto Alegre, parcialmente destruída
por um evento climático extremo, as enchentes estão no topo das preocupações de
33% dos moradores. Lá, a construção de diques, muros de contenção, sistemas de
bombeamento e redes de drenagem viraram tema de propaganda política.
Para os graves problemas urbanos brasileiros,
eleitores inteligentes são pré-condição para que as “smart cities” não virem a
nova forma de se jogar dinheiro público fora.
2 comentários:
Verdade.
Muito bom!
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