Frustração com receitas do Carf ameaça meta fiscal
O Globo
De janeiro a agosto, arrecadação com litígios
atingiu apenas 0,22% do projetado no Orçamento, diz TCU
O governo deveria prestar a devida atenção ao alerta emitido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o risco de a meta fiscal deste ano não ser cumprida. Uma análise do corpo técnico sobre os resultados fiscais e a execução orçamentária e financeira da União no terceiro bimestre constatou incertezas na arrecadação, em especial nas receitas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), organismo responsável por julgar, na esfera administrativa, as disputas entre contribuintes e Receita Federal. Até o ano passado, as votações que acabavam empatadas eram decididas em favor dos contribuintes. Depois da mudança aprovada no Congresso em agosto, a balança ficou favorável ao Fisco. Na época, a equipe econômica não escondeu o otimismo sobre a possibilidade de alavancar a arrecadação.
A mensagem do TCU agora é que as estimativas
precisam ser refeitas. Ainda no ano passado, a projeção de receita proveniente
do Carf em 2024 era de R$ 54,7 bilhões. A cada avaliação bimestral, a previsão
foi revisada para baixo. No primeiro bimestre, estava em R$ 49,6 bilhões. Na
atualização do terceiro, R$ 37,7 bilhões. Hoje está claro que essa quantia não
é realista. De janeiro ao início de agosto, a arrecadação atingiu meros R$ 83,3
milhões, ou 0,22% da última projeção. É evidente que o governo não arrecadará
os restantes 99,78% em apenas cinco meses. O TCU acionou o alarme para dizer o
óbvio: se entrar menos dinheiro no caixa e as despesas forem mantidas como
planejado, o rombo nas contas públicas será maior que o previsto.
À Presidência e à equipe econômica, a
situação impõe dois desafios. O primeiro é entender como a estimativa inicial
errou o alvo de forma tão escandalosa. Parece evidente que as projeções não
levaram em conta os prazos entre decisões favoráveis à Receita e a
regularização do pagamento de tributos. O valor que cabe ao governo depende da
judicialização. Contribuintes que perdem no Carf e discordam têm a opção de
levar o caso à Justiça. Mesmo quem acata a decisão e se compromete a pagar pode
usar créditos com o Fisco para saldar a quantia devida, sem efeito nas contas
do governo. Daqui para a frente, seria aconselhável refazer os cálculos
considerando essas variáveis com lentes mais realistas.
O segundo e mais relevante dos desafios é
encarar a urgência de rever os gastos públicos. Oficialmente, a meta fiscal é
fechar 2024 com déficit zero, com margem de tolerância de 0,25% do PIB,
equivalente a cerca de R$ 30 bilhões. Na prática, o governo não tem mirado no
centro da meta, mas no limite permitido (fato já criticado anteriormente pelo
TCU). Qualquer erro de estimativa pode, portanto, ser fatal. O agravante é que
o Planalto tem todas as informações a seu dispor. As projeções do Carf não são
ajustadas à realidade porque o governo quer evitar o contingenciamento maior de
recursos. O alerta do TCU é uma tentativa de jogar luz sobre esse jogo de faz
de conta. O governo jura ter responsabilidade fiscal, mas reluta em cortar
despesas para cumprir a meta que ele próprio criou e prometeu entregar ao final
do ano.
Combate ao fogo exige articulação melhor
entre Executivo e Legislativo
O Globo
Não adianta liberar verbas que não chegarão
aonde são necessárias nem aprovar leis que não serão cumpridas
Diante da perplexidade com a proliferação de
incêndios em florestas e outros biomas, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva se reuniu com ministros e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
e Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG).
O ministro da Casa Civil, Rui Costa,
recebeu no Palácio do Planalto uma comitiva de governadores para discutir o
combate ao fogo. Lula publicou uma Medida Provisória liberando R$ 514 milhões
contra os incêndios, com base na decisão do Supremo Tribunal Federal
autorizando o governo a excluir os gastos das regras fiscais.
Mas o combate às queimadas depende, antes de
tudo, da punição a quem as provoca. Apesar de o Brasil ter registrado mais de
190 mil focos de incêndio neste ano e de parte substancial ser resultado de
ações criminosas, em 2024 foram abertos apenas 56 novos processos por incêndio
florestal em todo o país. “A sensação hoje é que o crime ambiental compensa”,
disse ao GLOBO Mauricio Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA).
Para o incêndio florestal criminoso, a legislação estabelece de dois a seis anos
de prisão, ou de seis meses a um ano quando não há comprovação de intenção. É
comum juízes trocarem o regime fechado por prestação de serviços comunitários
ou fornecimento de cestas básicas.
Vídeos que mostram a ação dos incendiários
reforçam a necessidade de penas mais duras para puni-los. É o que defende a
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
com apoio de Rui Costa. Pacheco diz temer o “populismo legislativo” e considera
que, no momento, os incêndios não exigem ação do Congresso. Lira afirma se
preocupar com a contaminação ideológica do debate. Mas o Legislativo não pode
se esquivar. Nos últimos tempos, os parlamentares têm sido céleres para aprovar
qualquer flexibilização das leis ambientais em benefício da bancada ruralista.
Ao mesmo tempo, as comissões de Meio Ambiente da Câmara e do Senado têm
ignorado os incêndios. Como revelou O GLOBO, desde julho, quando já havia
graves focos de fogo, a da Câmara deu andamento a um projeto que homenageia o
sapo cururu e debateu a guarda compartilhada de pets, enquanto a do Senado
aprovou apenas um texto sobre preservação ambiental. O próprio Pacheco admite
que a Casa deve pelo menos debater o assunto.
Depois de tragédias, é comum o governo
liberar recursos ou discutir novas leis. A questão é saber se elas serão
cumpridas, se o dinheiro chegará ao destino e cumprirá os objetivos. As
queimadas espalharam fumaça sobre 60% do território nacional, e houve incêndios
até nas regiões metropolitanas de Rio e São Paulo. Os danos totais estão por
ser levantados. Na economia, o impacto será grande, com efeitos da devastação
de lavouras na inflação e provável retaliação às exportações do agronegócio
brasileiro em razão da leniência com criminosos. A questão requer articulação
entre União, estados e municípios, de modo que os recursos sejam gastos onde
são necessários, e rápido. Executivo e Legislativo devem superar suas
divergências para que, juntos, estejam à altura do desafio.
Governo Lula insiste em maquiar o Orçamento
Folha de S. Paulo
Projeções oficiais incorporam receitas
duvidosas e elevam gastos, enquanto o BC precisa subir juros para conter
inflação
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
renova sua disposição de empurrar com a barriga o ajuste das contas do
Orçamento com as recentes projeções
bimestrais de receitas e despesas deste ano, divulgadas na
sexta-feira (20).
Cercada de descrédito, mais uma vez a
administração petista se recusa a conter gastos e insiste na quimera de
equilibrar o balanço do Tesouro Nacional apenas com aumentos da arrecadação de
impostos.
Os números divulgados afastam, ao menos por
ora, a perspectiva de mudança da meta fiscal fixada para este 2024 —déficit
zero, quando excluídos os encargos com juros da
dívida, mas com uma margem de tolerância equivalente a 0,25% do PIB.
Em relação aos cálculos de julho, espera-se
agora uma receita R$ 4,4 bilhões maior, de R$ 2,17 trilhões, enquanto as
despesas crescerão R$ 11,9 bilhões, para R$ 2,24 trilhões. Com isso, estima-se
saldo negativo de R$ 28,3 bilhões, apenas R$ 0,4 bilhão acima do mínimo
admitido.
Estão fora da conta R$ 40,5 bilhões em gastos
com o enfrentamento das cheias no Rio Grande do Sul e, agora, da seca no país.
Na quarta-feira (18), o Tribunal de Contas da
União (TCU)
já havia aprovado um comunicado ao governo alertando
para o risco de descumprimento da meta, em razão das receitas
superestimadas —notadamente os R$ 37,7 bilhões esperados com vitórias em
disputas com contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf).
A cifra escandalosa foi revisada, mas foram
encontradas outras fontes de recursos para elevar a projeção total, na maioria
efêmeras e não confiáveis —como a captura de depósitos judiciais e mais
dividendos de estatais.
Do lado dos dispêndios, as coisas vão de mal
a pior. A alta continua a surpreender, e permanece a suspeita de subestimação
dos desembolsos da Previdência.
Diante desse quadro, o correto seria o
governo aproveitar os eventuais ganhos de arrecadação para se aproximar da
meta, ampliando o montante de gastos bloqueados ou contingenciados.
A decisão, porém, foi oposta. A contenção
caiu de R$ 15 bilhões para R$ 13,3 bilhões —e isso na mesma semana em que
o Banco Central teve
de dar início
a um ciclo de alta de juros para controlar uma inflação alimentada
pela irresponsabilidade fiscal petista.
O titular da Fazenda, Fernando
Haddad, não engana ninguém ao dizer que a liberação de mais despesas
ocorreu porque o Executivo estaria "performando" bem.
Todos percebem que não há compromisso do
governo e do presidente da República com uma gestão séria das contas. Daí a
nova disparada nos juros de mercado, que já incorporam uma elevação da Selic para
até 12,5% anuais nos próximos meses.
O Palácio do Planalto brinca com fogo e
semeia uma crise fiscal. As oportunidades de corrigir essa rota enquanto ainda
há condições políticas vão sendo sistematicamente desperdiçadas.
Primeiro passo para revitalizar o centro de
SP
Folha de S. Paulo
Nova sede administrativa pode ajudar a conter
degradação pela cracolândia, se integrada a políticas de saúde e segurança
O governo de Tarcísio de
Freitas (Republicanos)
lançou a primeira ficha de sua aposta para revitalizar o centro de São Paulo,
ao anunciar na sexta-feira (20) a transferência da Secretaria
de Justiça e Cidadania para o Palácio dos Campos Elíseos. Começa,
assim, a marcha para implantar uma nova sede administrativa no entorno.
Há simbolismo apropriado em alojar no
edifício histórico a pasta mais antiga do governo paulista, criada em 1892. O
próprio palácio, concluído em 1899 como residência do fazendeiro Elias Antonio
Pacheco e Chaves, foi comprado em 1912 pelo estado para servir como sede da
administração e moradia do mandatário.
Não se trata de voltar no tempo, mas de
projetar algum futuro para o bairro nobre degradado até ficar irreconhecível.
A omissão de sucessivas gestões estaduais e
municipais nas áreas de segurança pública, assistência social e saúde fez
enraizar-se ali uma multidão de dependentes químicos, repelindo paulatinamente
transeuntes, moradores e comerciantes.
Esta Folha recebeu bem o
lançamento em março do concurso arquitetônico orçado em R$ 3,9
bilhões para revitalizar a região com vários edifícios numa esplanada do
palácio à praça Princesa Isabel —com sede nas proximidades, o jornal tanto
testemunha quanto sofre as consequências da incúria do poder público.
Até o advento da proposta, o governo estadual
e a prefeitura de Ricardo Nunes (MDB) vinham
insistindo em mera repressão policial nas tentativas, não raro violentas, de
controlar a cracolândia.
Por óbvio é crucial coibir o tráfico e a criminalidade, mas não se cura uma
chaga social só com prisões e internações.
O recurso quase exclusivo a grandes operações
policiais se resume a enxugar gelo, já que o crack, seus usuários e traficantes
sempre retornam. Sem uma abordagem
multidisciplinar integrada e de longo prazo, o problema jamais será
resolvido.
Um novo centro administrativo na região pode
contribuir para sua revitalização. Não se deve esquecer, porém, que a capital
já se frustrou ao encetar em 2005 outra megaoperação urbanística, a chamada
Nova Luz, abandonada em 2013 por ser incapaz de atrair investimentos privados.
É necessário coordenar o interesse público
com o do mercado
imobiliário, que pode gerar especulação e consumir recursos sem
desaguar nos objetivos sociais.
Da cracolândia de hoje a um futuro elísio, há um percurso longo e acidentado. Mas é preciso percorrê-lo, e um novo centro administrativo pode ser bom começo.
A implicância de Lula contra a iniciativa
privada
O Estado de S. Paulo
Petista chama de ‘imbecis’ os que defendem a
privatização da Petrobras e demonstra inconformismo com a venda de estatais.
Para presidente, falta ‘bondade’ às empresas privadas
O presidente Lula da Silva recentemente
“inaugurou” o Comperj – o complexo petroquímico no Rio de Janeiro que teve sua
pedra fundamental lançada pelo próprio Lula em outra encarnação, no seu segundo
mandato, e que levará no total 21 anos para finalmente entrar em operação
plena, em 2029, tudo o mais constante. Como é do seu feitio, o demiurgo
transformou o que deveria ser uma vergonha em um “ato de reparação”, segundo
suas palavras.
O Comperj é um dos símbolos mais vistosos da
trevosa era lulopetista que arruinou o País com sua gastança e sua corrupção. O
complexo, que deveria custar US$ 6,2 bilhões, consumiu quase 5 vezes mais e
ainda não funciona como planejado. Por outro lado, a obra foi uma das
protagonistas do petrolão, o esquema de corrupção na Petrobras que abasteceu os
cofres petistas e dos partidos comparsas.
Pois é dessa “reparação” que Lula fala: para
o chefão petista, a Lava Jato, que flagrou o petrolão, foi uma operação
destinada a “desmoralizar a Petrobras” para forçar sua venda. Atribuindo essa
conspiração a “eles”, pronome que Lula usa para designar genericamente aqueles
que, em sua definição, seriam os inimigos do Brasil e dos brasileiros pobres, o
presidente chamou de “bando de imbecil” (sic) os que defendem a privatização da
Petrobras.
E assim chegamos ao cerne do discurso de
Lula, que deveria ser tomado como exemplar do que o petista deseja para seu
terceiro e talvez último mandato: mais do que em qualquer outro momento desde
que começou a exercer o poder, Lula parece determinado a ressuscitar o raivoso
líder sindical dos anos 80, que ele nunca deixou de ser, mas que as
necessidades políticas o haviam obrigado a domesticar.
Aquele personagem investia toda a sua energia
na ideia de que os empresários são inimigos da “classe trabalhadora”. Aquele
Lula não escondia sua repulsa à iniciativa privada, em qualquer de suas
expressões. Aquele Lula mandou o PT votar contra a Constituição de 1988 porque,
segundo o partido, o texto “eleva a propriedade privada a direito fundamental
da pessoa humana”.
Desde o nascimento do personagem “Lulinha Paz
& Amor”, que os marqueteiros petistas inventaram em 2002 para finalmente
ganhar uma eleição presidencial, Lula vem tentando se passar por moderado e
pragmático. Na mais recente disputa, em 2022, conseguiu os votos de eleitores
de centro ao se identificar como o líder da “luta pela democracia”, malgrado
seja incapaz de condenar as ditaduras de companheiros como Maduro e Ortega.
Agora, talvez por ter se dado conta de sua
finitude, Lula parece ter se cansado de fingir ser o que nunca foi. Seu
discurso no Comperj poderia ter sido feito em Vila Euclides. Numa saraivada de
ataques, desqualificou os empresários do País, que em sua definição seriam
simplesmente incapazes de melhorar a vida dos brasileiros. A julgar por suas
palavras, todo o setor produtivo deveria ser do Estado, que seria um
administrador mais sensível às reais necessidades do povo.
A horas tantas, perguntou: “A Vale está
melhor agora que foi privatizada ou ela era melhor quando ela era uma empresa
do Estado brasileiro?”. Se o critério fosse o valor de mercado, a Vale passou
de R$ 39,5 bilhões em 1997, ano da privatização, para R$ 250 bilhões hoje. Mas
o critério de Lula não é esse: para o petista, falta “bondade” à Vale
privatizada.
Ele acha um horror que o CEO da Vale ganhe R$
55 milhões por ano, e não R$ 55 mil, como se isso fosse uma ofensa aos pobres,
e não a remuneração arbitrada pelo mercado para recompensar a expertise
necessária para administrar uma empresa do porte da Vale. Pouco importa que a
empresa recolha milhões em impostos e gere milhares de empregos. Para Lula,
empresa privada boa é aquela que abre mão do lucro em favor de projetos do
Estado e cujos executivos sejam abnegados trabalhadores que renunciam a altos
salários em troca do orgulho de fazer parte desses projetos.
Há muito mais no tal discurso, mas só essa
seleta basta para constatar que Lula decidiu fazer campanha aberta contra a
iniciativa privada que não se dobra a seus delírios.
A conta que não fecha
O Estado de S. Paulo
Alerta do TCU ao Executivo sobre o risco
elevado de descumprimento da meta fiscal de 2024 é um capítulo previsível do
enredo pouco crível da responsabilidade fiscal do governo Lula
Em decisão unânime, o plenário do Tribunal de
Contas da União (TCU) emitiu alerta ao Executivo sobre o alto risco de
descumprimento da meta fiscal deste ano. Dentre todas as manobras da equipe
econômica para tentar fazer caber na conta do “déficit zero” estimativas de
despesas e receitas que não convergem para esse saldo, uma extrapolou qualquer
limite de benevolência da Corte: a arrecadação extra de dezenas de bilhões de
reais com a reativação do voto de qualidade no Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (Carf), que dá à Fazenda ganho de causa quando há empate no
conselho em processos tributários.
O posicionamento do TCU é obrigatório, como
manda a Lei de Responsabilidade Fiscal, sempre que há dúvidas se o objetivo
fiscal será alcançado. Em casos flagrantes como este, então, não há o que
discutir. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, até tentou, indo
voluntariamente ao TCU dias antes, acompanhado do alto escalão do Ministério,
para tentar explicar o inexplicável. Mas, diante da discrepância abissal entre
expectativa e realidade, não houve jeito. O relatório da Corte destacou que o
resultado de mais de sete meses completos mostra que o montante arrecadado (R$
83 milhões) representa apenas 0,22% da estimativa prevista para o ano (R$ 31,71
bilhões), “o que sinaliza elevado risco de frustração”.
O erro grave do governo de manter a corda
fiscal esticada ao máximo do esgarçamento, insistindo em apontar suas baterias
para o piso da meta, e não para o centro, tampouco passou despercebido pelo
TCU. Em seu relatório, acompanhado por todos os pares da Corte, o ministro
Jhonatan de Jesus afirmou ter constatado “que a probabilidade de frustração de
receita dessa envergadura possui potencial de comprometer as metas
estabelecidas, mais ainda pelo fato de o Executivo vir trabalhando no limite
inferior da meta”.
A diferença gritante entre o que foi
projetado e o efetivamente arrecadado até agora com a mudança no Carf – que
o Estadão noticiou ao obter o dado por meio da Lei de Acesso à
Informação – não é o único truque a fazer do orçamento fiscal uma peça de
ficção. O próprio relator do processo no TCU tangenciou o assunto ao alegar que
“esses dados, somados às demais medidas em adoção pelo Ministério da Fazenda,
fazem-me concluir pela existência de uma situação-limite entre ‘alertar’ ou
‘não alertar’”.
Mas é fácil listar medidas criativas e de
resultado pouco crível, cujo principal objetivo parece ser o de camuflar o
resultado das contas do governo, contornando, com mais ou menos habilidade, as
regras fiscais. Pelo lado das despesas fazem parte deste rol, por exemplo, a
retirada da conta de superávit primário de gastos que necessariamente teriam de
passar pelo Orçamento, como as bolsas do Programa Pé de Meia, que atende alunos
do ensino médio; a concessão do auxílio gás; recursos para combate às queimadas;
e o projeto que autoriza a estatal Emgea a comprar dos bancos créditos
imobiliários “podres” para liberar instituições financeiras para conceder mais
empréstimos.
No outro fator da conta, a arrecadação
extraordinária tem projeções infladas que não se confirmam. Além da questão do
Carf (tribunal onde são julgados recursos administrativos de débitos de
contribuintes), a facilitação de transações tributárias com a Receita Federal,
com as quais a Fazenda esperava arrecadar R$ 31 bilhões, rendeu, até agosto, R$
1,961 bilhão. O ministro Haddad também conta com R$ 12,2 bilhões extras em
transações tributárias com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN),
porém o saldo real ainda não é conhecido.
Uma conta que não fecha de um lado nem de
outro é o resultado de uma política fiscal equivocada que, além de resistir a
cortar gastos, ainda aumenta despesas ao sabor de medidas populistas, típicas
do lulopetismo. De outro lado, a insistência em elevar receita onde não há mais
o que espremer leva a estimativas irreais. Ou a Fazenda começa tudo de novo ou
abre mão do arcabouço fiscal.
Um sonho distante
O Estado de S. Paulo
Retomar o grau de investimento, como quer o
governo Lula, exige mais que desejo
O governo Lula da Silva acalenta o sonho de
recuperar o status de grau de investimento, avaliação de qualidade de crédito
que dá mais conforto aos investidores. Conquistado após anos de esforços,
celebrado efusivamente pela gestão petista em 2008, e perdido em menos de uma
década por conta do descalabro econômico dos anos Dilma Rousseff, a retomada do
grau de investimento ainda na gestão Lula 3 é tema constante de declarações do
ministro Fernando Haddad. Para tanto, mais que o desejo manifesto, é essencial pautar-se
pelo que as agências de classificação de risco, responsáveis pelas avaliações
de crédito, têm recomendado ao Brasil, pois, apesar de gatilhos positivos, como
o PIB recente, há vários pontos de preocupação. Focar neles é o que realmente
daria algum impulso para que a classificação soberana do Brasil volte para o
clube dos países confiáveis.
O que se tem visto, contudo, é o governo
celebrar a alta de 1,4% do PIB no segundo trimestre, como se estivéssemos na
rota do crescimento sustentado – que seria, de fato, um dos principais fatores
para a elevação do rating. Ocorre que nem o crescimento é sustentado nem as
contas públicas estão em ordem – o déficit já dura uma década e o arcabouço
fiscal periclita a cada nova iniciativa voluntarista do presidente Lula da
Silva. Fitch, Moody’s e S&P, as três principais agências de classificação,
até destacam o fato de o Brasil não depender de financiamento externo, mas o
caminho para o grau de investimento passa necessariamente pelo equacionamento
fiscal.
A relação dívida/PIB, importante fator de
avaliação para as agências, não só segue em patamar elevado, como em trajetória
de alta; a Fitch, em evento realizado em São Paulo recentemente, afirmou ter
cenário-base de relação dívida/PIB de 85% para o Brasil, um nível bastante
superior ao de outros países emergentes.
Essa tendência de aceleração do nível de
endividamento, combinada com a avaliação de que o País entregará um buraco de
0,7% nas contas primárias em 2024 (nas contas da Fitch), limita uma reavaliação
do rating brasileiro. “No nosso cenário-base, os números são um pouco menos
benignos (que os do governo): você tem crescimento de endividamento ao longo do
tempo, o que não levaria a um aumento da nota do Brasil”, afirmou o diretor da
agência, Rafael Guedes, ao Broadcast/Estadão.
Para galgar classificações maiores que as
atuais Ba2 (Moody’s) e BB (Fitch e S&P) – embora diferentes, as notas são
equivalentes e posicionam o Brasil dois degraus abaixo de grau de investimento
(Baa3/BBB-) –, o Brasil precisa empreender mais esforços no lado fiscal. Apesar
das declarações do governo, as agências não acreditam, por exemplo, no
cumprimento da meta de déficit de 0,25% neste ano.
Por ora, a realidade mantém o País fora da elite dos ratings soberanos, clube este que conta com o Chile, membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e o Paraguai, uma economia muito menor que a brasileira, mas cuja responsabilidade fiscal garantiu classificação grau de investimento pela Moody’s neste ano.
É preciso apostar na saúde mental
Correio Braziliense
Há uma mobilização grande em torno dos ganhos e perdas das apostas on-line nos campos políticos e econômicos. Falta uma investida maior sobre os possíveis desdobramentos para a saúde mental
Nas reuniões de dependentes anônimos, a frase
"Só por hoje" costuma ser um poderoso compromisso diário de
autodisciplina e busca pela saúde. Um lema antigo para quem luta contra
transtornos que destroem vidas e que, no Brasil, ganha um adversário
onipresente: os jogos de apostas on-line. Especialistas alertam que o país
enfrenta uma pandemia de dependência em jogos com o avanço descontrolado de
plataformas que oferecem as chamadas bets. Há uma mobilização grande em torno
dos ganhos e perdas desse tipo de atividade nos campos políticos e econômicos.
Falta uma investida maior sobre os possíveis desdobramentos para a saúde
mental.
O problema é de fato desafiante.
Profissionais da área reconhecem que até mesmo os protocolos de tratamento
precisam ser readequados. Segundo a psiquiatra e professora da Faculdade de
Medicina da Universidade de Brasília (UnB) Helena Moura, diferentemente de
idosos e homens mais impulsivos, perfis de dependentes de jogos tradicionais,
ela tem atendido jovens, muito deles universitários, sem comorbidades prévia,
como ansiedade e alcoolismo, que "começam por brincadeira e, quando
percebem, estão com uma dívida enorme".
Professores têm relatado o aumento de alunos
fazendo apostas em sala de aula, usando, inclusive, dinheiro do Pé de Meia,
programa recém-criado pelo governo federal para apoiar financeiramente
estudantes do ensino médio, nas investidas on-line. Há de se investigar os
relatos, mas também adotar estratégias que não sejam apenas punitivas. Apostar
no caráter preventivo e educativo para preservar a saúde mental é o caminho.
Ainda que não seja o objetivo principal, a intenção do governo, anunciada na
sexta-feira, de proibir o uso de celulares em escolas públicas e privadas pode
ajudar nesse sentido.
Segundo Helena Moura, políticas públicas que
restrinjam o acesso às bets tendem a amenizar duas características que
favorecem a dependência: o acesso simples — 88% dos brasileiros têm um celular,
segundo o IBGE — e de fácil disfarce — é também por meio desses aparelhos que
se desenrola boa parte dos compromissos cotidianos. Da mesma forma, a
possibilidade de punição a fabricantes de celulares que estão produzindo
aparelhos já com aplicativos de apostas instalados pode ser eficaz. Oito
empresas foram notificadas na semana passada pela Secretaria Nacional do
Consumidor e têm 10 dias para se explicar.
Falta, porém, uma reação estruturada do
Ministério da Saúde para o enfrentamento das roletas virtuais. Além do
risco do agravamento da desnutrição e de outras mazelas — beneficiários de
outros programas do governo, como o Bolsa Família, também caíram nas armadilhas
das apostas on-line —, há as questões psicossociais. A taxa de suicídio entre
dependentes em jogos é de 15%, e 80% deles, em algum momento, tiveram ideação
suicida.
Medidas em análise, como a produção de relatórios regulares indicando apostadores compulsivos e a adoção de uma pausa obrigatória nos momentos de crise, não parecem suficientes considerando a facilidade com que se pode trocar de aparelho eletrônico e de perfil do usuário. Além disso, quais suportes serão oferecidos depois que a pessoa com o transtorno for identificada? Estudos mostram que as reuniões de dependentes anônimos funcionam porque facilitam mudanças sociais adaptativas e da abstinência. Essa é uma perspectiva a ser considerada na resposta do governo, que, no caso da saúde mental, parece estar sendo construída em velocidade analógica.
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