O Estado de S. Paulo
Ganham destaque no anúncio do Copom a atividade resiliente, as pressões no mercado de trabalho e o sinistro hiato do produto, desta vez positivo
Crescer é muito perigoso, poderia dizer
Riobaldo, se escapasse do Grande Sertão e virasse personagem de um informe do
Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). O Brasil tem
crescido mais do que sua economia pode suportar sem desarranjo inflacionário,
segundo afirmou o comitê, na quarta-feira, ao anunciar a alta de juros de
10,50% para 10,75% ao ano. O quadro internacional, o dólar instável e a famosa
desancoragem das expectativas são mencionados, como sempre, mas ganham destaque
a atividade resiliente, as pressões no mercado de trabalho e, é claro, o
sinistro hiato do produto, desta vez positivo.
“Hiato positivo” indica, em linguagem de iniciados, um ritmo de atividade acima da capacidade produtiva. A solução convencional é tirar o pé do acelerador e, talvez, pisar no freio. Mas o crescimento brasileiro tem sido, mesmo, tão exagerado? Se isso for verdade, será preciso aceitar um desempenho menos vigoroso que o de outros emergentes e até de países desenvolvidos? Talvez seja o caso, para variar, de um maior esforço de investimento para aumentar a capacidade produtiva e, portanto, o potencial de expansão da economia. Pode ser a chance de escapar da maldição dos 2%, ainda presente nas projeções de crescimento, e de normalizar um avanço econômico mais acelerado.
O Brasil cresceu 2,9% em 2023 e as projeções
do mercado para este ano têm-se aproximado de 3%. No Ministério da Fazenda, o
aumento do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2024 já subiu de 2,5% para
3,2%. Em discurso mais entusiasmado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
profetizou, na quarta-feira, um resultado superior a 3,5%. Mas, em seu novo
cenário, os técnicos da Fazenda elevaram também a inflação esperada até
dezembro – de 3,9% para 4,25%.
Se essa revisão do cenário dos preços estiver
correta, a inflação ficará bem mais distante do centro da meta, fixado em 3%, e
muito perto do limite de tolerância, 4,5%. Com esses cálculos, o Ministério da
Fazenda revela preocupações muito parecidas com as do Copom, embora sem
defender um possível aperto da política monetária. Ao contrário, o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, tem mostrado desconforto diante da hipótese de juros
mais altos e crédito mais curto.
O ministro, no entanto, mostra-se cauteloso
ao falar do assunto, evita pronunciar-se a respeito da gestão monetária e tenta
manter uma posição respeitosa em relação ao BC. Até o presidente Lula tem
evitado criticar a autoridade monetária. O BC ainda é chefiado pelo economista
Roberto Campos Neto, criticado com dureza e até com grosseria, em outros
momentos, pelo presidente da República.
O presidente Lula tem procurado,
aparentemente, manter um ambiente pacífico até a transferência do posto para
Gabriel
Galípolo, por ele indicado para a sucessão.
Mas Galípolo, já diretor de Política Monetária do BC, tem exibido, em vários
pronunciamentos, a disposição de levar a sério a chefia da instituição e de
valorizar sua autonomia operacional, garantida por lei.
Para cumprir a tarefa principal do BC, a
manutenção de preços estáveis, Galípolo terá de cuidar, inicialmente, de
conduzir a inflação à meta oficial. Em seguida, será preciso mantê-la próxima
desse valor. Também é função da política monetária preservar o emprego e,
portanto, algum dinamismo econômico, mas a obrigação principal é mesmo cuidar
da estabilidade dos preços.
Crescimento e desenvolvimento econômico devem
permanecer, portanto, como responsabilidades atribuídas principalmente ao
Executivo e ao Legislativo, dentro dos limites da estabilidade monetária. Esses
limites serão estreitos, por vários meses, se o BC de fato se dedicar a um
sério esforço de preservação da moeda. Mas crescimento econômico e controle
monetário poderão coexistir mais facilmente, nesse período, se as contas
públicas forem administradas com prudência, sem arroubos presidenciais, sem
lances populistas e sem desmandos impostos por grupos parlamentares. O
Executivo terá de retomar e exercer com seriedade o indispensável poder sobre o
Orçamento, em grande parte perdido na gestão anterior.
Será complicado combinar equilíbrio fiscal e
uso produtivo do dinheiro público, mas essa tarefa será incontornável, se o
presidente se dispuser, de fato, a repor o Brasil no caminho do crescimento
duradouro e da modernização. Alguns ministros têm-se mostrado capazes de
enfrentar esse trabalho e até de buscar cooperação no Congresso. Mas dependerão
de um firme apoio presidencial, porque haverá obstáculos no Congresso,
interesses divergentes no Executivo e pressões de petistas agarrados a velhas
bandeiras.
Velhas bandeiras também são agitadas, com
alguma frequência, por um presidente Lula ainda atraído por ditadores
supostamente de esquerda, ainda preso a noções obscuras, como a de um estranho
“Sul Global” (China e Índia serão mesmo países do “sul”?), e aparentemente
incapaz de vencer a velha antipatia às grandes potências ocidentais. Mas Lula
tem mudado e poderá deixar um legado respeitável, se evitar a recaída no velho
petismo.
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