Urnas trouxeram más notícias a Lula e Bolsonaro
O Globo
Eleições municipais registraram avanço
notável de partidos de centro e centro-direita, desafiando polarização
Depois da abertura das urnas do segundo turno
neste domingo, ficou claro que a eleição municipal trouxe más notícias ao
presidente Luiz Inácio da Silva e ao ex-presidente Jair
Bolsonaro. Tanto um quanto outro se revelaram pouco eficazes como
padrinhos de candidatos — enquanto partidos de centro e centro-direita
conquistaram avanços notáveis, em desafio à polarização ideológica.
O PSD é o partido que comandará o maior número de prefeituras: 887, seguido de MDB (854), PP (747) e União Brasil (584). O PL de Bolsonaro, que planejava fazer das eleições municipais um trampolim para consolidar sua força nacional, ficou em quinto, com 517. E o PT, de Lula, ficou em nono com 252, atrás até do PSDB (274).
MDB e PSD administrarão cinco capitais cada
um, entre elas as mais importantes: São Paulo (Ricardo Nunes,
MDB, reeleito), Rio de Janeiro (Eduardo Paes, PSD, reeleito no primeiro turno)
e Belo Horizonte (Fuad Noman, PSD, reeleito agora). Somando as prefeituras de
União (quatro), Podemos (duas), PP (duas), Avante e Republicanos (uma cada),
partidos de centro ou centro-direita ganharam em 20 capitais.
A esquerda venceu em duas: Recife (João
Campos, PSB, reeleito no primeiro turno) e Fortaleza, onde o PT conquistou sua
única capital no segundo turno, por diferença inferior a 11 mil votos (perdeu
em Cuiabá, Porto Alegre e Natal). O PL de Bolsonaro, que colhera alguns louros
em 6 de outubro, desta vez amargou derrotas em Belo Horizonte e Goiânia e
venceu só em Cuiabá e Aracaju, somando quatro capitais. Bolsonaro ainda perdeu
em Curitiba, onde apoiou a candidata do PMB.
Na eleição mais importante, em São Paulo, a
reeleição de Nunes deve mais ao apoio do governador Tarcísio de Freitas
(Republicanos) que ao de Bolsonaro. Com a vitória, Tarcísio se fortalece como
pré-candidato na corrida presidencial de 2026. Para Lula, a eleição paulistana
trouxe a derrota mais sofrida: Guilherme
Boulos (PSOL) perdeu por quase 19 pontos percentuais (59,4% a
40,6%), proporção idêntica à de 2020, quando também foi derrotado por Bruno
Covas.
Depois de ser desafiado por Pablo Marçal no
primeiro turno, Nunes contou com as obras de sua administração — principalmente
na periferia — e com a alta rejeição a Boulos para vencer. O fiasco petista se
revelou também em Porto Alegre, onde o atual prefeito, Sebastião Melo (MDB),
venceu sem susto a petista Maria do Rosário, apesar do desgaste provocado pelas
enchentes no início do ano. Das capitais, Lula venceu apenas em Fortaleza, onde
fez uma espécie de gol de honra. Bolsonaro, em Cuiabá e Aracaju. Nenhum dos
dois se revelou grande cabo eleitoral.
Estabelecida a nova correlação de forças nas
prefeituras, com o avanço de partidos de direita e centro-direita e o
enfraquecimento da esquerda, é hora de o Brasil deixar para trás o clima bélico
que dominou as campanhas e se unir em torno das agendas prioritárias para o
país: a conclusão da reforma tributária, o controle de gastos, o combate ao
crime organizado, melhorias na saúde e na educação. Há recados claros saídos
das urnas. Um deles, reforçado pelo alto índice de reeleição dos prefeitos, é
que, independentemente de posições ideológicas, os cidadãos querem respostas
mais concretas a seus problemas cotidianos e menos promessas vazias. O governo
federal deveria ouvi-los.
Uso da internet por crianças e adolescentes
exige supervisão adulta
O Globo
Maioria dos pais acredita que diálogo basta
para evitar o pior. Realidade mostra que não é bem assim
Metade das crianças de 9 e 10 anos assiste a
vídeos e participa de jogos na internet sem supervisão de adultos, constatou a
pesquisa TIC Kids Online Brasil, do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto
BR (NIC.br). A maioria dos pais e responsáveis (77%) tem a ilusão de que os
filhos estão seguros na web. Ao mesmo tempo, parcela semelhante diz conversar
sobre os riscos com as crianças e adolescentes. De acordo com Luisa Adib,
coordenadora da pesquisa, os pais acham que apenas falar no assunto resolve a
questão. Mas é necessário supervisionar, monitorar e proibir.
“As pessoas
não entenderam que a internet não é um diário. É a rua. Rede social é uma praça
pública escura cheia de estranhos”, disse em entrevista ao GLOBO a juíza do Rio
Vanessa Cavallieri, titular da maior Vara da Infância e
Adolescência do país. “Quando entenderem isso, se comportarão na rede digital
como na vida real. Ninguém deixa uma criança sozinha numa praça pública e vai
embora.”
De acordo com ela, as redes sociais mudaram o
perfil dos menores criminosos. Há nove anos, quando assumiu suas funções,
adolescentes de classe média ou alta eram minoria, em geral casos de estupro de
vulnerável entre colegas. Hoje, Cavallieri afirma ter de lidar com um número
“altíssimo, crescente” deles. “Quase todas as melhores escolas do Rio têm
casos”, diz ela. “Sempre num contexto de violência que vem do uso da internet
sem supervisão.”
Multiplicam-se episódios de pornografia
infantil, vingança ou distribuição de nudes. Há crimes de pedofilia
investigados pela Interpol. Há adolescentes respondendo por crimes contra
honra, ódio, racismo, misoginia, supremacismo branco, ideologia nazista e
neonazista. Até a Lei Maria da Penha tem sido acionada para proteger meninas.
Uma medida correta, segundo ela, é proibir o
celular nas escolas. Mesmo nos intervalos ele precisa ser evitado, para
incentivar a sociabilidade dos alunos. Caso haja necessidade de dar um aparelho
às crianças, que seja um “telefone burro”, sem recursos para navegar nas redes.
“Crianças não devem usar celular”, afirma. “A idade mínima para acesso a redes
sociais é 13 anos.” Ela destaca que as próprias plataformas digitais dizem não
ser seguro antes disso. Mas falta também, no entender de Cavallieri, as redes
sociais evitarem que crianças e jovens adolescentes se registrem. “Há
tecnologia para isso.” Ela cita a usada pelos bancos. Além disso, as
plataformas precisam ser responsabilizadas por não monitorar o conteúdo
criminoso que circula nas redes.
Em qualquer circunstância, não basta apenas
empresas ou autoridades agirem. Famílias e educadores são vitais para impedir o
efeito devastador que a internet pode ter em crianças e adolescentes e
incentivar o que ela tem de bom.
Valor Econômico
Prefeitos ou candidatos que apostaram em
arcos mais amplos de alianças acabaram prevalecendo nas urnas, em um pleito que
mostrou o maior índice de reeleição desde 2008
Acabada a eleição, cabe aos prefeitos
executar as principais tarefas que lhes incumbiram os eleitores e cumprir suas
promessas nos próximos quatro anos. As eleições mostraram que há um núcleo de
temas recorrentes - como segurança e saúde - e outros novos e importantes -
como empreendedorismo e mudanças climáticas - que exigem respostas atentas do
poder público municipal.
As grandes questões ideológicas tiveram
escassa repercussão entre os eleitores, que deram importância aos problemas que
mais os afligem em seu cotidiano. Prefeitos ou candidatos que apostaram em
arcos mais amplos de alianças acabaram prevalecendo nas urnas, em um pleito que
mostrou o maior índice de reeleição desde 2008. O centro e a centro-direita
saem como grandes vencedores, com destaque para o PSD (que vai comandar o maior
número de prefeituras, 887) e o MDB (que vai governar mais gente, 27,7 milhões
de pessoas).
Em São Paulo, onde Ricardo Nunes (MDB) e
Guilherme Boulos (Psol) se enfrentaram, prevaleceu a moderação do prefeito,
que, sem desprezar o patrocínio de Jair Bolsonaro, no geral deixou de lado as
pautas da extrema direita para centrar-se nas obras que realizou. Em Porto
Alegre, outra cidade onde a ameaça ao incumbente veio da esquerda, Sebastião
Nunes (MDB) derrotou com facilidade a petista Maria do Rosário.
Onde a ofensiva partiu da direita
bolsonarista, esta teve insucessos. Em Belo Horizonte, o prefeito Fuad Noman
(PSD) obteve confortável vantagem sobre Bruno Engler (PL), assim como Eduardo
Pimentel (PSD) eliminou pelo voto o flerte de Bolsonaro com a radical Cristina
Graeml, do PMB. No primeiro turno, Eduardo Paes (PSD) derrotou o bolsonarista
Alexandre Ramagem (PL) no Rio.
O apoio a administrações consideradas boas ou
razoáveis foi mais forte do que a aposta em candidatos com discursos
extremistas que representariam um salto no escuro, diante de velhos e novos
problemas que desafiam as administrações municipais.
A primeira preocupação dos paulistanos e
cariocas, comuns aos habitantes das maiores cidades do país, é a segurança
(20%), seguida pelo constante binômio saúde e educação, com 18% (Datafolha,
24/8). Ainda que a segurança não esteja entre atribuições dos prefeitos, mas
dos governadores, e subsidiariamente da União, a demanda por proteção e
melhoria da sensação de tranquilidade recai sobre o Executivo municipal, um
fenômeno agravado pela expansão do crime organizado para o interior e para
pequenas cidades. A grosso modo, só a educação primária compete à Prefeitura, e
a saúde tem responsabilidades compartilhadas com Estado e União.
As mudanças climáticas, que provocam
temporais cada vez mais intensos e destruidores ou secas graves, estiveram
ausentes das campanhas. Elas também não foram identificadas diretamente com
relevo pelos eleitores, que, no entanto, a apontaram indiretamente, ao
mostrarem inquietações com seus efeitos: inundações, deslizamentos, perdas
materiais e mortes. Caberá aos prefeitos a liderança no esclarecimento e na
ação para enfrentar um problema grave, que só tende a piorar.
A expansão das cidades e o uso do solo são
vitais na adaptação às mudanças do clima e à mitigação de suas consequências,
que hoje apenas atraem escasso interesse dos vereadores e peregrinações de
lobbies interessados em fazer negócios com mudança em planos diretores.
Em decorrência das mudanças climáticas e das
transformações no trabalho, os prefeitos têm de realizar o redesenho complexo
da expansão da cidade e da mobilidade urbana. O transporte individual tem de
ser inteligentemente desestimulado pela oferta compatível de transporte
coletivo funcional, o que ainda não acontece. Ao mesmo tempo, a proliferação
dos trabalhos por aplicativos trouxe às ruas uma multidão de motociclistas,
hoje vitais na logística de consumidores e empresas e as maiores vítimas do
trânsito nas capitais.
A transformação do emprego e dos serviços fez
emergir o empreendedorismo como peça cada vez mais importante da economia,
magnificada pelo avanço da digitalização dos negócios. Boa parte dos prefeitos
não se deu conta disso, e a questão foi objeto claro de disputa na campanha
paulistana. Os empreendedores precisam de modernização da burocracia, que
demora a chegar aos municípios, também assolados por voracidade fiscal ou
ilegalidade de máfias exigindo propinas. A agilidade na criação e fechamento de
negócios tem passado ao largo de prefeitos e vereadores, tornando-se obstáculo
relevante ao aumento da produtividade da economia local e nacional.
A digitalização do setor público deveria
abrir uma avenida de oportunidades, entre elas a de ampliação da participação
democrática dos cidadãos, e tornar-se prioridade dos prefeitos. Não só é
possível eliminar a burocracia de documentos e certidões em várias setores da
vida municipal, como também obter a opinião dos cidadãos sobre projetos de lei
e diagnósticos precisos das carências e melhorias necessárias aos bairros das
cidades.
As campanhas deixaram a desejar no debate mais profundo sobre propostas de governo. A democracia nasceu e se exerce na pólis (a cidade-Estado grega), e a participação pública tende a ser ampliada e celebrada em eleições nas quais prevaleçam cada vez mais o voto informado e consciente dos cidadãos.
Que Nunes faça por merecer o
voto de confiança
Folha de S. Paulo
Prefeito de SP obtém novo
mandato graças à rejeição aos adversários; terá orçamento para enfrentar
carências da cidade
Está claro que o
prefeito Ricardo Nunes (MDB), reconduzido
neste domingo a um novo mandato, não entusiasmou até aqui a ampla maioria
do eleitorado paulistano.
Sua gestão é considerada
ótima ou boa por não muito mais de um quarto dos moradores da cidade mais rica
e populosa do país. Essa proporção pouco se alterou durante uma campanha de
vastos recursos e tempo de propaganda. Não por acaso, um percentual similar dos
votantes viu no emedebista sua opção preferencial no primeiro turno do pleito.
Na véspera da abertura das
urnas, 63% dos entrevistados que declaravam ao Datafolha a disposição de manter
o prefeito no posto diziam fazê-lo por falta de opção melhor, ante 36% que o
apontavam como o candidato ideal.
O prefeito ganhou um voto de
confiança da metrópole graças, em grande parte, à rejeição a seus principais
adversários —o arruaceiro Pablo Marçal (PRTB), que por
pouco não chegou ao segundo turno, e o deputado federal Guilherme
Boulos (PSOL),
que não conseguiu superar o patamar de sufrágios da eleição anterior.
Nada disso, obviamente,
reduz a legitimidade da vitória de Nunes, merecedor de quase 60% dos votos
válidos na rodada final. Cabe a ele compreender, entretanto, que as urnas
cobram um desempenho mais marcante e inovador a partir do próximo ano.
A
prefeitura vive um momento de relativa bonança financeira. Suas dívidas
foram equacionadas em condições favoráveis, e o Orçamento de 2025 prevê um
recorde de R$ 122,7 bilhões em despesas. Se a conjuntura nacional não descambar
para uma crise, vislumbra-se uma quadra favorável para o mandato municipal.
A cidade sofreu nos últimos
anos tanto com a falta de recursos quanto com descontinuidades administrativas.
Prefeitos como José Serra (PSDB) e João Doria (ex-PSDB)
usaram o posto como trampolim para buscar o governo do estado. Uma fatalidade
—a morte do também tucano Bruno Covas—
levou Nunes à administração da cidade.
As carências metropolitanas
vão muito além dos recentes apagões provocados pelas chuvas, que tendem a ser
mais intensas com a mudança climática. Educação fundamental
e saúde básica,
que lideram os gastos municipais, não são exceção ao padrão nacional de gestão
deficiente.
O nó da mobilidade urbana e
da violência no trânsito não mereceu a devida atenção na campanha —com medo de
perder apoios, Nunes nem mesmo se animou a defender a necessária redução de
velocidade nas vias. Há o desafio de recuperar o centro e conter as chagas
sociais dos moradores de rua e da cracolândia.
O prefeito reuniu em torno
de si uma vasta rede de apoio partidário, que vai dos tradicionais adesistas do
centrão ao PL de Jair
Bolsonaro, passando pelo governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos). Que tal aliança seja empregada em prol de
reformas ambiciosas, não de interesses fisiológicos e políticas reacionárias.
Incerteza prevalece na
eleição americana
Folha de S. Paulo
Empate entre Trump e Kamala
alimenta cálculos sobre riscos da vitória do republicano para economia e
geopolítica globais
A apenas oito dias da
eleição presidencial dos Estados
Unidos, prevalece uma incerteza inquietante quanto ao resultado. A
democrata Kamala Harris e
o ex-presidente republicano Donald Trump mantêm-se em
empate técnico na maioria das pesquisas nacionais e, especialmente,
nas consultas em estados com potencial para definir a disputa.
O quadro causa temores
devido à possibilidade de retorno de Trump ao comando da nação mais poderosa do
planeta.
Considerando seu histórico
na Casa Branca de 2017 a 2021 e sua agenda para o próximo ciclo, sua vitória
impõe riscos à economia e
à geopolítica globais, que já estão sendo calculados por União Europeia e
demais potências.
A média ponderada das
últimas 13 pesquisas, calculada pelo Real Clear Politics, mostra Trump com
48,5% das intenções de voto e Kamala com 48,3%. Na mesma fase final do pleito
de 2020, Joe
Biden mantinha 7,4 pontos de vantagem sobre o republicano.
Mas, no sistema eleitoral
americano, vencer na votação popular não é suficiente. O Colégio Eleitoral,
pelo qual o vitorioso em cada estado leva as cadeiras correspondentes, é que
define o futuro presidente dos EUA. Tampouco há clareza nessa instância.
Neste momento, Trump conta
com mais votos previstos (219) que Kamala (215). A batalha para alcançar o
número mínimo de 263 envolve nove estados onde o eleitorado, tradicionalmente,
não tem compromisso partidário. A média das pesquisas em oito deles aponta
empate técnico. A democrata aparece com vantagem apenas em Minnesota.
Causa espécie o fato de
Kamala, apesar de ter recebido doações bem mais volumosas para sua campanha do
que o republicano, não ter aberto vantagem nos últimos dois meses.
Em boa medida, a situação
reflete preocupação do eleitor com a economia. Paradoxalmente, a política para
o setor da gestão Biden-Kamala, que baixou a inflação sem mergulhar o país em
recessão, não tem se traduzido em votos. Suas promessas de redução do custo de
vida também não conquistam os indecisos.
Como demonstram sondagens
recentes, parte expressiva do eleitorado acha que Trump lhes entregará melhor
situação material do que Kamala. Qualquer que seja o resultado, por
óbvio, não se espera panaceia. No entanto a incerteza agora alimenta riscos
que se imaginavam superados.
A velha agenda trumpista com
negação da crise do clima, flertes
com Vladimir Putin e contra o multilateralismo será retomada. Se
eleito, pode incluir novidades ainda mais alarmantes.
Muito trabalho pela frente
O Estado de S. Paulo
Que fique claro: Nunes foi reeleito não
porque paulistano aprove sua gestão, mas porque seu adversário era muito
rejeitado. Se reconhecer isso, terá chance de fazer um governo melhor
A maioria dos paulistanos optou por conviver
com os problemas conhecidos ao invés de dar uma guinada na administração da
capital paulista. Ricardo Nunes (MDB) foi reeleito prefeito de São Paulo. Se
deseja começar bem o planejamento de seu futuro mandato, Nunes deve receber
esse voto de confiança com muita humildade. Está claro que o prefeito seguirá
no cargo a partir de 1.º de janeiro de 2025 não pelo suposto sucesso de sua
gestão, mas, como indicaram as pesquisas, pelo alto índice de rejeição ao nome
de seu adversário na disputa, Guilherme Boulos (PSOL), e por falta de opção
melhor no campo da centro-direita.
Qualquer eleição para cargo do Poder
Executivo em que o incumbente é candidato à reeleição é um referendo sobre a
sua administração. Nesse sentido, não se pode dizer que o governo de Nunes
tenha sido aprovado pela maioria dos paulistanos. No primeiro turno, o prefeito
recebeu apenas 29,48% dos votos válidos. Por estreita margem, ficou à frente de
Boulos, que obteve 29,07%, e do terceiro colocado, Pablo Marçal (PRTB), com
28,14%. Ou seja, foram alguns milhares de votos que fizeram a diferença, o que
é quase nada em um universo de 9,3 milhões de eleitores. Tendo recebido menos
de um terço dos votos na primeira rodada de votação, é possível dizer que, para
ser medíocre, a gestão de Nunes ainda precisa melhorar um bocado.
Mas o fato é que o prefeito foi legitimamente
reeleito e esses números, agora, só têm uma serventia: relembrar a Nunes que
ele deve governar no melhor interesse de todos os paulistanos. Trabalho não vai
faltar. Malgrado sua pujança política e econômica, são muitas e renitentes as
carências da cidade de São Paulo, particularmente nas áreas de saúde, educação,
mobilidade e zeladoria urbana – sem esquecer, é claro, da tragédia social dos
cerca de 80 mil cidadãos que vivem largados à própria sorte nas ruas da capital
paulista, segundo levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas
com a População em Situação de Rua (OBPopRua), da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG).
Qualquer paulistano que dependa do serviço
municipal de saúde sabe a odisseia que é tentar agendar uma consulta médica ou
exame simples, que dirá um procedimento mais complexo, como uma cirurgia.
Qualquer mãe que precise matricular seu filho numa creche ou escola
administradas pela Prefeitura sabe que dificilmente terá a sua demanda atendida
a contento sem uma boa dose de paciência e perseverança.
A despeito de sua condição de cidade mais
rica do País, dotada, portanto, de alta capacidade para investimentos, São
Paulo até hoje não conseguiu reverter os prejuízos à aprendizagem de crianças e
adolescentes que dependem da educação pública causados pela pandemia de
covid-19. “Os municípios que foram determinados em recuperar o que foi perdido
têm hoje resultados muito superiores a São Paulo”, disse ao Estadão a
presidente do Todos Pela Educação, Priscila Cruz. Entre as 26 capitais, São
Paulo ocupa um vergonhoso 14.º lugar no ranking de 2023 do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
O trânsito na metrópole, por sua vez, está
cada vez mais caótico e mortal, na linha “salve-se quem puder”. Semáforos
apagam aos primeiros pingos de chuva, como se fossem feitos de papel. A falta
de fiscalização tornou as ciclovias, na prática, vias expressas para
motociclistas arrogantes e irresponsáveis. Acidentes são frequentes, muitos
fatais. Como sublinhamos há poucos dias, mortes evitáveis se acumulam nas ruas
e avenidas da capital paulista. Apenas entre janeiro e setembro deste ano, 786
pessoas morreram em acidentes de trânsito na cidade de São Paulo.
Ao longo da campanha, Nunes apresentou uma
série de números para demonstrar suas supostas “entregas” para a cidade. Nenhum
deles, porém, foi capaz de constituir uma marca de sua gestão. Basta dizer que
muitos paulistanos, quando perguntados, não sabem sequer dizer o nome do atual
prefeito. Cabe ao prefeito reeleito decidir se, enfim, realizará um governo
digno do nome ou se seguirá como um ilustre desconhecido para parcela
expressiva de seus governados.
A escalada da dívida não é questão de fé
O Estado de S. Paulo
Governo prefere simplesmente não acreditar na
projeção do FMI segundo a qual a dívida bruta em relação ao PIB deve subir
incríveis dez pontos porcentuais até o fim do mandato de Lula
O Fundo Monetário Internacional (FMI)
projetou que a dívida bruta brasileira na proporção do Produto Interno Bruto
(PIB) deve aumentar mais de 10 pontos porcentuais ao longo do mandato do
presidente Lula da Silva, de 83,9% do PIB, no fim de 2022, para 94,7% do PIB,
em 2026. Superávit primário, se houver, só a partir de 2027, e bastante modesto
– o equivalente a 0,1% do PIB.
A relação entre dívida e PIB é um indicador
importante para aferir a solvência de um país e comparar sua situação à de
outras nações semelhantes. No caso brasileiro, o endividamento, segundo os
critérios do Fundo, subiu de 86,7% do PIB no relatório divulgado em abril para
87,6% do PIB no de outubro. E até 2029, a dívida na proporção do PIB chegará a
97,6%.
Antes mesmo dessa revisão, o indicador
brasileiro já destoava da média dos países emergentes, hoje em 70,8%, atrás
apenas de China, Egito, Ucrânia, Bahrein e Argentina. Mas o alerta do FMI não
vale somente para o Brasil. A dívida bruta global deve atingir 93% do PIB, em
média, e superar US$ 100 trilhões neste ano. Até 2030, ela deve alcançar 100%,
10 pontos porcentuais acima do registrado em 2019, um ano antes da pandemia.
Com a covid-19, países desenvolvidos e
emergentes aumentaram gastos para lidar com os desafios sanitários e evitar que
suas economias desabassem. O estímulo resultou em inflação elevada e juros mais
altos. Para completar, tensões geopolíticas ampliaram incertezas no mundo todo.
A receita mais segura em um cenário
turbulento, segundo o FMI, é apostar na credibilidade e na transparência das
políticas fiscal e monetária. Para o Fundo, é preciso aproveitar o ciclo de
flexibilização da política monetária nas principais economias do mundo para
elaborar políticas fiscais cuidadosas, que protejam as famílias mais
vulneráveis e não prejudiquem o crescimento. Do contrário, os ajustes
necessários terão de ser bem mais duros no futuro.
As projeções do FMI para a dívida brasileira
foram mal recebidas pelo governo, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
disse esperar que esse cenário não se concretize. “Não acredito nessa
trajetória. Se você está descrevendo o que está no documento, eu não acredito
que ela vá acontecer”, afirmou o ministro, em entrevista a jornalistas em
Washington.
Um dia antes, quando o FMI melhorou a
estimativa para o crescimento do PIB de 2,1% para 3% neste ano, a receptividade
foi muito diferente. Haddad celebrou a revisão sem questioná-la, negou que o
avanço estivesse relacionado ao estímulo fiscal do governo e não deu muita
atenção à previsão do FMI para o PIB de 2025, embora o crescimento tenha sido
reduzido de 2,4% para 2,2%.
A questão é que o crescimento econômico, no
caso brasileiro, tem sido muito influenciado pelo consumo, o que tem tudo a ver
com o aumento da dívida bruta. Dados do Banco Central (BC), embora calculados
de forma um pouco diferente, corroboram a trajetória traçada pelo FMI.
Pelo critério do BC, a dívida bruta atingiu
78,55% do PIB em agosto, o maior patamar desde outubro de 2021, quando ela
estava em 79,5% do PIB. Desde janeiro deste ano, a dívida bruta calculada pelo
BC já subiu 4,1 pontos porcentuais, e desde o início do governo Lula da Silva,
quase 7 pontos porcentuais.
No FMI, Haddad defendeu o arcabouço fiscal
como instrumento para conter a trajetória da dívida e seu fortalecimento como a
melhor maneira de dissipar a desconfiança do mercado. O único gasto que teria
ficado fora do arcabouço, de acordo com o ministro, teria sido o novo Auxílio
Gás, rebatizado de Gás para Todos, que será redesenhado pela Fazenda. Ora, se
isso fosse verdade, a dívida bruta não teria subido tanto em tão pouco tempo.
Ao contrário do que acontece nos países
ricos, o Brasil acaba de iniciar um novo ciclo de aumento da taxa básica de
juros, o que só reforça a recomendação do FMI sobre a necessidade de um ajuste
fiscal e a projeção do fundo de desaceleração da economia no ano que vem. Mais
do que nunca, impedir que a profecia do FMI se realize requer alinhamento entre
as políticas fiscal e monetária.
Toga de tornozeleira eletrônica
O Estado de S. Paulo
Afastamento de cinco desembargadores muito
bem pagos pelo TJ-MS constrange a sociedade
Tornou-se corriqueiro no Brasil o uso de
tornozeleira eletrônica por criminosos de colarinho-branco, mas espanta quando
quem deveria zelar pela aplicação das leis e da Constituição é afastado da toga
e passa a circular com o aparelho. Pois esta é a situação à qual foram
submetidos de uma só vez cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato
Grosso do Sul (TJ-MS) em meio a uma investigação da Polícia Federal (PF) sobre
um suposto esquema de venda de sentenças. Se são culpados ou inocentes, só o
devido processo legal, com amplo direito de defesa, poderá dizer mais à frente.
O constrangimento, contudo, é imediato.
A Operação Ultima Ratio mira magistrados e
seus parentes, servidores, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
(TCE-MS) e advogados. A ordem para o afastamento partiu do ministro do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) Francisco Falcão, e os litígios envolvem disputas de
terra. O celular de um advogado que era conhecido como “lobista dos tribunais”
e que foi assassinado no fim do ano passado levou à investida da PF. Dele foram
recuperados 5 mil diálogos, com potencial para deflagrar uma grande crise.
Essa rede teria ramificações interestaduais.
A operação da PF é desdobramento de uma investigação no Tribunal de Justiça de
Mato Grosso (TJ-MT), onde dois desembargadores e um juiz de primeira instância
já haviam sido afastados. Há ainda citação a um ministro do STJ, e já houve
afastamento de servidor da Corte. O caso também corre no Supremo Tribunal
Federal (STF), e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu procedimentos.
A operação encontrou R$ 3 milhões em dinheiro
na casa de um desembargador aposentado do TJ-MS, e os diálogos revelam, ao que
parece, relações promíscuas. Um advogado diz que há um “leilão danado”, em que
“cada um quer mais que o outro”, o que, para a PF, indica propina. Uma
servidora dá a entender que o esquema era conhecido, haja vista que “todo mundo
fala: ‘ai, não sei como que o CNJ não pega, a Polícia Federal não pega’”.
Apesar de certamente não representarem a
maior parte do Judiciário, casos como o de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso não
são isolados. Suspeitas já alcançaram magistrados da Bahia, do Tocantins, do
Rio de Janeiro e de São Paulo, a despeito do fato de que os juízes já são muito
bem remunerados. Em Mato Grosso do Sul, o tribunal que paga melhor no País, os
afastados receberam neste ano mais de R$ 1 milhão cada. Nenhum deles embolsou
em um mês menos do que R$ 81,3 mil, fazendo troça do teto constitucional de R$
44 mil.
A nata da magistratura do Brasil ganha 15 vezes mais que o rendimento médio dos brasileiros. Como se isso não fosse suficiente, os magistrados são especialistas em encontrar maneiras de ganhar ainda mais, com todo tipo de auxílios e gratificações sobre os quais não incide Imposto de Renda. Além disso, diferentemente do resto dos mortais brasileiros, têm 60 dias de férias e aposentadoria integral. E quando são pilhados em malfeitorias, são “punidos” com aposentadoria compulsória – ou seja, terão a infelicidade de ganhar sem trabalhar pelo resto da vida. Mas, ao que parece, para alguns juízes isso não basta.
Compromisso assumido nas urnas
Correio Braziliense
Não há espaço para perda de tempo. O cidadão não pode mais esperar que demandas antigas sigam sem resoluções
Em 1º de janeiro de 2025, as cidades brasileiras partem para uma nova etapa de suas histórias. Problemas relacionados à saúde, segurança, educação, moradia, transporte público, emprego, serviços, limpeza urbana, lazer e outros passam a ter, mais uma vez, a chance de serem solucionados. Isso, com o pleno engajamento da população e o cumprimento das promessas de campanha dos prefeitos eleitos.
No último domingo (27/10), as votações de
segundo turno foram concluídas. Agora, começa o processo de
transição para as equipes dos gestores que assumem no lugar dos atuais e, para
os reeleitos, é a fase de avaliar o que precisa mudar. Um período de extrema
importância e que pode ser determinante para o sucesso das futuras administrações.
A escolha dos secretários e dos assessores
precisa ser feita com celeridade, assim como a definição das primeiras ações.
Não há espaço para perda de tempo. O cidadão não pode mais esperar que demandas
antigas sigam sem resoluções. As reivindicações são conhecidas e o Executivo
municipal tem a obrigação de, desde a largada do trabalho no próximo ano,
corresponder à confiança depositada nas urnas.
A classe política possui o hábito de
apresentar muitas saídas para as necessidades que afligem a população durante a
disputa pelo voto. Planos de governo são divulgados em programas de TV e rádio,
entrevistas em jornais, debates e propagandas eleitorais, mas depois parece que
a maioria das propostas não passavam de devaneios. Na prática, muito do que foi
colocado não é desenvolvido e o discurso vira uma sequência de justificativas
para tentar amenizar as frustrações dos eleitores.
Já passou da hora de interromper esse ciclo
no Brasil, e iniciar a virada pelas cidades é um bom caminho. É na participação
diária nas ações políticas que os cidadãos passam a fazer valer a Constituição
Federal, cumprindo a determinação de que o poder emana do povo.
A iniciativa popular de identificar os
problemas, organizar-se e cobrar dos seus representantes é essencial na
democracia. Em nível municipal, o contato fica muito mais possível, podendo
alcançar resultados de forma ágil. A partir daí, o país pode começar a garantir
avanços no campo da execução dos compromissos de campanha.
Os moradores têm todo o direito de ir às
câmaras e prefeituras exigir as soluções para as questões que são da alçada dos
vereadores e do prefeito. Em suas comunidades, bairros e regiões, os cidadãos
podem criar comitês para identificar as maiores carências e apresentá-las aos
que se comprometeram em trabalhar para aprimorar a cidade.
Dentro dos gabinetes, a conduta de quem foi
eleito tem de ser efetiva. As portas devem estar abertas para receber a
população e ouvir suas demandas. Os municípios brasileiros necessitam progredir
em diversos aspectos. De saneamento básico à implantação de tecnologias para
facilitar a vida dos cidadãos, há inúmeros atrasos a serem superados.
As administrações municipais precisam assumir suas responsabilidades. O que não foi feito no passado e as heranças indesejadas não podem ser empecilhos. A transformação para um Brasil melhor passa pelo cotidiano das cidades. Que os eleitores cobrem e os prefeitos cumpram suas funções.
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