Correio Braziliense
A vitória mais emblemática é a do prefeito de
São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), contra Guilherme Boulos (PSol), com apoio do
governador Tarcísio de Freitas (Republicanos)
Há muito a se considerar em relação aos
resultados do segundo turno
das eleições, mas uma coisa é certa: confirmam a tendência
apresentada, já no primeiro turno, do predomínio das forças de centro-direita
moderadas e conservadoras, tanto em relação ao PT, partido do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, quanto ao PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, que chegou
com muita força ao segundo turno das capitais, mas morreu na beira da praia.
Quando confrontaram as forças de centro-direita e moderadas, na maioria dos
casos, ambos foram derrotados.
A vitória mais emblemática é a do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), contra Guilherme Boulos (PSol), com apoio do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a quem o eleito atribui maior importância na sua eleição, e também de Bolsonaro. Pesaram na eleição as máquinas administrativas municipal e estadual e a aliança política ampla, que reuniu 10 partidos e garantiu o apoio da grande maioria dos vereadores paulistanos. Tarcísio sai das eleições municipais como grande vitorioso.
Nunes é um político profissional e
pragmático, escolado na poderosa Câmara Municipal da capital paulista, da qual
foi vereador de 2013 a 2020, quando se elegeu vice-prefeito de Bruno Covas, o
prefeito reeleito e que faleceu logo após a recondução, vítima de um câncer. Ao
obter o apoio de Bolsonaro e lhe conceder a indicação do vice — Ricardo Araújo,
um coronel ferrabrás da PM paulista —, não esperava enfrentar um adversário de
extrema-direita como Pablo Marçal (PRTB), que conquistou 1,7 milhão de votos no
primeiro turno.
O outsider se tornou um player da política
paulista, quase foi para o segundo turno, mas também contribuiu para esvaziar a
narrativa de Boulos, de que Nunes era um candidato de extrema-direita por causa
do apoio de Bolsonaro. No segundo turno, porém, os eleitores de Marçal migraram
para Nunes, apesar dos esforços de Boulos para atrair uma fatia desse espólio
eleitoral. Engajado diretamente na campanha, porém, o governador Tarcísio de
Freitas fez um papelão ao atribuir a intenção do PCC em votar em Boulos, durante
entrevista, sem nenhuma comprovação. Isso é crime eleitoral escancarado.
No confronto direto entre o PT e o PL no
segundo turno das capitais, a vitória mais importante foi do PT, com Evandro
Leitão (PT), de virada, em Fortaleza, o quinto colégio eleitoral em disputa no
segundo turno, o que consolida a hegemonia da legenda no Ceará. O PL venceu em
Cuiabá, com Abílio Brunini. O PT perdeu a eleição em Natal, para Paulinho
Freire (União); e em Porto Alegre, com a reeleição do prefeito Sebastião Melo
(MDB). Bolsonaro venceu com Emília Corrêa (PL), que derrotou Luiz Roberto
(PDT), outro governista. Bolsonaro foi derrotado em confrontos importantes com
candidatos de centro e centro-direita.
A esfinge
Apoiado pelo presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD), Fuad Noman (PSD) derrotou Bruno Engler (PL) em Belo Horizonte.
Em João Pessoa, Cícero Lucena (PP), candidato de Ciro Nogueira, presidente do
PP e ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, além do presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), derrotou o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga (PL),
aquele da pandemia, aliado de Bolsonaro.
Em Goiânia, Bolsonaro também foi derrotado
por Ronaldo Caiado (União), que pretende disputar a Presidência em 2026, com a
eleição de Sandro Mabel (União), contra Fred Rodrigues (PL). O pano de fundo
dessa disputa é a liderança da oposição a Lula. Em Belém, o candidato do
governador Hélder Barbalho e aliado de Lula, Igor Normando (MDB), derrotou o
bolsonarista Éder Mauro (PL). Candidato do Podemos, Siqueira Campos também
venceu Janad Valcari (PL) em Palmas.
Não há uma relação mecânica entre esses
resultados e as eleições de 2026, porque os pleitos municipais têm uma dinâmica
própria, que lhes conferem grande especificidade, mas é inevitável que os
principais protagonistas da política nacional, a partir de agora, avaliem a
real situação de Lula a partir desses resultados eleitorais.
O presidente sai da eleição enfraquecido, mas
ainda tem a caneta cheia de tinta, é um político calejado e pragmático. O
governo sempre é a forma mais concentrada de poder. Está longe ainda de ter se
tornado um pato manco, quando nada porque o país cresce a 3% ao ano e a
inflação está sob controle. Lula sinalizou um reposicionamento importante na
sua relação com o PT e a esquerda, ao romper com Nicolás Maduro e vetar a
entrada da Venezuela no Brics.
Entretanto, enfrentará muitas dificuldades
para transformar a atual coalizão de governo em frente eleitoral. Isso
dependerá do desempenho político e administrativo do governo e da atualização
programática e tática do PT, que precisa reconhecer a importância eleitoral dos
partidos do campo democrático no projeto de reeleição de Lula. Isso passará
pelas eleições estaduais e do Senado. Considerando o número de prefeitos, a
frente de esquerda formada por Lula no primeiro turno das eleições — PT (252),
PSB (312), PDT (151), Rede (4), PCdoB (19), PV (14) e PSol (0) —, com exceção
do PSB, também não teve um bom desempenho eleitoral. A centro-esquerda
representada pela federação PSDB (273) e Cidadania (33) definhou.
O PL (517 prefeitos) está isolado pela
soberba de Bolsonaro, mas obteve mais de 15 milhões de votos nas eleições
municipais. Os grandes protagonistas políticos que emergem das eleições são o
PSD (891), MDB (864), PP (752), União Brasil (591), PL (517) e Republicanos
(440). Para se manter no jogo, mesmo inelegível, Bolsonaro tenta remover a
candidatura de Caiado, que poderia unificar esse campo. Sua tendência é impor
um candidato do PL aos aliados, que pode ser o senador Flávio Bolsonaro, seu
filho.
A grande esfinge, porém, é Tarcísio de
Freitas, que sai fortalecido do pleito pelo fato de ter ganhado a disputa de
São Paulo e, com o apoio do PSD, do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, seu
chefe da Casa Civil e grande artífice da campanha de Nunes. Os dois partidos
elegeram 1.331 prefeitos, o suficiente para dar ancoragem nacional a um
candidato paulista, cujo estado tem 34 milhões de eleitores. O PSD foi o
segundo partido mais votado, com 14,5 milhões de votos.
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