sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

A agenda que não se pode adiar em 2025 - Fernando Abrucio

Valor Econômico

Garantir a democracia, avançar na redução da desigualdade, lidar de fato com a questão climática, reconstrução política e apoio ao multilateralismo e à multipolaridade

Depois de um ano dominado pelas eleições municipais, 2024 termina com várias urgências a resolver em Brasília. Em especial, a necessidade de se fazer um ajuste fiscal e, ao mesmo tempo, agradar aos congressistas com recursos de última hora das emendas, no que parece ser o Baile da Ilha Fiscal do século XXI, porque o STF vai apertar esse modelo daqui para diante. Neste afogadilho do curto prazo, seria interessante olhar para 2025 de outra forma, escolhendo as agendas que têm sido adiadas e cujos efeitos de longo prazo são fundamentais para o Brasil.

A lista de temas que precisam ser resolvidos e têm sido adiados nos últimos anos é extensa. O Brasil tem o dom da postergação, cujo exemplo mais paradigmático foi ter sido o último país ocidental a acabar com a escravidão - algo que traz consequências perversas até os dias atuais. Foram escolhidas aqui cinco agendas centrais que não podem ser deixadas para trás em 2025 e que serão essenciais para nosso futuro como nação.

A primeira se refere à questão democrática. Trata-se de um tema que exigirá afirmar o Estado de Direito e aperfeiçoar os mecanismos institucionais que lhe dão suporte. Mais do que mudanças de sistema de governo ou eleitoral, o que falta ao Brasil são leis que valham igualmente para todas as pessoas. Não é possível ter servidores públicos ganhando muito mais do que admite a legislação do teto salarial do setor público. Em 2025 não se pode adiar mais a meta de que ninguém pode ser maior do que a lei numa democracia.

Se, por hipótese, for definida que a remuneração de nossos juízes, promotores ou militares mereça majoração, que isso seja feito com uma regra clara, passível de ser conhecida por qualquer brasileiro e, sobretudo, sem exceções contínuas que significam uma fonte inesgotável de aumento de recursos, destinada a uma parcela ínfima da população.

A garantia da democracia passa, ademais, pela forma como o Estado trata os diferentes cidadãos em cada esquina ou quebrada do Brasil. O país avançou muito nos últimos 30 anos em termos de transparência, de competição eleitoral e controle dos governantes, porém, pouco evoluiu na maneira como a polícia aborda a população mais vulnerável, em especial os estratos periféricos e negros. Os abusos e a truculência da PM no Rio de Janeiro e em São Paulo mostraram em 2024 o quanto os direitos de cidadania dependem da cor e do lugar territorial e social de quem é abordado.

É bem verdade que a ascensão do bolsonarismo piorou a situação, ao exaltar as práticas policiais da ditadura, o modelo malufista da década de 1970 que transformava os servidores públicos em esquadrões da morte legalizados. Retomar o sentido de uma segurança pública democrática, que diferencia quem faz parte do crime organizado e quem é o cidadão comum, baseada em dados e evidências, e norteada pela profissionalização de uma polícia que segue a lei, deveria ser o rumo de 2025 em diante.

Uma tarefa democrática inadiável para 2025 está em julgar e punir os golpistas que atuaram contra a democracia brasileira, especialmente entre 2022 e o 8 de janeiro de 2023. Essa página da história não pode ser simplesmente virada, pois seria uma anistia para enfraquecer a democracia, e não para garantir sua retomada, como em 1979. O país precisa aprender que não se pode colocar em jogo as instituições e a alternância política, como ocorreu muitas vezes na história, gerando apenas atraso e autoritarismo.

Mais do que isso, é fundamental que militares entendam, de uma vez por todas, que têm um lugar central para defender a nação, e isso não passa pela ocupação do poder político por vias ilegais. Em poucas palavras, 2025 pode ser ano em que não mais adiamos o enterro do eterno golpismo militar, alimentado por elites civis e políticos.

Uma segunda agenda inadiável passa pelo problema central do país: a desigualdade. É fato que o Brasil avançou muito neste campo desde 1988, com maior estabilidade econômica e políticas sociais mais efetivas. Entretanto, ainda há tarefas que não podem esperar por muito tempo. Por exemplo, compatibilizar o combate à pobreza com a criação de condições para emancipar socialmente os mais pobres. Isso passa pela melhora dos serviços públicos que geram oportunidades de desenvolvimento às crianças e aos jovens mais vulneráveis, com ênfase em ações intersetoriais em prol da primeira infância e de programas para a juventude periférica, especialmente os chamados nem-nem.

A emancipação social dos mais pobres envolve, ainda, favorecer sua inclusão produtiva. Aqui, são necessárias ações para reduzir os obstáculos às mulheres mais pobres - geralmente negras - para ocupar postos ou empreender e ascender no mercado de trabalho. Também vale pensar em novas formas de capacitação de públicos que são, no mais das vezes, pouco escolarizados, mas que podem atuar em várias frentes econômicas.

Mas o apoio aos mais vulneráveis vai além do mercado de trabalho. Mudanças demográficas e civilizacionais tornam cada vez mais importante pensar em políticas aos idosos e às pessoas com deficiência. Para ambos, não basta aposentadoria ou BPC, embora sejam o ponto de partida. O fundamental é criar novas formas de inserção social e de cuidados para valorizar o papel desses dois grupos e, com isso, ampliar a solidariedade social com a qual toda a população se beneficia. Em 2025, não se pode adiar mais a pauta da vitória contra os preconceitos em prol de uma visão mais amparada na riqueza da diversidade.

A questão ambiental é a terceira agenda inadiável. Belém sediará a COP em 2025 e o mundo estará de olho no Brasil. Ou ficaremos no centro das críticas internacionais, que realçarão os efeitos negativos de nossa inação, ou mostraremos que, em maior ou menor medida, estamos fazendo a lição de casa e poderemos ser líderes nos próximos anos da causa da sustentabilidade. Leis e planos ambientais foram feitos, muitos com qualidade de fazer inveja a qualquer gringo, mas a governança desse processo e a implementação têm deixado a desejar. É hora de se apostar numa combinação arrojada entre política e administração pública para avançar no plano ambiental.

Não se pode mais adiar a montagem de uma atuação governamental efetiva para preservar e desenvolver sustentavelmente os biomas brasileiros, em especial o Pantanal, o Cerrado e a Amazônia. É uma prioridade para a atual e as próximas gerações. Se falharmos, hipotecaremos o futuro de nossos filhos e netos. Desse modo, desmatamento, queimadas, garimpo ilegal, poluição das águas e depredação de ecossistemas valiosos devem ser eliminados o máximo possível.

2025 deve ser o ano do início da virada também para a política climática, que deve ocupar o centro da agenda pública, não apenas depois que os desastres ocorrerem, mas para evitar que aconteçam ou reduzir seu impacto. Para tanto, será fundamental uma pactuação consistente no plano federativo, com uma ação mais cooperada entre a União, os estados e os municípios. Cidadãos das periferias, políticos do interior, fazendeiros do Centro-Oeste, pescadores da Amazônia, empresários da Faria Lima, todos devem estar unidos nesta tarefa, cujo adiamento terá impactos mais rápidos do que se imagina.

A construção e a viabilização dessas agendas dependem fortemente da reconstrução política do país, após as consequências negativas da Lava-Jato e do governo Bolsonaro. A resolução desse quarto tema é o caminho para não adiar o enfrentamento dos problemas urgentes listados anteriormente. Neste sentido, reduzir a polarização de grande parcela do eleitorado e da classe política, por meio do reforço do debate tolerante sobre diagnósticos e prognósticos de políticas públicas, é uma tarefa inadiável. Como complemento central, reconstruir o relacionamento entre os Poderes, com maior equilíbrio e responsabilização, é uma etapa essencial da luta política de 2025.

A reorganização do ambiente político interno permitirá aprofundar as promessas da Constituição de 1988 e ajustar a agenda geral às novas questões e temáticas do século XXI. Desse modo, 2025 alargaria a porta para o futuro. Só que, no meio desse caminho, há um cenário internacional que tende a ser, no mínimo, muito incerto no ano que vem, com Trump, guerras, ascensão do extremismo, aumento do conflito sino-americano e falta de resolução global do problema ambiental. Neste tabuleiro, a capacidade de o Brasil mudar o rumo das coisas é menor. Todavia, é possível navegar melhor neste mar revolto.

Está aqui a última e mais complexa agenda. O Brasil terá de enfrentar o furacão internacional com muita paciência e parcimônia. Para tanto, o melhor caminho passa pelo apoio ao multilateralismo e à multipolaridade, estabelecendo parcerias com diversos países e regiões. Optar pelo diálogo e evitar conflitos nos quais o Brasil nada pode fazer constituem outro receituário essencial. De resto, é torcer para que não nos esqueçamos, como humanidade, dos erros do passado, evitando uma nova marcha da insensatez.

Na última coluna do ano, só posso desejar um 2025 maravilhoso para todo mundo, especialmente para os que nunca deixam a esperança escapar. Não podemos mais adiar as agendas que nos conectam com um futuro que já está aí e que por vezes fingimos que não chegou.

 

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