O Globo
Há intenção clara da autoridade monetária de
frear a atividade econômica
Quando Donald Trump foi eleito novamente
presidente dos Estados Unidos, ecoou mundo afora a pergunta sobre o futuro da
agenda global de enfrentamento às mudanças climáticas. Da ministra brasileira
do Meio Ambiente, Marina Silva, brotou análise pragmática. Ela disse que a
realidade se impõe, na forma de inundações e seca severa em partes do Brasil;
chuvarada no Saara; nevasca na África do Sul; furacões nos Estados Unidos.
— É possível construir muro para deter
pessoas. Mas não há muro contra furação. Muro não controla a natureza — afirmou
dias antes de embarcar para a COP29, em Baku (Azerbaijão).
Nesta semana, o IBGE reportou inflação oficial de 0,39% em novembro, o que elevou o acumulado em 12 meses para 4,87%, pelo segundo mês seguido acima do teto da meta (4,5%). O grupo Alimentação e Bebidas foi o que mais pesou no IPCA, representando 0,33 ponto percentual no resultado mensal. Carne bovina (+8,02%), café (+2,33%) e óleo de soja (+11%) dispararam, jogando para cima os gastos com alimentação no domicílio. São itens que fecham em alta há três meses consecutivos. E escalando.
No bimestre julho-agosto, a comida que as
famílias brasileiras compram em supermercados, feiras e hortifrútis ficou mais
barata: caiu 1,51% num mês, 0,73% noutro. De setembro em diante, não parou de
encarecer: +0,56%, seguido de +1,22% em outubro e estratosférico +1,81% no mês
passado. Não é por acaso que a mais recente pesquisa Quaest de avaliação do
governo mostrou brasileiros cientes da carestia e frustrados com a economia, a
despeito do vigor do PIB (alta de 0,9% no terceiro trimestre) e do desemprego em
recorde de baixa (6,2% em agosto-outubro).
Na consulta à população entre 4 e 9 de
dezembro, 40% disseram que a economia piorou nos 12 meses anteriores; 68%
reclamaram da perda do poder de compra; 78% perceberam alta no preço dos
alimentos. Toda vez que a comida dispara, o presidente da República perde
popularidade. Desde o início do terceiro mandato, os maiores índices de
aprovação de Luiz Inácio Lula da Silva ocorreram na virada do primeiro para o
segundo semestre, época de deflação de alimentos. Lula bateu 60% de aprovação
em agosto de 2023, durante o ciclo recente mais longo de variação negativa no
custo dos alimentos. Foram quatro meses seguidos de queda: de junho a setembro.
A inflação dos alimentos — fenômeno global
decorrente de problemas com safra, câmbio e cadeias de logística e insumos (em
particular, fertilizantes oriundos da Rússia) — tem produzido mal-estar no
eleitorado também em terra estrangeira. Joe Biden, presidente que se despede no
mês que vem da Casa Branca, não conseguiu emplacar a candidatura da vice,
Kamala Harris, também em razão da percepção consolidada de que o custo de vida
era menor com Trump. E era.
A inflação dos alimentos nos Estados Unidos
começou a acelerar no início da pandemia, na gestão do ex-presidente; bateu 11%
sobre o ano anterior em meados de 2022, já sob Biden; e desacelerou. As
remarcações perderam fôlego, mas os preços não caíram. Quem é brasileiro sabe
como funciona. Na França, houve o mesmo: pressão na pandemia, pico de 15% no
primeiro trimestre de 2023, estabilização. O presidente Emmanuel Macron, no
centro de uma crise política grave, também perdeu popularidade pela carestia.
Não foi por acaso que, na última reunião do
G20, no Rio de Janeiro, a declaração dos chefes de Estado fez referência a
“reagir a pressões do custo de vida” e aos impactos negativos da guerra
Rússia-Ucrânia “no que diz respeito à segurança alimentar”. Está claro que
inflação em alta, comida cara, escassez de alimentos drenam capital político de
incumbentes e ajudam a pôr democracias em risco.
O Comitê de Política Monetária (Copom) não
erra quando se compromete a perseguir a meta de inflação, atribuição prevista
em lei. Mas exagerou anteontem, ao impor ao país um choque de juros para mudar
a trajetória do IPCA, estimado em 4,8% neste ano e 4,6% no próximo. O ponto
percentual a mais na Selic neste dezembro e outros dois pontos, divididos nas
reuniões de janeiro e março, levarão a taxa básica a 14,25% no fim do primeiro
trimestre de 2025. É nível de uma década atrás, quando o IPCA caminhava para uma
variação de dois dígitos — fechou em 10,67% em 2015.
Há intenção clara da autoridade monetária de
frear a atividade econômica — e, com ela, investimentos produtivos, negócios da
construção civil e do varejo, crédito ao consumidor —, além de tirar o mercado
de trabalho do que economistas chamam de pleno emprego. Está evidente a pressão
por equilíbrio nos gastos públicos, embora o salto nos juros fermente a dívida
pública em volume bem superior à economia proposta por Fernando Haddad,
ministro da Fazenda, no recém-apresentado — e, para os agentes financeiros, sempre
insuficiente — pacote fiscal.
Neste ano, o Brasil terá queda de 6,7% na
safra agrícola, resultado das turbulências climáticas, expressão usada pela
ministra do Meio Ambiente. Por isso, alimentos encarecem. Refém do livro-texto
de outros carnavais, falta o BC responder se há nível de juros capaz de
derrubar o preço da carne, se o pasto arder em chamas; o valor do café, quando
a plantação congelar; o quilo do arroz em campos inundados. Não há Selic que
controle a natureza. É realidade que se impõe.
Um comentário:
" Há intenção clara da autoridade monetária de frear a atividade econômica. "
Há, mesmo ? Certeza ?
🤔🤔🤔
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