Incêndios florestais devem ser tratados como prioridade
O Globo
Neste ano, as chamas destruíram uma área da
Amazônia mais de dez vezes maior que o desmatamento
As chamas têm sido mais devastadoras para a Amazônia que as motosserras. Dados do Monitor do Fogo do MapBiomas, baseados em informações de satélites, revelam que, de janeiro a outubro, incêndios destruíram uma área da floresta mais de dez vezes superior ao desmatamento registrado entre agosto de 2023 e julho de 2024 — 6,7 milhões de hectares ante 650 mil hectares. Com uma agravante: o Brasil sabe como combater o desmatamento — e a redução recente na área desmatada na Amazônia e no Cerrado é prova disso —, mas tem se revelado incapaz de deter o fogo.
A combustão tem se alastrado pelo país.
Somente em outubro, arderam 5,2 milhões de hectares, 18,8% do total do ano,
área equivalente à do Rio Grande do Norte. Incêndios florestais costumam
decorrer de ação humana — geralmente agricultores acostumados a pôr fogo na
terra para o plantio perdem controle das chamas. É comum as queimadas se
alastrarem, destruindo vegetações nativas e florestas, sobretudo durante a
seca.
De janeiro a outubro, mais da metade dos
incêndios foi registrada na Amazônia — 55%, ou 15,1 milhões de hectares. No ano
passado, o bioma contribuíra com 21% das queimadas. Em outubro, com 73%. Não
apenas a Amazônia preocupa. No período, 9,4 milhões de hectares do Cerrado
foram queimados, 8 milhões em terras de vegetação nativa, aumento de 97% em
relação aos mesmos dez meses do ano passado. No Pantanal, 1,6 milhão de
hectares viraram cinzas, crescimento de 1.017%. Na Mata Atlântica foram 993 mil
hectares, 71% deles em pastos. No Pampa e na Caatinga, as queimadas
retrocederam. Mesmo assim, 85% das áreas atingidas foram de vegetação nativa.
O poder público precisa tratar os incêndios
florestais como prioridade. Não bastam campanhas de esclarecimento e vigilância
contra as queimadas. Para combater as chamas, também não adianta depender de
bombeiros treinados para apagar fogo urbano. Equipamentos — como aviões — e
pessoal necessários são distintos. Há no Brasil capacidade e conhecimento
suficientes para implementar os programas necessários. No Consórcio Amazônia
Legal (CAL), foi apresentado há quase quatro anos um projeto de R$ 250 milhões
voltado a prevenção e combate de incêndios. Parou na burocracia do Banco
Mundial. Outro projeto foi apresentado ao Fundo Amazônia, até agora sem
resultado. “Sabemos o que temos de fazer, mas a falta de capacidade
institucional proíbe avançar na velocidade necessária”, diz Marcello Brito,
secretário executivo do CAL.
O governo se queixa da falta de colaboração
entre entes federativos, mas só lançou um pacote nacional contra incêndios em
setembro, com o fogo ardendo. É necessário agir antes. Eventos climáticos
extremos, como secas, têm se tornado mais frequentes e mais intensos. O
consórcio World Weather Attribution (WWA), que usa modelos estatísticos para
avaliar a influência do aquecimento global nesses eventos, comprovou o papel do
aquecimento global na seca que atingiu a Amazônia em 2023 e se agravou neste
ano.
“Queimadas não respeitam lei, fiscalização ou
pactos políticos; não existe refúgio ambiental a salvo do fogo”, escreveu o
ex-prefeito de Paragominas (PA) Adnan Demachki. “A nova realidade dos incêndios
florestais representa, na atualidade, a maior ameaça ao futuro da Amazônia.” O
Brasil não pode se dar ao luxo de ignorar o alerta.
Autoridades pedagógicas precisam gerar
estímulos para criar leitores
O Globo
Pesquisa constata que, pela primeira vez,
aqueles que não leem livros superam os que leem
É frustrante a diminuição de leitores no
país, constatada pela 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil,
feita pelo Ipec com 5.504 entrevistados em 208 municípios. Pela primeira vez
desde o início da série histórica, em 2007, há mais não leitores (53%) que
leitores (47%). A queda ocorreu em praticamente todas as faixas etárias,
classes sociais e níveis de escolaridade. Os que afirmam não gostar de ler
(29%) também superam os que dizem gostar muito (26%). Nos últimos cinco anos,
6,7 milhões de brasileiros abandonaram os livros, de acordo com o levantamento.
O não leitor é definido como quem não leu nem
parte de um livro, físico ou digital, de qualquer gênero nos três meses
anteriores ao levantamento. Apenas 27% disseram ter lido uma obra inteira no
período. A média de publicações lidas no ano caiu, de 2,6 para 2,4. A maioria
(85%) apontou a própria casa como lugar de leitura. Salas de aula foram citadas
por apenas 19%, menor índice já registrado, queda de 4 pontos percentuais em
relação ao último levantamento, em 2019.
Diversos fatores respondem pela diminuição
dos leitores. Um deles é a pandemia. As quarentenas diminuíram a alfabetização,
afetaram o aprendizado dos mais jovens e a distribuição de livros. Outro fator
é o aumento do tempo de tela. Entre não leitores, 70% disseram usar a internet
nos momentos livres. “As telas estão roubando o tempo do livro”, diz a
socióloga Zoara Failla, coordenadora da pesquisa.
É conhecida a atração exercida por redes
sociais e aplicativos de mensagens. Mas a leitura pode conviver com tudo isso,
como convive com o cinema e a TV. Livros ainda têm seu apelo, como demonstra o
sucesso de feiras, festivais literários e bienais do livro. A 27ª Bienal de São
Paulo, em setembro, atraiu mais de 700 mil visitantes, com editoras festejando
recordes de vendas. A Flip, em Paraty, reuniu quase 30 mil frequentadores em
outubro.
Chama a atenção na pesquisa a baixa
influência das escolas no incentivo à leitura. Apenas 4% disseram que liam por
recomendação escolar, parcela que já foi de 25% em 2011. Autoridades
pedagógicas deveriam se debruçar sobre tais resultados e buscar estratégias
para reverter a queda. A escola tem papel fundamental no estímulo aos livros,
ao abrir portas para o mundo da literatura. Além de ampliar o vocabulário, o
conhecimento e melhorar a convivência com o idioma, a leitura desenvolve o
pensamento crítico, expande fronteiras para os estudantes. A proibição de
celulares em salas de aula é momento oportuno para trocá-los pelos livros.
Em vez de aliado na formação e no
desenvolvimento do cidadão, o livro lamentavelmente passou a ser visto como
vilão. Nos últimos anos, em diferentes estados, sob variados pretextos,
secretarias de Educação e
escolas se dedicaram a proibir publicações — em alguns casos, obras consagradas
da literatura — em nome de convicções políticas, preconceitos ou exageros na
doutrinação do “politicamente correto”. Governos e educadores em especial
deveriam incentivar livros, não proibi-los. O Brasil só teria a ganhar.
UE e Brasil reagem à onda protecionista e
fecham acordo
Valor Econômico
Com o acordo, o Brasil reafirma sua posição de comerciante global, a mais vantajosa em um mundo que ensaia nova divisão em blocos cercados por muralhas protecionistas
Mercosul e União Europeia chegaram a um
acordo final para concluir a maior aliança comercial de suas histórias. Depois
de um longo e acidentado percurso de quase 25 anos, a presidente da Comissão
Europeia, Ursula von der Leyen, deslocou-se até a cúpula do Mercosul em
Montevidéu para encerrar a negociação que une 32 países, envolve um PIB
conjunto de US$ 22,37 trilhões e 731 milhões de pessoas. O cisma entre EUA e
China, os novos capítulos de uma guerra tarifária anunciada pelo presidente
eleito dos EUA, Donald Trump, e o avanço rápido da China na América Latina
foram determinantes para que a UE decidisse passar por cima de grandes
dissensões internas e fechar um entendimento de grande alcance.
Para o Brasil, um dos países mais fechados ao
comércio do mundo, o desfecho representa uma brisa de competição em mercados
ultraprotegidos por tarifas altas. As exportações brasileiras poderão penetrar
em novos segmentos do mercado europeu, especialmente protecionista nas
importações agropecuárias, que beneficia uma produção altamente subsidiada. A
França, um ícone europeu de subsídios e defesa de mercado, é o país que mais se
opõe ao entendimento com o Mercosul e poderá interromper a execução do acordo
se, no Conselho Europeu, reunir mais três países que concordem com ela e somem
35% da população da UE.
Com o acordo, o Brasil reafirma sua posição
de comerciante global, a mais vantajosa em um mundo que ensaia nova divisão em
blocos cercados por muralhas protecionistas. Há bom entendimento com o
principal parceiro comercial, a China, com a qual o Brasil mantém também laços
políticos no Brics, haverá uma relação mais estreita com o segundo maior
parceiro, a UE, e o país tem relações amistosas (até agora) com o terceiro
maior, os EUA.
A União Europeia buscou romper sua posição de
isolamento diante do conflito predominante entre China e Estados Unidos. O
salto para frente do acordo com o Mercosul lhe dará perspectivas melhores do
que a de vítima passiva dos aumentos de tarifas de Trump e de se antepor à
ofensiva de investimentos e de mercadorias baratas provenientes da China em seu
território. Von der Leyen deixou claro que, política e economicamente, fez o
que a UE deveria fazer: “Em um mundo cada vez mais conflituoso, demonstramos que
as democracias podem confiar umas nas outras. Esse acordo não é apenas uma
oportunidade econômica, é uma necessidade política”. Foi uma resposta, disse,
aos “fortes ventos estão soprando na direção oposta, em direção ao isolamento e
à fragmentação”.
A liberação comercial trazida pelo acordo é
conhecida - o Mercosul reduzirá tarifas em 91% das linhas tarifárias para
produtos comprados da UE e esta, por sua vez, 95% das linhas tarifárias, em um
prazo variável de 4 a 15 anos, com exceção da indústria automotiva. Ainda que
com cotas, há vantagens para o Brasil na exportação de carnes, frutas, milho,
sorgo, etanol, queijos etc. Os europeus podem almejar ingresso mais fácil no
Mercosul para produtos farmacêuticos e químicos, por exemplo.
O acordo foi anunciado pelo governo Bolsonaro
em 2019, mas não estava concluído. O problema era o próprio Bolsonaro, cuja
política ambiental horrorizou o mundo e a UE, que passou a exigir mais
garantias ambientais. Ao assumir, Lula exigiu mudanças no item de compras
públicas, parte da política industrial que começou a implantar. Os diplomatas
entraram em campo e costuraram um meio termo em que os dois blocos cedem.
Haverá um mecanismo de solução de controvérsias e arbitragem no caso de
decisões unilaterais de Bruxelas, que adiou uma lei antidesmatamento polêmica.
A UE exigiu que o Acordo de Paris seja
respeitado e sua violação, motivo para suspensão do acordo. Mercosul e UE
concordaram em reforçar compromissos ambientais, rechaçando barreiras
“desnecessárias” ao comércio. Por outro lado, a UE se comprometeu a utilizar
dados do Mercosul na avaliação de conformidade das exportações com a legislação
europeia. Igualmente importante: as medidas ambientais futuras deverão ser
consistentes com as regras da Organização Mundial do Comércio e baseada em
informações científicas.
Na questão das compras governamentais, o
Brasil excluiu participação externa nas aquisições do SUS e preservou margem de
preferência para produtos e serviços nacionais. O Brasil também se reservou o
direito de restringir exportação de minerais críticos e abriu possibilidade de
taxar essas vendas para a UE em 25%, o que não existia no trato anterior.
Por desejo do governo Lula, criou-se proteção
especial ao setor automotivo em detrimento da agenda ambiental. Ele ficará
protegido por tarifas até 18 anos, no caso de importação de carros elétricos e
híbridos, de até 25 anos em carros a hidrogênio e nos de novas tecnologias, 30
anos, em um retrocesso inexplicável. Foi criada inédita salvaguarda, para
prevenir danos à indústria doméstica advindo de importações. O Brasil poderá
suspender então a desgravação tarifária por até 5 anos. As montadoras europeias
instaladas no Brasil detêm a maior parte do mercado nacional, onde não há
indústria brasileira no setor. O governo Lula criou uma reserva de mercado para
protegê-las de concorrentes chineses e asiáticos.
Sacrifícios da Argentina sob Milei não podem
ser em vão
Folha de S. Paulo
Mandatário faz ajuste que gera recessão, mas
resultados começam a aparecer com queda da inflação e retomada da atividade
É inevitável que o desempenho de Javier Milei,
prestes a completar um ano à frente do governo argentino, seja avaliado
primordialmente à luz dos resultados da economia.
Foi a ruína produzida pelo peronismo, afinal, que o levou à Casa Rosada com a
promessa de ajustes liberais duríssimos —e sem dúvida necessários, embora se
possam questionar alcance e dosagem.
A esta altura, parece sólida a posição
política de Milei. Cortes draconianos nos gastos públicos causaram
recessão e aumento da pobreza, como o próprio mandatário anunciara,
mas os avanços no controle da inflação têm
sustentado sua popularidade.
Ficam em segundo plano, ao menos até aqui,
aspectos controversos como o alinhamento a Donald Trump e Jair
Bolsonaro (PL), a intolerância contra
adversários, o conservadorismo retrógrado na pauta de costumes e o
negacionismo climático.
Milei promoveu um ajuste orçamentário
inaudito, a ponto de ter levado as contas do governo a um superávit antes
impensável. Para tanto, congelou aposentadorias, demitiu servidores e eliminou
programas. Contou, é verdade, com ajuda inicial da inflação, que corroeu o
valor real das despesas públicas.
O resultado imediato foi a contração da
economia, concentrada no primeiro semestre. O PIB deve
recuar cerca de 3% em 2024, e a pobreza atingiu 52,9% da população, alta de
11,2 pontos percentuais —ressalve-se que os critérios para tal medição são
muito mais rigorosos lá do que no Brasil.
A desvalorização do peso de 54% no início do
mandato e a liberação de tarifas de serviços públicos impulsionaram a inflação
já exorbitante herdada do antecessor. Depois do choque, entretanto, a variação
mensal dos preços vem caindo mês a mês.
Em outubro, a alta ficou em 2,7%, e
especialistas esperam menos de 35% em 2025, ante 120% neste ano. Acabou,
ademais, o financiamento do governo por meio de emissão de moeda.
A economia recebeu a ajuda do aumento da
colheita de grãos, que deve trazer divisas e, com isso, a atividade começou a
se expandir —espera-se avanço do PIB de 3,5% no próximo ano.
O maior desafio pela frente diz respeito às
contas com o exterior, dada a falta de reservas em dólar no
país vizinho. As cotações
do dólar ainda são controladas, bem como transações externas.
Liberalizar o fluxo cambial poderá desvalorizar a moeda e elevar novamente a
inflação. Mas o governo deve contar com boa vontade e recursos do Fundo
Monetário Internacional (FMI).
Não se sabe, porém, se Milei dará esse passo
polêmico antes das eleições legislativas de outubro de 2025, quando tentará
ampliar o peso de seu partido para aprofundar os ajustes.
Mais importante é que se consolide na Argentina um
consenso mínimo em torno de bons princípios de gestão do Orçamento e da
economia, para que os avanços sejam duradouros —e os sacrifícios de agora não
sejam em vão.
Colocar a política de desarmamento em prática
Folha de S. Paulo
Apesar de mudanças na retórica e nas regras,
governo adia transferência de controle para PF e cede a lobby no Congresso
O Brasil ainda caminha a passos lentos para
reverter o obscurantismo armamentista que prevaleceu sob Jair
Bolsonaro (PL).
Em 2023, o governo Lula Inácio
Lula da Silva (PT)
instituiu regras para conter a escalada pró-armas que se deu por normas
infralegais adotadas na gestão anterior. As medidas visam principalmente os
CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), grupo no qual o acesso a armas e
munições aumentou exponencialmente.
O desafio agora é, de um lado, tirar as novas
normas do papel e, de outro, conter o lobby armamentista no Legislativo. A
administração petista, contudo, tem falhado nas duas frentes.
Na quinta (5), Ricardo
Lewandowski, ministro da Justiça, revelou que o governo
descumprirá o que previu em 2023, ao atrasar a transferência da
fiscalização dos CACs do Exército para a Polícia
Federal, que começaria em 2025.
Alegando falta de recursos para efetivo e
equipamentos, o ministro adicionou mais seis meses para que a PF assuma a
tarefa.
Não se trata de questão burocrático menor. A
demora sinaliza desorganização do governo Lula e diminuição da importância da
agenda de controle de armas no país. Se de fato considerasse o tema
prioritário, os recursos necessários teriam sido alocados para que a
transferência respeitasse o prazo previamente delimitado.
Os números mostram como é crucial concluir a
mudança da fiscalização para Polícia Federal.
O Exército
falhou de maneira retumbante em sua função de controlar os
CACs. Relatório do Tribunal de Contas da União deste ano revelou que a
instituição liberou ou renovou acesso a armas a mais de 5.000 condenados na
Justiça por crimes como roubo e tráfico de drogas.
Outro sinal de fragilidade da política
desarmamentista do Planalto fica evidente com as idas e vindas do decreto sobre
clubes de tiro. No último dia 3, Lewandowski admitiu que o novo decreto, que
enfrentou forte resistência no Congresso
Nacional, liberará
clubes de tiro já instalados em locais próximos a escolas.
Inábil para lidar com esses percalços, o
governo não tem conseguido nem mesmo pautar outros pontos relevantes sobre o
tema, como a recompra de armas longas, que entraram em circulação no país com a
flexibilização das regras por Bolsonaro.
Urge retomar a conquista civilizatória representada pelo Estatuto do Desarmamento, que limita posse e porte de armas e munições no Brasil desde 2003. O governo Lula ainda precisa provar que leva a sério esse desafio e colocar em prática sua retórica.
A encruzilhada histórica da Síria
O Estado de S. Paulo
Ninguém cioso dos direitos humanos deixará de
se alegrar com a queda de um dos maiores criminosos da nossa era. Mas o novo
capítulo pode ser mais brutal e dilacerar a Síria por gerações
Na manhã de ontem, enquanto o ditador sírio
Bashar al-Assad voava de Damasco para Moscou, os extremos se tocaram no coração
dos sírios: por um lado, alívio com a derrocada de uma tirania sanguinária de
mais de 50 anos; por outro, angústia com um futuro absolutamente imprevisível.
Entre muitos protagonistas internacionais
envolvidos no conflito, a Turquia, que apoia grupos rebeldes no norte da Síria,
foi o mais óbvio vencedor. Os sustentáculos do regime de Assad – Rússia e Irã
(e o Hezbollah, a milícia xiita libanesa apoiada por Teerã) – foram os maiores
derrotados. Israel e os EUA podem celebrar a queda da dinastia alauita ante a
maioria sunita. Mas a perspectiva de um governo jihadista em Damasco não
permite otimismo, nem para eles, nem para as minorias curdas ou cristãs na Síria,
nem para os Estados árabes sunitas do Golfo.
A dinastia Assad foi responsável por
assassinar mais de 500 mil sírios. Desde o início da guerra civil, após a
brutal repressão de protestos na onda da Primavera Árabe, 600 mil sírios
morreram, 13 milhões foram deslocados, 6,8 milhões fugiram do país e, dos 15
milhões remanescentes, 90% vivem na miséria.
O regime já estava em frangalhos em 2012,
quando uma coalizão heteróclita – que envolve desde fanáticos islâmicos ligados
à Al-Qaeda, o Estado Islâmico, paramilitares apoiados pela Turquia até milícias
curdas apoiadas por Estados ocidentais esperançosos de estabelecer uma
democracia – se rebelou. Mas os Assads eram aliados próximos da Rússia desde a
guerra fria, e Vladimir Putin não abandonaria suas bases navais na costa
mediterrânea síria. Assad tornou-se o mais importante aliado da teocracia
iraniana na região. Juntos eles perpetraram os maiores massacres no Oriente
Médio nos tempos modernos, sob a leniência da comunidade internacional,
marcadamente dos EUA sob Barack Obama, que viu suas “linhas vermelhas” serem
rompidas uma após a outra, sem reação.
Uma Rússia distraída pela guerra na Ucrânia e
o “Eixo de Resistência” liderado por um Irã debilitado pelos golpes de Israel
nos últimos meses foram de longe o fator decisivo para o fim de Assad. Em duas
semanas, suas forças fugiram em debandada ante os avanços fulminantes dos
rebeldes. Sua queda marca uma mudança sísmica no equilíbrio de poder na região.
Uma prioridade para a comunidade
internacional é garantir que os estoques de armas químicas na Síria não caiam
nas mãos dos jihadistas. A Força Aérea israelense já bombardeou uma delas
ontem.
Muito do que acontecerá na sequência
dependerá do Hayat al-Sham (HTS), o grupo que liderou a recente ofensiva. Ele
vem governando com alguma competência, dadas as circunstâncias, a província de
Idlib, pediu moderação aos seus correligionários e prometeu tratar com
dignidade as minorias cristãs e curdas e até os alauitas. Mas até 2017 o HTS
era filiado à Al-Qaeda, e suas relações com outros rebeldes são convolutas. Ele
tem rusgas ideológicas com o Exército Nacional Sírio apoiado pela Turquia, tem
um histórico de hostilidade aos curdos e é classificado como uma organização
terrorista tanto por Estados árabes quanto ocidentais, o que complica quaisquer
negociações. A Turquia é agora um protagonista-chave, e todos os olhos e
esforços diplomáticos devem se voltar a Ancara.
É certo que a partir de agora se abriu um
novo capítulo para a história da Síria e do Oriente Médio, mas qualquer
previsão é temerária. A queda de Assad e a humilhação de Teerã e do Hezbollah
podem levar a uma Síria e a um Líbano mais tolerantes? Não é impossível, mas o
caminho é tortuoso, e a porta para a paz é estreita. E ela pode ser facilmente
trancada pelas disputas intestinas dos rebeldes. O próximo capítulo pode ser
muito mais brutal e a Síria pode ser dilacerada e sangrar por gerações.
Qualquer pessoa ciosa dos direitos humanos
não pode deixar de sentir uma ponta de alegria com a derrocada de um dos
maiores criminosos de nossa era. Mas as palavras de Henry Kissinger a propósito
da Guerra Irã-Iraque nos anos 1980 repercutem com extraordinária atualidade: é
uma pena que ambos os lados não possam perder.
A chantagem dos privilegiados
O Estado de S. Paulo
Judiciário e MP viram as costas para o País
ao gritar em uníssono contra pacote fiscal que dá fim aos penduricalhos que
fazem seus salários extrapolarem em muito o teto constitucional
O pacote fiscal anunciado pelo ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, é tíbio por não conter medidas que representem um
corte de gastos à altura do que o País precisa para reequilibrar o Orçamento.
Seria uma estrepitosa surpresa se o presidente Lula da Silva, que dorme e
acorda em modo eleição, autorizasse uma expressiva redução dos gastos públicos.
Dito isso, é de justiça reconhecer que o governo acertou em cheio ao mexer em
um vespeiro: os privilégios da elite do funcionalismo, em particular dos servidores
do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Prova maior disso foi a gritaria em uníssono
dessas castas pouco após o anúncio do pacote, um sinal inequívoco de que seus
privilégios foram ameaçados como poucas vezes em tempos recentes. No dia 4
passado, várias associações que representam os interesses classistas de
magistrados, promotores e procuradores vieram a público condenar, em termos
vergonhosos à luz da realidade econômica do País, o plano do governo para
acabar com a farra das “verbas indenizatórias” pagas sem o abatimento pelo teto
constitucional.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
enviada pelo governo ao Congresso põe limite ao pagamento da miríade de
penduricalhos que abarrotam os holerites de Suas Excelências com muitos
milhares de reais a mais do que a Constituição autoriza. De acordo com a PEC,
só deverão ser pagas fora do teto “as parcelas de caráter indenizatório
expressamente previstas em lei complementar de caráter nacional aplicada a
todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos”.
Como se sabe, o teto do funcionalismo, como
determina a Constituição, é o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal,
hoje fixado em R$ 44.008,52 – valor que será reajustado para R$ 46.366,19 em
1.º de fevereiro de 2025. Com os penduricalhos, porém, não é incomum que
juízes, desembargadores, promotores e procuradores cheguem a receber
vencimentos que superam em muitas vezes esses valores em um único mês. É uma
vergonha, tanto pela natureza exótica de alguns desses mimos como,
principalmente, pelo abastardamento da República, que não admite privilégios de
qualquer natureza entre os cidadãos.
Nenhuma manifestação contrária ao pacote,
porém, foi tão descabida como a do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
(TJ-SP), o maior do País. Em nota, o TJ-SP classificou o plano de corte de
gastos do governo como um “retrocesso”, além de representar uma ameaça, pasme o
leitor, aos “direitos consagrados da magistratura nacional”. Sim, para a
Justiça paulista, cujos servidores, como tantos outros do Poder Judiciário, já
são muitíssimo privilegiados, receber salários acima do limite imposto pela
Constituição e, como se isso não bastasse, por meio de benefícios financeiros
não raro autoconcedidos e isentos de Imposto de Renda é tratado como um
“direito consagrado”.
Em tom apocalíptico, o TJ-SP ainda chantageou
o governo e o Congresso afirmando que, se o pacote for aprovado, haverá um
“êxodo de magistrados” em Tribunais de Justiça de todo o País. Se já é difícil
encontrar cabeça de bacalhau até nesta época natalina, que dirá um juiz que
tenha eventualmente abandonado a carreira por insatisfação salarial.
De costas viradas para o País e para o enorme
desafio de reequilibrar as finanças públicas, o Poder Judiciário, não
satisfeito, ainda aprovou para os seus a volta do Adicional por Tempo de
Serviço, o chamado quinquênio, em desabrida afronta ao Congresso, que ora
delibera sobre o tema. O quinquênio, como se sabe, é o aumento automático de 5%
nos vencimentos dos magistrados a cada cinco anos de trabalho. Um levantamento
do Estadão mostrou que 19 dos 33 Tribunais de Justiça e Regionais
Federais do País pagaram esse benefício infame aos seus juízes entre 2023 e
2024.
Fosse o Poder Judiciário brasileiro o mais
eficiente do mundo, ainda assim a pletora de privilégios que seus membros
recebem não se justificaria, ao menos não em uma República digna desse nome.
Ode imprópria
O Estado de S. Paulo
Com vídeo em que se compara a civis, Marinha
escolheu hora e tom inadequados para defender a carreira
Foi inconveniente, para dizer o mínimo, o
vídeo divulgado pela Marinha do Brasil nas redes sociais – uma peça
publicitária lançada a pretexto do Dia do Marinheiro e convertida em crítica
velada ao pacote de revisão dos gastos públicos, anunciado recentemente pelo
ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Uma crítica, aliás, nem tão velada assim:
em 1 minuto e 16 segundos, o vídeo, cuja música de fundo é Cisne Branco,
hino da Marinha, alterna cenas de civis em atividades cotidianas, como momentos
de família, esportes, lazer e viagens, com imagens de militares da Marinha em
tarefas grandiosas, treinamentos intensos e operações oficiais. A mensagem,
implícita ou explícita, sugere que militares dão duro na defesa do Brasil, com
uma rotina repleta de sacrifícios e responsabilidades, enquanto civis flanam na
vida boa dos privilégios.
“Privilégios? Vem para a Marinha”, pede uma
jovem militar. A comparação, por si, já seria constrangedora em circunstâncias
normais, já que, no geral, se pode dizer que milhões de brasileiros enfrentam
jornadas de trabalho muito mais exaustivas do que a de militares e dispõem de
escassa ou nenhuma proteção social, ao contrário dos soldados. Mas o episódio
ganhou ares de polêmica, primeiro, pelo fato de a alta cúpula da Marinha ter
avalizado o filme, já que foi publicado nas redes sociais oficiais – e lá ficou;
segundo, porque o vídeo foi lançado poucos dias depois do anúncio do pacote. O
requinte da provocação foi além: não passou despercebido o fato de no vídeo
aparecer um soldado muito parecido com Haddad, que passou os últimos dias
tentando convencer o País de que o conjunto de medidas não é de todo ruim. Pois
não só é ruim, como sacramentou a convicção de que apenas com muita boa vontade
é possível acreditar que o governo produzirá alguma iniciativa efetiva para
reequilibrar as contas públicas.
Com medidas insuficientes e um anúncio
desastrado, o pacote prevê, por exemplo, a adoção da idade mínima de 55 anos
para que militares possam ir para a reserva, a extinção da chamada “morte
ficta” – que permite a concessão de pensões a dependentes de militares expulsos
– e limitações na transferência de pensões para herdeiros. O mal-estar se
concentra na proposta da nova idade mínima, que interfere na regra dos sete
anos de permanência em cada patente da carreira militar. No plano negociado
entre a Fazenda e o Ministério da Defesa, a transição para que a regra da idade
mínima passe a valer será até 2032. É muito provável que a cúpula da Marinha
tenha usado o vídeo para afagar a tropa incomodada. Não raro militares
argumentam que a carreira já tem baixa atratividade – o que muitos veem como
privilégios eles enxergam, não sem alguma razão, como singularidades e
compensações próprias da carreira.
São inquestionáveis as peculiaridades e privações a que são submetidos integrantes das Forças Armadas, assim como é legítimo o debate sobre se as medidas que os atingem são adequadas e justas ante tais singularidades. Mas a Marinha do Brasil não poderia ter escolhido momento, lugar e tom mais inconvenientes e menos úteis à causa que deseja defender. Ao contrário, o vídeo produziu o impensável: fez parecer que o pacote de Haddad mexe, de fato, em gastos, desperdícios e privilégios.
IA na automação de negócios
Correio Braziliense
No Brasil, a rede de apoio aos empreendedores
precisa ser ampliada para que todo o potencial seja alcançado
Em ritmo acelerado, a inteligência artificial
(IA) se consolida como uma força transformadora no mercado de trabalho global.
Estudos diversos mostram que os avanços contínuos da tecnologia estão
redefinindo as formas e as relações no desempenho das mais variadas funções.
Além do processo produtivo, a automação vem modificando os modelos mundiais de
atendimento ao cliente, especialmente das pequenas e médias empresas. Mas, no
Brasil, a rede de apoio a esses empreendedores precisa ser ampliada para que todo
o potencial seja alcançado.
Na atualidade, a qualidade na prestação de
serviços e a eficiência nas respostas aos consumidores são determinantes para o
desenvolvimento dos negócios. Com a aplicação da IA, os profissionais podem
melhorar o rendimento das tarefas e ter à sua frente novas oportunidades de
crescimento. Porém, esse cenário exige investimento financeiro e uma
requalificação constante do quadro de pessoal, o que, no país, ainda não
acontece.
Estudo publicado pela Harvard Business Review
aponta que organizações que se comunicam rapidamente com o público têm
probabilidade significativamente maior de conquistá-lo. Porém, a realidade
brasileira mostra que muitos empresários ainda estão patinando nesse universo
de possibilidades e tendo de se posicionar diante do grande capital sem ter as
mesmas facilidades. Esses desafios, decorrentes de recursos limitados e
processos manuais ineficientes, precisam ser superados para que a engrenagem da
economia no Brasil não seja comprometida.
Consultorias especializadas e personalizadas
para identificar falhas nas respostas, além de acesso a financiamentos, são
fundamentais para democratizar a automação do processo de comunicação entre
quem oferece e quem procura o serviço. A transformação digital aplicada
diretamente nas relações de contato pode aumentar o faturamento e,
principalmente, significar a sobrevivência no mercado. Além disso, a clareza e
a assertividade no contato evitam retrabalhos e confusões na entrega do
serviço.
Mas gerenciar e dar suporte a múltiplos
canais não são atividades simples. No país, é comum que muitos prestadores de
serviço lidem com dificuldades de atendimento por meio até do WhatsApp, uma
ferramenta já difundida e com entrada amplamente facilitada.
Em um mundo que não para, a IA é uma estratégia competitiva essencial para identificar lacunas e soluções no atendimento ao cliente. Porém, conseguir se adaptar à era digital de maneira prática e acessível é uma questão que se coloca no dia a dia dos empreendedores. No Brasil, os governos e as instituições precisam intensificar o apoio nessa área para que as pequenas e médias empresas possam prosperar no atual mundo dos negócios, atendendo as demandas de um consumidor cada vez mais exigente em diversos quesitos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário