Folha de S. Paulo
Dante pôs no Oitavo Círculo do Inferno
Adivinhos, Sedutores, Aduladores, Corruptos, Ladrões do sagrado, Maus
conselheiros, Semeadores da discórdia
Dante, em "A
Divina Comédia", colocou os adivinhadores no Oitavo Círculo do
Inferno, com a cabeça torcida, voltada para as costas, com as lágrimas molhando
as nádegas, de maneira que não conseguem olhar para a frente. Essa é a punição
por alegarem saber o futuro que estaria ao alcance apenas de Deus.
"Predição é muito difícil. Especialmente se for sobre o futuro", a frase é de um dos criadores da física quântica, Niels Bohr. Estimar um modelo com base em um conjunto de dados/variáveis do passado é uma coisa. É como prever o presente. Mas prever resultados futuros ("out of sample") é muito mais complexo, exigindo supostos sobre o papel de fatores ainda desconhecidos. Muitas previsões são muito complexas; outras simplesmente impossíveis.
Previsões por cientista políticos e
economistas têm algo em comum: estão ancoradas em expectativas sobre
expectativas. A metáfora de Keynes sobre um hipotético concurso cujos participantes
deveriam escolher —com base nas fotografias de centenas de candidato(a)s— os
mais atraentes, e serem premiados pela previsão correta quanto ao vencedor é
clássica; ela permite uma distinção entre a preferência do analista e a dos
demais, cuja agregação determinará o resultado final. Apostar no que desejamos
que aconteça é fonte permanente de autoengano. Mas é o mais comum. No contexto
atual da polarização as predições confundem-se com torcida partidária e politicamente
tribal.
A metáfora captura outra distinção: não se
trata apenas da opinião pura e simples do participantes, mas da percepção que
têm sobre a avaliação que a média das pessoas farão. A premiação é para quem
acertar o vencedor, e todos farão o cálculo com base em expectativas do
conjunto de participantes. A analogia aqui é com a bolsa: o que um indivíduo
pensa sobre o valor de uma ação não importa, mas, sim, o que os demais pensam a
respeito; ou mais importante, que previsões fazem sobre a avaliação média do
mercado sobre a ação.
O mesmo vale para o voto. Tanto o
comparecimento quando o voto em si são função de expectativas sobre os
resultados eleitorais.
Fenômenos de enorme importância política,
como a Primavera Árabe, a queda do Muro de Berlim e a eleição de Trump, não foram antecipados por nenhum analista.
Muitos destes eventos raros (no jargão, a "cauda longa")
caracterizam-se por processos que se aceleram dramaticamente e eclodem
subitamente. Timur Kuran identificou "cascatas informacionais" que
deflagram efeitos manadas e que não são observáveis pelos analistas por que
os atores sociais falsificam suas preferências. De repente
milhões de apoiadores de uma causa aparecem do nada. Ou se recusam a responder
a pesquisas de opinião, introduzindo vieses.
Fazer previsões oscila entre hubris e
charlatanismo, mas elas são inevitáveis e devem ser vistas como chutes
fundamentados.
No Oitavo Círculo, os Adivinhos têm por
companhia Sedutores, Aduladores, Simoníacos, Corruptos, Hipócritas, Ladrões do
sagrado, Maus conselheiros, Semeadores da discórdia, Alquimistas. Muitos deles Dante Alighieri identifica pelo nome: são
personagens reais da política fiorentina e da história. Penso em quão longa
seria a lista dos personagens da nossa divina comédia cotidiana.
Um comentário:
Gostei disso :
" Fazer previsões oscila entre hubris e charlatanismo, mas elas são inevitáveis e devem ser vistas como chutes fundamentados. "
😏
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