Valor Econômico
Sem estratégia de contenção de gastos obrigatórios, câmbio vai continuar desvalorizado; culpar a Faria Lima não ajuda em nada
Um país que cresce há três anos na casa de
3%, com desemprego em queda e renda em alta, convive com um dólar na casa de R$
6 e juros de longo prazo em níveis elevadíssimos, de 7% ao ano, descontada a
inflação. As incertezas sobre as contas públicas levaram a esse salto da moeda
e dos juros longos, contribuindo para a piora das expectativas de inflação,
combinação que caminha para resultar numa forte alta da Selic.
Se isso ocorrer, o que poderia ser uma desaceleração moderada da atividade corre o risco de se tornar uma perda de fôlego mais expressiva, com interrupção da retomada do investimento, além de uma piora da situação fiscal, por encarecer o custo já pesado da dívida pública. Há projeções de que a Selic, hoje em 11,25% ao ano, poderá superar 14% no fim do ciclo de aumento da taxa. Na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana, a aposta dominante é em alta para 12%.
A demora e as trapalhadas do governo no
anúncio das medidas de contenção de gastos fizeram o dólar atingir o nível de
R$ 6, num ambiente global já desfavorável a moedas emergentes. Com Donald Trump
no poder, a política fiscal e a política comercial deverão ser mais
inflacionárias, levando um dólar mais forte e a juros americanos mais elevados
do que o projetado antes da vitória do republicano.
Em resumo, com os seguidos erros e hesitações
na condução da política fiscal, num cenário global mais delicado, o governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva colhe um câmbio excessivamente
desvalorizado, que pode se traduzir numa inflação ainda mais distante da meta
de 3% perseguida pelo Banco Central (BC).
Se o dólar se consolidar na casa de R$ 6,
haverá impactos significativos sobre a inflação, como fica claro nas simulações
do economista Fabio Romão, da LCA Consultores. Hoje, ele prevê um Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 4,8% neste ano e de 4,4% em
2025, considerando que a moeda vai terminar 2024 em R$ 6 e o ano que vem em R$
5,50. Se usar uma previsão de R$ 6 para o dólar no fim de 2025, a estimativa de
inflação do próximo ano passa de 4,4% para 5,2%, um número muito acima do teto
de intervalo de tolerância da meta, de 4,5%.
Lula e o PT veem má vontade e um complô do
mercado contra o governo. A especulação da Faria Lima é que faria o dólar e os
juros subirem. É uma visão caricata. Os movimentos de preços que levaram o
dólar a R$ 6 e os juros reais (descontada a inflação) de longo prazo a 7%
resultam das decisões tomadas por milhares de investidores no Brasil e no
exterior, como bancos, fundos de pensão e fundos de investimento, com as
informações que têm à mão.
Na semana passada, quando o IBGE divulgou os
números do PIB do terceiro trimestre e se consolidaram projeções de um
crescimento perto de 3,5% em 2024, Lula e o PT aproveitaram para alfinetar mais
uma vez o mercado por seus erros de previsão - no fim de 2023, o consenso era
de uma expansão da economia de 1,52% neste ano.
Os economistas de fato têm errado muito em
suas estimativas, mas isso ocorre desde o governo anterior. No fim de 2021, as
projeções para o PIB de 2022, ainda na gestão Jair Bolsonaro, eram de um
crescimento de 0,36%; no fim, a economia cresceu 3%. Há quem diga ainda que o
mercado reage com muito mais rigor em relação à falta de disciplina fiscal de
Lula do que fazia com as medidas de aumento de gastos de Bolsonaro. Em julho de
2022, porém, quando o governo do ex-presidente patrocinou a chamada Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) Kamikaze, que aumentou as despesas em R$ 41,25
bilhões fora do teto de gastos, as taxas dos títulos do Tesouro corrigidos pela
inflação com vencimento em 2045 e 2050 superaram 6,4% ao ano.
É um nível muito mais alto do que o
percentual atingido em novembro de 2019, na casa de 3,3% ao ano, num momento em
que o teto de gastos ainda tinha credibilidade; hoje, estão em 7%. O dólar, que
em abril de 2022 chegou a R$ 4,61, subiu para R$ 5,50 em julho daquele ano, na
época da incerteza causada pela PEC Kamikaze. Os números acima mostram que, no
governo Bolsonaro, o mercado também se equivocou nas projeções para o PIB e que
as cotações do dólar e os juros de longo prazo saltaram com força quando as incertezas
fiscais aumentaram. Mas, para além desse ponto, reclamar do mercado é inútil.
Não vai aliviar a pressão sobre o câmbio e os juros.
O dólar a R$ 6 e os juros reais de longo
prazo nas alturas refletem as dúvidas quanto à trajetória das contas públicas,
que não têm sido enfrentadas pelo governo com determinação. Segundo
especialistas, o pacote de contenção de gastos apresentado no fim de novembro
tem medidas que podem não se concretizar, e o conjunto de iniciativas não
indica que a dívida pública como proporção do PIB vai se estabilizar num prazo
razoável. As despesas obrigatórias devem continuar a crescer com força, num
ritmo incompatível com a necessidade de se gerar resultados primários (não
inclui despesas com juros) que estanquem a expansão do endividamento bruto. O
indicador subiu de 71,7% do PIB no fim de 2022 para 78,6% do PIB em outubro
deste ano, podendo alcançar 84% do PIB em 2026. Nos 12 meses até outubro, o
déficit nominal, que inclui gastos com juros, ficou em 9,52% do PIB, um número
muito alto. O Goldman Sachs prevê uma pequena melhora do déficit nominal paro
ano fechado de 2024, mas ele ainda ficaria em 8% do PIB, subindo para 8,2% em
2025.
Em relatório, os economistas do Goldman Sachs
afirmam que o governo persegue uma estratégia agressiva de tributar e gastar
nos dois últimos anos, avaliando ainda que a credibilidade do arcabouço e das
metas é muito baixa. A dívida pública é alta e deve superar 80% do PIB em
breve, afirmam eles, notando que a gestão de Lula mostra grande resistência em
controlar o crescimento das despesas. Nesse cenário, diz o Goldman Sachs, há
preocupações crescentes de que, na ausência de um ajuste claro, o Brasil possa
entrar em dominância fiscal, quadro em que a falta de credibilidade das contas
públicas faz com que elevações dos juros alimentem a inflação, em vez de
reduzi-la (leia mais sobre o assunto
em reportagem de Alex Ribeiro). Para afastar esses temores, uma
estratégia firme de contenção dos gastos obrigatórios é ainda mais urgente.
Espernear e culpar a Faria Lima não ajuda em nada.
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