segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Dólar a R$ 6 e o efeito sobre a inflação e o nível do juro - Sergio Lamucci

Valor Econômico

Sem estratégia de contenção de gastos obrigatórios, câmbio vai continuar desvalorizado; culpar a Faria Lima não ajuda em nada

Um país que cresce há três anos na casa de 3%, com desemprego em queda e renda em alta, convive com um dólar na casa de R$ 6 e juros de longo prazo em níveis elevadíssimos, de 7% ao ano, descontada a inflação. As incertezas sobre as contas públicas levaram a esse salto da moeda e dos juros longos, contribuindo para a piora das expectativas de inflação, combinação que caminha para resultar numa forte alta da Selic.

Se isso ocorrer, o que poderia ser uma desaceleração moderada da atividade corre o risco de se tornar uma perda de fôlego mais expressiva, com interrupção da retomada do investimento, além de uma piora da situação fiscal, por encarecer o custo já pesado da dívida pública. Há projeções de que a Selic, hoje em 11,25% ao ano, poderá superar 14% no fim do ciclo de aumento da taxa. Na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana, a aposta dominante é em alta para 12%.

A demora e as trapalhadas do governo no anúncio das medidas de contenção de gastos fizeram o dólar atingir o nível de R$ 6, num ambiente global já desfavorável a moedas emergentes. Com Donald Trump no poder, a política fiscal e a política comercial deverão ser mais inflacionárias, levando um dólar mais forte e a juros americanos mais elevados do que o projetado antes da vitória do republicano.

Em resumo, com os seguidos erros e hesitações na condução da política fiscal, num cenário global mais delicado, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva colhe um câmbio excessivamente desvalorizado, que pode se traduzir numa inflação ainda mais distante da meta de 3% perseguida pelo Banco Central (BC).

Se o dólar se consolidar na casa de R$ 6, haverá impactos significativos sobre a inflação, como fica claro nas simulações do economista Fabio Romão, da LCA Consultores. Hoje, ele prevê um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 4,8% neste ano e de 4,4% em 2025, considerando que a moeda vai terminar 2024 em R$ 6 e o ano que vem em R$ 5,50. Se usar uma previsão de R$ 6 para o dólar no fim de 2025, a estimativa de inflação do próximo ano passa de 4,4% para 5,2%, um número muito acima do teto de intervalo de tolerância da meta, de 4,5%.

Lula e o PT veem má vontade e um complô do mercado contra o governo. A especulação da Faria Lima é que faria o dólar e os juros subirem. É uma visão caricata. Os movimentos de preços que levaram o dólar a R$ 6 e os juros reais (descontada a inflação) de longo prazo a 7% resultam das decisões tomadas por milhares de investidores no Brasil e no exterior, como bancos, fundos de pensão e fundos de investimento, com as informações que têm à mão.

Na semana passada, quando o IBGE divulgou os números do PIB do terceiro trimestre e se consolidaram projeções de um crescimento perto de 3,5% em 2024, Lula e o PT aproveitaram para alfinetar mais uma vez o mercado por seus erros de previsão - no fim de 2023, o consenso era de uma expansão da economia de 1,52% neste ano.

Os economistas de fato têm errado muito em suas estimativas, mas isso ocorre desde o governo anterior. No fim de 2021, as projeções para o PIB de 2022, ainda na gestão Jair Bolsonaro, eram de um crescimento de 0,36%; no fim, a economia cresceu 3%. Há quem diga ainda que o mercado reage com muito mais rigor em relação à falta de disciplina fiscal de Lula do que fazia com as medidas de aumento de gastos de Bolsonaro. Em julho de 2022, porém, quando o governo do ex-presidente patrocinou a chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Kamikaze, que aumentou as despesas em R$ 41,25 bilhões fora do teto de gastos, as taxas dos títulos do Tesouro corrigidos pela inflação com vencimento em 2045 e 2050 superaram 6,4% ao ano.

É um nível muito mais alto do que o percentual atingido em novembro de 2019, na casa de 3,3% ao ano, num momento em que o teto de gastos ainda tinha credibilidade; hoje, estão em 7%. O dólar, que em abril de 2022 chegou a R$ 4,61, subiu para R$ 5,50 em julho daquele ano, na época da incerteza causada pela PEC Kamikaze. Os números acima mostram que, no governo Bolsonaro, o mercado também se equivocou nas projeções para o PIB e que as cotações do dólar e os juros de longo prazo saltaram com força quando as incertezas fiscais aumentaram. Mas, para além desse ponto, reclamar do mercado é inútil. Não vai aliviar a pressão sobre o câmbio e os juros.

O dólar a R$ 6 e os juros reais de longo prazo nas alturas refletem as dúvidas quanto à trajetória das contas públicas, que não têm sido enfrentadas pelo governo com determinação. Segundo especialistas, o pacote de contenção de gastos apresentado no fim de novembro tem medidas que podem não se concretizar, e o conjunto de iniciativas não indica que a dívida pública como proporção do PIB vai se estabilizar num prazo razoável. As despesas obrigatórias devem continuar a crescer com força, num ritmo incompatível com a necessidade de se gerar resultados primários (não inclui despesas com juros) que estanquem a expansão do endividamento bruto. O indicador subiu de 71,7% do PIB no fim de 2022 para 78,6% do PIB em outubro deste ano, podendo alcançar 84% do PIB em 2026. Nos 12 meses até outubro, o déficit nominal, que inclui gastos com juros, ficou em 9,52% do PIB, um número muito alto. O Goldman Sachs prevê uma pequena melhora do déficit nominal paro ano fechado de 2024, mas ele ainda ficaria em 8% do PIB, subindo para 8,2% em 2025.

Em relatório, os economistas do Goldman Sachs afirmam que o governo persegue uma estratégia agressiva de tributar e gastar nos dois últimos anos, avaliando ainda que a credibilidade do arcabouço e das metas é muito baixa. A dívida pública é alta e deve superar 80% do PIB em breve, afirmam eles, notando que a gestão de Lula mostra grande resistência em controlar o crescimento das despesas. Nesse cenário, diz o Goldman Sachs, há preocupações crescentes de que, na ausência de um ajuste claro, o Brasil possa entrar em dominância fiscal, quadro em que a falta de credibilidade das contas públicas faz com que elevações dos juros alimentem a inflação, em vez de reduzi-la (leia mais sobre o assunto em reportagem de Alex Ribeiro). Para afastar esses temores, uma estratégia firme de contenção dos gastos obrigatórios é ainda mais urgente. Espernear e culpar a Faria Lima não ajuda em nada.

 

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