segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É desejável trazer o Pan de 2031 para o Brasil

O Globo

Independentemente da sede — Rio/Niterói ou São Paulo —, país teria a ganhar com competição esportiva

Depois de sediar por duas vezes os Jogos Pan-Americanos — em São Paulo, em 1963, e no Rio, em 2007—, o Brasil tem todas as condições de repetir o feito em 2031. Experiência não falta para organizar grandes eventos esportivos, depois de duas Copas do Mundo, em 1950 e 2014, e uma Olimpíada, em 2016 no Rio. O país conta com estádios, pistas de atletismo, ginásios e outros equipamentos à altura das múltiplas competições que caracterizam esses jogos.

O Rio deseja voltar a recepcionar os atletas das Américas quase duas décadas depois, agora associado a Niterói. A iniciativa ajudaria a firmar a cidade como referência para grandes eventos esportivos, que costumam atrair turistas do exterior e do próprio país. A prefeitura de São Paulo informou por nota que apresentou ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) sua carta de intenções na Olimpíada de Paris.

As candidaturas de Rio/Niterói e São Paulo precisam acelerar a preparação das propostas para que sejam entregues até 31 de janeiro. Caberá ao COB escolher quem representará o país na disputa pelo Pan de 2031. É necessário apresentar um dossiê até 30 de abril com o detalhamento de onde ocorrerão as competições e o projeto de uma vila olímpica capaz de receber 6,5 mil visitantes, entre atletas, técnicos e árbitros. A proposta vencedora será decidida em assembleia marcada para 6 e 7 de agosto em Assunção, no Paraguai. Se Rio/Niterói ou São Paulo conseguirem sediar o Pan, o Brasil receberá os Jogos pela terceira vez, equiparando-se a México (Cidade do México duas vezes e Guadalajara) e Canadá (Winnipeg duas vezes e Toronto).

O Rio conta com a vantagem de ter sido sede da Olimpíada. Boa parte da infraestrutura já existe. Além do Maracanã — palco de duas finais de Copa do Mundo —, e do Maracanãzinho, há o Parque Olímpico na Barra da Tijuca, onde ficam o complexo Aquático Maria Lenk e o velódromo. A cidade conta ainda com o estádio Nilton Santos e existe a ideia de reconstruir o Célio de Barros, próximo ao Maracanã, para receber competições de atletismo. Em Niterói, estão à disposição o estádio Caio Martins e o Caminho Niemeyer. A Baía de Guanabara, onde ocorrem regatas, é compartilhada pelas duas cidades. A sede do remo é tradicionalmente a Lagoa Rodrigo de Freitas. Uma das possibilidades de localização da vila olímpica é a Zona Portuária, cuja revitalização ganharia impulso.

São Paulo conta com amplo sistema de transporte coletivo, em que a rede de metrô se destaca. A cidade ampliou e reformou os espaços para os esportes. No lugar do Parque Antártica, usado no Pan de 63, há um estádio moderno, o Allianz Parque, do Palmeiras. Estarão também à disposição a infraestrutura de clubes privados, e continuam em plena atividade a Sociedade Hípica Paulista e o Clube Hípico de Santo Amaro, além das instalações esportivas e da raia olímpica da Universidade de São Paulo (USP), às margens do Rio Pinheiros.

O ex-ministro do Esporte Ricardo Leyser, ligado ao projeto paulistano, afirmou que a ideia da proposta é aproveitar os clubes da cidade — como ocorreu em 63 —, despoluir a represa de Guarapiranga para as competições de remo e, como o Rio, situar a vila olímpica no Centro, também em revitalização. Qualquer que seja a sede escolhida, não há dúvida de que o COB tem sólidos argumentos para trazer o Pan de 2031 para o Brasil.

Valorizar carreira dos professores é fundamental para melhorar o ensino

O Globo

Para êxito da iniciativa do MEC, ela precisará contar com o apoio de prefeitos e governadores

O Ministério da Educação (MEC) pretende anunciar em breve um conjunto de medidas para valorizar a carreira de professor da rede pública de ensino básico. É uma iniciativa acertada. Outrora profissão valorizada, o magistério foi se tornando atividade pouco atraente para os melhores alunos. Com isso, faltam profissionais em salas de aula com formação adequada — licenciatura ou bacharelado na área em que lecionam, com complementação pedagógica. Em São Paulo, professores sem essa qualificação ministram 63% das aulas em Física e 52% em Sociologia, de acordo com levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do MEC. No Rio, 45% e 49%, respectivamente. Na média do país, 22% dos professores de Português, 30% de Matemática e 46% de Física não têm formação específica.

Norte e Nordeste são as regiões em que a falta de professores formados é mais grave. No artigo “Carências de professores na educação básica: risco de apagão?", os pesquisadores Alvana Bof, Luiz Caseiro e Fabiano Mundim, do Inep, revelam que no Acre mais da metade das aulas são dadas por professores sem formação em 12 de 14 disciplinas analisadas. No Maranhão, isso ocorre em dez disciplinas. No Tocantins e Amazonas, em sete. “Não é exagero dizer que já estamos vivenciando um apagão de professores com formação adequada em vários componentes curriculares”, diz estudo do Inep sobre tema.

A intenção do MEC é atrair para o magistério os mais bem colocados no exame do Enem. Não será fácil. O ministro Camilo Santana deseja criar na Educação uma espécie de programa Mais Médicos, com oferta de vantagens para despertar o interesse pela profissão de professor. “Vamos dar uma bolsa a mais para aqueles que queiram ir para determinada região onde há menos profissionais”, diz. O MEC não poderá esquecer os grandes centros, em que também foi constatada escassez de professores formados.

O baixo poder de atração da profissão também faz com que haja vagas ociosas em faculdades voltadas à formação de professores. Apenas 30% dos que cursam licenciatura dão aulas depois de formados. Entre as medidas formuladas no MEC há um programa para que o aspirante a professor, além da bolsa de estudos, consiga formar poupança. Para quem trabalha em sala de aula, haverá facilidades para compra de imóveis, livros e computadores.

Hoje, apenas 3% das questões das provas de concursos públicos para contratar professores avaliam a capacidade dos candidatos de ensinar, de acordo com levantamento do Todos pela Educação em 23 estados e 19 capitais. E apenas quatro redes estaduais e cinco municipais aplicam provas práticas na seleção. O pacote de medidas em estudo inclui a criação de uma prova nacional para aspirantes a professor. Faz mais sentido criar um exame de qualidade do que aperfeiçoar a seleção em mais de 5 mil municípios e 27 estados. O governo federal precisará do apoio deles para o projeto ter sucesso.

Frustração com pacote fiscal exige mais ação do BC

Valor Econômico

O aperto monetário será maior para conter uma inflação cujas expectativas estão prestes a superar a meta também em 2025, um preço caro demais que poderia ser evitado sem muito sacrifício - por enquanto

O dólar voltou a subir acima de R$ 6 na sexta-feira, um dia após o governo abalar mais uma vez a confiança dos investidores ao não cumprir a promessa de fazer um ajuste estrutural nas contas para sustentar o regime fiscal e ainda anunciar que abdicará de R$ 35 bilhões em receitas. A divulgação simultânea de que pretende isentar de Imposto de Renda das pessoas que ganham até R$ 5 mil deu nova confirmação de que o Planalto apenas fará remendos até a próxima eleição, em 2026. O pacote deixou de lado medidas mais firmes para compatibilizar ritmos díspares de despesas, que estão minando as bases do regime fiscal e empurrando as despesas discricionárias, como as de custeio da máquina pública, para fora do orçamento.

As medidas fiscais e a isenção do IR, inesperadamente companheiras, trouxeram mais desvalorização ao real em um momento delicado, em que as depreciações já ocorridas começaram a ser repassadas aos preços. O real desvalorizou-se 18,5% ante a moeda americana até sexta-feira, em um movimento que também eleva a dívida bruta. Segundo o Banco Central, a perda de 1% no câmbio acrescenta R$ 11 bilhões ao endividamento, se mantido por um ano. A maxidesvalorização, se persistir, cava mais fundo um rombo cujo ritmo o novo regime fiscal deveria moderar. Ainda que o fluxo comercial seja positivo, o financeiro não tem sido, e o fluxo de recursos de investidores externos para a bolsa refluiu nos últimos três meses (Valor, 29/11).

O anúncio que destruiu trabalho meticuloso de contenção do ritmo de aumento de gastos feito pela equipe econômica foi a isenção do IR. Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado sabem disso e agiram como bombeiros, produzindo notas de mesmo tom, para restabelecer uma verdade que o presidente Lula ignorou ao insistir agora na isenção do IR. O senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) registrou que medidas de renúncia de receitas só serão examinadas no ano que vem “se, e somente se, tivermos condições fiscais para isso”. “Se não tivermos, isso não vai acontecer”, concluiu. Arthur Lira (PP-AL) afirmou que a questão será abordada “após análise cuidadosa e sobretudo realista de suas fontes de financiamento e efetivo impacto nas contas públicas. Uma coisa de cada vez”.

A primeira reação de quem terá de aprovar ou não o pacote fiscal e a isenção do IR foi a de salvar as medidas de Haddad, que por seu lado foram amortecidas e perderam muito de sua potência. É sabido que o Congresso tem menos resistência a fazer benesses, como a do IR anunciada, do que a elevar impostos, como o governo pretende com o tributo mínimo sobre os ricos. As notas do comando do Legislativo indicam que a princípio considera uma precipitação, se não um erro, o ajuste do IR.

O pacote de medidas deixou de lado as que melindravam ministros ligados a Lula. Depois de Luiz Marinho, do Trabalho, ameaçar pedir demissão, não se mexeu no seguro desemprego, um sorvedouro de recursos que aumenta quanto mais a economia se aproxima do pleno emprego, como agora. O abono salarial de dois salários mínimos levará 10 anos para ser reduzido a 1,5 mínimo - se for. Na Previdência, do ministro Carlos Lupi, apertaram-se regras de averiguação de renda para controlar fraudes no BPC, com mais pente finos que também serão feitos no Bolsa Família.

O resultado desse esforço ficará aquém do que a fragilidade fiscal exige. Economistas e consultorias pesquisadas pelo Valor estimam que as economias a se obter ficarão abaixo dos R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026, situando-se entre R$ 43 bilhões e R$ 53 bilhões. A Instituição Financeira Independente do Senado considerou o esforço insuficiente para eliminar déficits previstos de R$ 102,9 bilhões em 2025 (0,8% do PIB) e de R$ 107,8 bilhões em 2026 (também 0,8% do PIB).

As turbulências no câmbio, desta vez influenciadas inequivocamente pelos fatores domésticos, trazem mais problemas para o BC. O desemprego atingiu no trimestre encerrado em outubro seu menor nível desde 2012, quando a Pnad Contínua começou a ser feita. A renda real do trabalho ainda cresce, e ambos confirmam que a economia, mesmo com juros muito altos, avança acima de seu potencial. As atas do Copom contavam com forte reação da política fiscal que viesse em apoio - e não em sentido contrário, como tem sido - ao da política monetária. O pacote não atende essas expectativas. Ao avaliar vários desses dados ontem, o diretor de Política Monetária e futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, afirmou que “parece lógico você imaginar que vai precisar ter uma taxa de juros mais contracionista por mais tempo”.

Ao tratar de forma displicente a questão fiscal, o governo aumenta a conta a ser cobrada dos contribuintes. A de juros consumiu R$ 869,3 bilhões em 12 meses até outubro e subirá mais. O resultado final é um déficit em um ano de R$ 1,065 trilhão, também em alta. Cada 1 ponto percentual a mais na Selic acrescenta mais R$ 50,3 bilhões na dívida bruta. O aperto monetário será maior para conter uma inflação cujas expectativas estão prestes a superar a meta também em 2025. É um preço caro demais, que poderia ser evitado sem muito sacrifício - por enquanto.

Sob nova guarda, BC terá de carregar a política econômica

Folha de S. Paulo

Autoridade monetária precisa se manter a salvo de pressão política para conter descrédito da gestão petista do Orçamento

Em meio à crise de confiança na gestão econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), será decisivo preservar a gestão autônoma das políticas monetária e cambial pelo Banco Central, que passará pela primeira troca de comando desde que se tornou autônomo.

Com três novos indicados para a diretoria, além do futuro presidente, Gabriel Galípolo, já aprovado pelo Senado, nomes escolhidos pela administração petista serão 7 dos 9 membros do Comitê de Política Monetária (Copom), responsável pela definição da taxa básica de juros.

São ruidosos os clamores do partido e da ala política do governo por uma queda artificial da Selic e intervenções no mercado para controlar a taxa de câmbio —receita certa para um desastre ainda maior na economia.

Os novos indicados foram bem recebidos por especialistas, um bom sinal. Dois são funcionários de carreira que assumirão, se aprovados, as diretorias ligadas à regulação, conduta e comunicação, como tem sido a tradição. A outra vaga, na diretoria de Política Monetária, será ocupada por um nome de mercado.

Desde 1999, a política econômica busca se assentar em três pilares: metas fiscais para evitar aumentos desmesurados da dívida pública, metas de inflação e regime de câmbio flutuante.

O primeiro pilar não depende do BC, mas da Fazenda, e está fragilizado desde 2014, quando o país entrou numa crise orçamentária até hoje não superada.

Quanto aos outros dois, a cargo da autoridade monetária, pode-se dizer que houve momentos de insegurança, em especial no governo Dilma Rousseff (PT), mas até aqui sem afronta inequívoca que fosse capaz de danificar a credibilidade da autarquia.

Em 2021 o Congresso aprovou, felizmente, autonomia legal que estabeleceu mandatos fixos e não coincidentes com o calendário político, ferramenta consagrada para reforçar a atuação técnica.

Esses princípios, que não constam da cartilha petista, precisam ser preservados. A taxa de juros é a ferramenta de controle da inflação, fundamental para a preservação do poder de compra dos mais pobres. Tal gestão se dá sob parâmetros técnicos, e o trabalho é facilitado ou dificultado pela conduta do Executivo. No momento, as taxas sobem pela incontinência do Orçamento.

Merece atenção também a política cambial. O país tem cerca de US$ 360 bilhões em reservas, mas a posição é menor quando são incorporados os passivos de intervenções passadas.

Qualquer ação que dê margem à impressão de que se busca fixar um nível para a cotação do real por pressão política levará à perda de reservas. Não se pode permitir em nenhuma hipótese que seja danificada a posição credora do governo em dólares.

Nada indica até aqui que a nova gestão do BC será subserviente ao Planalto. Mas serão precisos vigilância e apoio da sociedade para que a autoridade monetária continue a realizar o seu trabalho.

Conclusão do acordo Mercosul-UE está mais perto

Folha de S. Paulo

Negociação prospera, mas depende de cálculo político dos Parlamentos; deve-se considerar protecionismo dos EUA sob Trump

O acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE), em negociação há duas décadas, alcançou a etapa da decisão política dos Estados envolvidos. Está próximo de se concretizar, finalmente, um pacto inédito de livre comércio entre os blocos. Mas ainda há riscos de retorno ao lodaçal de debates em que ele se viu submerso por anos.

As negociações técnicas foram concluídas na sexta (29), com avanços em tópicos delicados a ambos os lados do Atlântico. Restam os impasses que dependem de aval dos Parlamentos de cada nação e a esperança de respostas conciliadoras nesta segunda (2).

Será, por óbvio, enorme a frustração se o caldo entornar no momento em que se antecipa uma guinada protecionista nos EUA sob liderança de Donald Trump. Negar o acordo nesse contexto contrariaria os próprios interesses da UE e do Mercosul.

É digno de nota que a negociação tenha prosperado nas últimas semanas, apesar das diatribes protecionistas da França e do anúncio de oposição ao acordo feito pela Polônia. Mas não passará incólume a manifestação da Alemanha sobre a urgência do livre comércio birregional.

Houve acertos relevantes, como abrandar as penas da UE a descumprimentos de normas pelo Mercosul, sobretudo as ambientais. Não foi pouco.

Mesmo imperfeito, o acordo traz redução ou isenção de tarifas para 99% dos itens comercializados, beneficiando a produção dos dois blocos. Mas haverá, claro, setores desafiados a adequar seus níveis de competitividade à franca concorrência.

Fechá-lo e submetê-lo à cúpula do Mercosul em Montevidéu, nos próximos dias 5 e 6, seria feito extraordinário. Deve-se cuidar, porém, de potenciais recuos na fase seguinte, da apreciação pelos Parlamentos envolvidos.

Ao contrário do que disse Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para quem a França "não apita nada", de Paris deve vir o principal veto ao pacto. E pode não ser o único.

Os protestos de agricultores franceses e poloneses, fartamente subsidiados, o intempestivo bloqueio das importações de carnes do Mercosul pela rede varejista Carrefour —desfeito dias depois— e o repúdio da Assembleia Nacional da França antecipam dias difíceis para instituir o acordo.

Os benefícios do livre comércio com o bloco sul-americano podem se diluir em cálculos populistas de governos e Legislativos das nações europeias. Seria lamentável que interesses políticos atropelassem o pragmatismo necessário para concluir um pacto promissor para as economias dos dois lados.

O exemplo da Argentina

O Estado de S. Paulo

Enquanto Lula resiste em fazer um ajuste fiscal e a economia brasileira lida com as consequências dessa hesitação, Milei adota remédio amargo e recupera a confiança dos investidores

Uma onda de otimismo tem varrido a Argentina nos últimos meses. O índice S&P Merval teve o melhor desempenho em dólares entre as 20 principais bolsas de valores no mundo, e um fundo de índice (ETF) que acompanha o movimento das ações das principais empresas argentinas negociadas em Nova York registra entradas recordes desde o início do ano. Os investidores perseguem prêmios maiores e alguma segurança, e é isso que Javier Milei tem oferecido.

Em novembro de 2023, a Argentina enfrentava a pior crise econômica das últimas décadas. O ultraliberal foi eleito prometendo zerar o déficit fiscal. Sem maioria no Congresso, Milei começou mal e comprou briga com os governadores, mas cedeu e conseguiu aprovar seu pacote.

Os cortes de gastos começaram a dar resultados. Em janeiro, as contas públicas tiveram saldo positivo pela primeira vez em 12 anos; em outubro, o país registrou o 10.º superávit primário consecutivo. E, pela primeira vez na história argentina, houve saldo suficiente para pagar também o custo dos juros da dívida.

No dia 15 de novembro, a Fitch elevou a nota de crédito da Argentina de CC para CCC, classificação que ainda mantém o país entre aqueles com alto risco de inadimplência, mas a um degrau da categoria de grau especulativo – uma escala ampla na qual o Brasil se encontra, com a nota BB. O risco país, por sua vez, está no nível mais baixo desde 2019.

As taxas de juros estão em 35% ao ano e, somadas à redução dos subsídios nas contas de água, energia, gás e transporte e às demissões no setor público, fizeram o consumo despencar. Em recessão, o PIB recuou 1,7% no segundo trimestre, depois de cair 2,2% no primeiro trimestre e 1,4% no último trimestre de 2023.

O processo, portanto, não tem sido indolor. No primeiro semestre deste ano, nada menos que 15,7 milhões de pessoas viviam abaixo da linha de pobreza, ou 52,9% da população, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec). Desde o segundo semestre do ano passado, eram 12,3 milhões, o equivalente a 41,7% da população.

A popularidade de Milei, em queda desde que assumiu o governo, voltou a subir nos últimos meses. E mais recentemente, a despeito das manifestações nas ruas, Milei conseguiu evitar a derrubada de seus vetos à recomposição das aposentadorias e do financiamento às universidades públicas, fundamentais para seu plano fiscal.

Milei sabia que a economia iria piorar muito antes de melhorar e, por isso, apostou todas as suas fichas no controle da inflação. A inflação subiu 2,7% em outubro, taxa mais baixa para o mês dos últimos três anos, e, no acumulado de 12 meses, registrou alta de 193%. É um nível elevadíssimo, mas foi a primeira vez, em meses, que a inflação ficou abaixo dos 200% na Argentina.

Há dúvidas sobre a sustentabilidade desse ajuste no longo prazo. Depois da forte desvalorização do peso no início de seu mandato, o país tem feito uma depreciação controlada, mas a diferença entre a cotação oficial do dólar e a do dólar paralelo (blue) está aumentando, em vez de se aproximar.

Mesmo com o peso sobrevalorizado, a Argentina ainda não conseguiu recompor reservas internacionais. Abandonar o câmbio fixo depende da suspensão do controle de capitais – e é o que o mercado deseja –, mas Milei não pretende fazer nada disso tão cedo. Uma rodada de negociação com o Fundo Monetário Internacional, a quem a Argentina deve mais de US$ 40 bilhões, é dada como certa.

É inegável que Milei tem se esforçado para mostrar que a Argentina mudou. A economia deve recuar 3,5% neste ano, mas deve crescer 5% em 2025, segundo o Banco Mundial. Com tantas dificuldades, o país deu passos corajosos na direção correta, uma atitude que contrasta com a hesitação do governo de Lula da Silva.

A escala e a diversificação da economia brasileira não se comparam às da Argentina. Também por isso, o ajuste fiscal de que o Brasil necessita teria magnitude bem menor e consequências muito mais brandas que as vivenciadas pela população do país vizinho. Neste momento, a Argentina ensina algo ao Brasil: quanto mais se adia o reequilíbrio fiscal, mais amargo é o remédio a ser adotado.

A defesa da reforma trabalhista pelo TST

O Estado de S. Paulo

É inacreditável que ministros tenham de dizer que uma lei deve ser seguida. Mas essa obviedade diz muito sobre a resistência que parte da Justiça do Trabalho manifesta contra a reforma

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que a reforma trabalhista vale para contratos de trabalho antigos. A decisão dos ministros da mais alta Corte da Justiça do Trabalho significa que a lei aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo então presidente Michel Temer e em vigor desde 11 de novembro de 2017 deve, ao menos neste ponto, ser cumprida da forma como foi aprovada, não cabendo a interpretação de que as novas regras não se aplicam a contratos de trabalho iniciados antes de sua entrada em vigor.

Na prática, a reforma trabalhista deve obrigatoriamente ser respeitada por juízes e desembargadores de todo o País. Por 15 votos a 10, os ministros seguiram o entendimento de Aloysio Corrêa da Veiga, atual presidente do TST, de que “a Lei n.º 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência”.

É inacreditável que os ministros tenham de dizer aos colegas que uma lei deve ser seguida. Mas o fato de reafirmar essa obviedade diz muito sobre a resistência que parte da Justiça do Trabalho manifesta contra uma reforma vigente há sete anos e que, pelo placar do pleno do TST, também é rejeitada até mesmo por integrantes da mais alta Corte trabalhista.

O caso concreto tratava de uma ação ajuizada por uma trabalhadora contra a JBS, na qual ela reivindicava o recebimento da chamada jornada in itinere, que ocorria quando o tempo de deslocamento ao local de trabalho era incluído na jornada de trabalho. A reforma trabalhista colocou fim a essa previsão legal, que se justificava quando o acesso a um local de trabalho remoto consumia horas de vida de um trabalhador.

A mulher de Porto Velho trabalhou na empresa entre 2013 e 2018. Desse modo, cobrava o recebimento por todo o período do contrato de trabalho, como se ele fosse um direito adquirido. Mas, como bem pontuou o ministro Corrêa da Veiga, não há que falar em desrespeito a direito adquirido, haja vista que a reforma trabalhista inaugurou um novo regramento jurídico.

Segundo o presidente do TST, “não há ofensa ao princípio da proteção nem ofensa às normas mais favoráveis, porque seria repristinar a norma legal revogada”. Ou seja, tratava-se simplesmente de uma tentativa de trazer de volta a jornada in itinere, que já fora revogada com as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 2017. Pela decisão, ficou definido que a trabalhadora receberá por esse direito até o dia 10 de novembro daquele ano. Mas, a partir do dia seguinte, como definiram os legisladores, seu contrato de trabalho passou a ser regido pelas novas regras.

Esse julgamento do pleno do TST dirimiu todas as dúvidas que ainda restavam sobre a validade da reforma sobre contratos antigos e pacificou o entendimento em relação a esse tema em toda a Justiça trabalhista. O que fizeram os ministros foi tão somente reafirmar aos colegas que a reforma trabalhista está em vigor e, por isso, deve ser respeitada, aplicada e cumprida no Brasil.

Em bom português, não será mais permitido a magistrados recorrerem a fintas interpretativas para se desviar da lei. A fim de promover o que costumam chamar de defesa dos hipossuficientes, partindo da premissa, muitas vezes equivocada, de que o trabalhador sempre é a parte mais fraca no contrato de trabalho, alguns juízes têm a crença de que detêm o poder – e o dever – de protegê-lo. Mas a defesa desse princípio da hipossuficiência não pode justificar o descumprimento da lei.

Em que pese o ranço ideológico, e não jurídico, de parte da magistratura, a reforma trabalhista reduziu o volume de processos, flexibilizou as relações de trabalho, modernizou a dinâmica entre empregados e empregadores e legou mais segurança ao País, objetivos que também deveriam ser de interesse dos juízes. Tanto tempo depois, parecem prevalecer o bom senso e o bom direito. E espera-se, de uma vez por todas, que cesse o descumprimento da legislação por aqueles que resistem a mudanças e ignoram os novos tempos.

O novo patamar do câmbio

O Estado de S. Paulo

Dólar a R$ 6 reflete relação cambial ditada pela consolidação da política fiscal de Lula da Silva

Os seis primeiros meses da terceira gestão de Lula da Silva foram marcados por um importante recorde no câmbio: a queda acumulada do dólar de 6,93%, que representou a maior valorização do real em um primeiro semestre de governo desde 2007. O segundo período do ano não foi tão bom, mas, mesmo assim, ao fim de 2023 o dólar registrava baixa de 8% ante o real, a maior queda anual desde 2016. Hoje o mercado de câmbio está completamente diferente. O ano de 2024 ainda não terminou, e a alta da moeda americana no ano ronda os 25%, com a cotação do dólar de R$ 6, recorde histórico.

Economistas apontam uma mudança de patamar e não apenas mera volatilidade, como afirmou Zeina Latif, em entrevista ao jornal O Globo. O mercado de câmbio, lembrou ela, está cada vez mais rígido e o comportamento do dólar tende a piorar um contexto inflacionário já desconfortável. Na primeira metade do ano, quando a mudança na relação cambial entre o dólar e o real começou a ganhar terreno, a visão da chegada a um novo patamar não estava assim tão cristalizada.

Avaliando a valorização do real do ano passado, é fácil enxergar a intensa relação entre o comportamento do câmbio e as pautas fiscais do governo. Na primeira metade de 2023, apesar do conturbado cenário externo, com a guerra entre Rússia e Ucrânia completando um ano, Lula da Silva, como era previsível, adotou comportamento mais moderado do que na época de campanha e, sob a coordenação do ministro Fernando Haddad, conseguiu aprovar o novo arcabouço fiscal e fazer andar a reforma tributária. As perspectivas eram de que o governo estava, enfim, caminhando em direção ao controle da dívida pública.

A entrada de capital estrangeiro aumentava à medida que também crescia a confiança no compromisso fiscal do governo, e a melhora das expectativas fez o Banco Central iniciar, em agosto, um ciclo de queda de juros. Os meses que se seguiram, porém, foram desmontando a confiança. Em abril de 2024, com apenas sete meses de vigência, o novo arcabouço teve as metas fiscais de 2025 e 2026 revisadas. A ideia de superávit em 2025 foi abandonada; em 2024 o governo passou a aceitar passivamente o rombo de até R$ 28,8 bilhões, que periga ser ultrapassado. Naquele abril, o dólar disparou 5,25% em uma semana, atingindo R$ 5,26, mas Haddad atribuiu “dois terços” da alta a incertezas vindas dos Estados Unidos.

Hoje é possível perceber com clareza que é a incerteza interna o maior motor da alta do dólar. A despeito do esforço da equipe econômica e das sucessivas promessas de buscar o equilíbrio das contas, está cada vez mais patente que política fiscal não é prioridade no governo e a forte resistência vinda do próprio presidente Lula mina a credibilidade dos discursos em contrário dos ministros do Planejamento, Simone Tebet, e da Fazenda.

Mesmo antes da divulgação do mirrado pacote de corte de gastos, o Boletim Focus, do Banco Central, já indicava dólar a R$ 5,70 no fim do ano. No atual contexto, o dólar a R$ 6 representa, de fato, um novo patamar, com consequências por certo desastrosas para inflação e juros.

Brasil e a gestão de riscos ambientais

Correio Braziliense

É urgente uma nova postura do poder público, dos órgãos setoriais, da sociedade civil organizada e da população em geral diante dessa questão

Há décadas, o Brasil acumula desastres, transtornos e prejuízos durante o período chuvoso e, neste ano, a história se repete. Sem ir muito distante no tempo e analisando apenas os últimos 30 dias, registros indicam que o perigo está presente. Para este mês, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) espera a ocorrência de tempestades em pontos espalhados pelo país. Fato é que a temporada das águas entra em cena trazendo novamente o medo para a população. A gestão de riscos, que deveria ser prática constante e eficiente, segue sem dar conta do tamanho dos problemas.

Sete dias atrás, um forte temporal provocou graves transtornos aos moradores do Sol Nascente, do Pôr do Sol e de Ceilândia. Carros foramlevados pelas enxurradas, que danificaram asfalto, inundaram estabelecimentos comerciais e garagens. O governo do Distrito Federal criou uma força-tarefa para mitigar os danos causados pela tempestade, que afetou, inclusive, o Hospital Regional de Ceilândia.

No fim de semana, a Defesa Civil Nacional testou o aviso de emergência em celulares. A mensagem de texto sobrepõe qualquer função que estiver sendo usada no momento do envio para que o usuário perceba a informação e a gravidade da situação. A verificação do sistema ocorreu em cidades do Rio Grande do Sul e em Belo Horizonte. Nestaquarta-feira, o recurso gratuito será disponibilizado para todo o território brasileiro, com alcance das redes 4G e 5G. A ferramenta é importante se chegar a tempo de a pessoa se proteger e junta-se a outras que são oferecidas pelos órgãos estaduais. Mas mitigar os diversos impactos causados pelas chuvas requer que ações e estratégias de infraestrutura sejam efetivas.

A mudança climática não pode ser justificativa para tragédias e contratempos. Os governos precisam investir de forma mais eficiente na gestão de riscos, implementando programas e políticas atuais que consigam dar respostas à altura dos eventos extremos.

O Brasil tem de desenvolver medidas multidisciplinares e sistematizadas que previnam acidentes ambientais, inundações, deslizamentos e o que mais pode acontecer em decorrência de chuvas fortes. A população e as instituições não podem ficar alheias à possibilidade da ocorrência de sinistros, mesmo que oriundos de perigos naturais. Por um conjunto de fatores, o país não tem uma cultura de gestão de risco, mas, sim, de gestão de crise.

Segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU), o Executivo deixou de aplicar 35,5% do montante destinado ao programa de Gestão de Riscos e Desastres da Defesa Civil entre 2012 e 2023. Dos R$ 33,75 bilhões previstos no Orçamento para ações de resposta, recuperação e prevenção, R$ 21,79 bilhões foram efetivamente pagos pela União ou transferidos a estados e municípios — o equivalente a 64,5% do total. As informações do TCU revelam também que apenas R$ 6 bilhões (27,6% do total) foram destinados para medidas de prevenção — obras de infraestrutura executadas para evitar ou reduzir a ocorrência de desastres. Os números mostram que a negligência começa com o repasse e a aplicação dos recursos..

É urgente uma nova postura do poder público, dos órgãos setoriais, da sociedade civil organizada e da população em geral diante dessa questão. As precipitações pluviométricas vão ocorrer. Nesse sentido, não é possível mais aceitar carência na gestão de riscos. Os padrões de uso e gerenciamento do território, além de, principalmente, dos investimentos, têm de ser revistos para que garantam a prevenção de perdas humanas e econômicas atreladas às chuvas.


 

 

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