terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Bem mais do que constrangedor. Por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Sensação de que Supremo vive numa bolha do ‘vale tudo’, como se salvar a democracia justificasse qualquer coisa e contrariando a máxima de ‘ninguém está acima da lei’

Do céu ao inferno em um ano, o Supremo Tribunal Federal atravessou 2025 como o salvador da Pátria e das instituições ao condenar um ex-presidente e oficiais de quatro estrelas por tentativa de golpe de Estado, mas morreu na praia, antes do Ano Novo, afogado em suspeitas éticas graves e relações nada republicanas envolvendo o Banco Master.

O vagalhão atingiu em cheio o ícone da defesa da democracia, ministro Alexandre de Moraes, que frequentava jantares na mansão de Daniel Vorcaro e fazia gestões insistentes e não bem explicadas junto a Gabriel Galípolo, do Banco Central, enquanto o escritório de advocacia de sua mulher mantinha um contrato milionário com o Master.

Dias Toffoli também não passa ileso e determinou uma acareação, nesta terça-feira, 30, entre representantes do Master, do BRB, usado para tentar salvar o banco de Vorcaro, e do BC, que teme cair numa armadilha para dar o que a defesa de Vorcaro mais quer: reverter a liquidação do seu banco.

Se a decisão de Toffoli já seria naturalmente controvertida, ela fica mais chocante diante das circunstâncias: a atração do processo do Master para o STF e a decretação de sigilo total logo após a viagem do ministro com um advogado do Master num jatinho e a revelação de que sua ex-mulher foi sócia de outro advogado do banco num escritório de Brasília.

Embalado pela própria personalidade e pelo combate ao golpe, Moraes se sentia inatingível e dava de ombros para um velho ditado: “quanto mais alto o pulo, maior o tombo”. A admiração pode se tornar decepção, de um lado, e a perseguição, comemoração, do outro. Nem uma coisa nem outra faz bem à democracia, à política, à crença nas instituições – a um ano das eleições.

Quanto a Toffoli: alheio a regras e críticas, ele estarreceu gregos e troianos ao defender a revisão para lá de camarada do acordo de leniência da JBS e agora se sabe que sua ex-mulher atua para a J&F, holding da gigante de carnes.

A teia entre ministros do STF, seus familiares, grandes escritórios de advocacia e donos de fortunas formidáveis (e de origem duvidosa) é muito mais do que constrangedora. O que está em jogo não é só a credibilidade de um ministro ou outro, mas a importância do Supremo, e do próprio Moraes, para o Brasil e os brasileiros.

As histórias se acumulam, com a triste sensação de que o STF vive numa bolha do “vale tudo”, como se salvar a democracia justificasse qualquer coisa e contrariando a máxima de “ninguém está acima da lei”. Aliás, os mesmos erros de Sérgio Moro e a Lava Jato, em sua trajetória do céu ao inferno.

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